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A partir da década de 1990, houve a intensificação, no Brasil, de uma série de medidas no que diz respeito ao mercado de trabalho, políticas públicas e organização do Estado, conhe- cidas por Neoliberalismo, que tiveram impacto direto sobre a população em situação de rua. A agenda neoliberal já ganhara o mundo ocidental e o Chile cerca de vinte anos antes, e adentra e se aprofunda na América Latina especialmente a partir do Consenso de Washington, de 1989. Uma das características desse modelo foi a reestruturação produtiva, que implica uma reorganização dos setores de produção, especialmente com a acentuação da automação e mudanças na gestão do trabalho. Junte-se a isso a desregulamentação dos direitos trabalhistas, privatização de serviços e empresas estatais, implicando um aumento no desemprego, no trabalho precarizado e no trabalho informal (SILVA, 2006).

O neoliberalismo também impactou a organização das cidades, acentuando seus aspectos segregatórios, desigualdade no acesso a suas estruturas, bem como a reconfiguração das forças que direcionam a gestão do espaço urbano. Olhemos de forma mais atenta para esse processo.

Se a cidade é, como queria Lefebvre (2001), obra humana, ela é a mediação por excelência das relações humanas em dada constituição histórica. Isso implica dizer que, quando vivemos na e reproduzimos a cidade, estamos reproduzindo as próprias relações sociais que conformam nossa época histórica. Se vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais, a cidade é parte da estrutura que sustenta e reproduz tais relações de classe, ou seja, o urbano tal qual conhecemos é o

urbano capitalista, que se conforma às próprias transformações internas desse sistema (LORENA, 2012; PRUSTELO, 2014).

Isso ocorre, pois o “arranjo espacial” (HARVEY, 1982) precisa se organizar de forma que ajude a garantir a acumu- lação do capital. Assim, a cidade é concentradora de elementos fundamentais nesse processo, como capitais, atividades produ- tivas e de circulação, meios de consumo e população (LORENA, 2012). Nesse último caso, as cidades concentram não somente a força de trabalho necessária para as ocupações disponíveis, mas a força de trabalho excedente, aquela que se inserirá nas ocupa- ções precarizadas, ou que não encontrará espaço no mercado de trabalho, atuando na regulação dos salários e que, como já visto, constitui um mecanismo importante para a formação do fenômeno da PSR. Esse aspecto é importante para entendermos a população em situação de rua como inserida na dinâmica da produção capitalista das cidades.

Contudo, as cidades não são apenas um aparato estru- tural que permite o movimento do capitalismo. Elas também possuem o caráter de mercadoria, ou de conjunto de mercado- rias. Por um lado, os processos de urbanização movimentam uma imensa massa de capital e garantem enormes circuitos de acumulação; por outro, os espaços urbanos se tornam eles mesmos mercadorias, como é o caso das estradas privatizadas, dos shopping centers, clubes, habitações etc. Isso faz com que o capitalismo não viva sem produzir as cidades como sua condição de possibilidade e como uma de suas formas de realização material. Basta pensar no papel que o mercado imobiliário cumpriu no crescimento dos países do capitalismo central a partir da crise dos anos 1970 e no papel das reestru- turações urbanas capitaneadas pelos megaeventos esportivos recentemente. São as necessidades do capital que tendem a

conduzir os processos urbanos. Trata-se de uma tendência, que pode ser realizada em maior ou menor medida em função das configurações conjunturais das lutas de classes, em que a classe trabalhadora pode garantir, por meio de pressão e reivindicação popular, possibilidades de interferir nessa dinâmica urbana, como foi o caso das conquistas impressas na constituição de 1988, sobre as quais falaremos mais adiante. As contradições de classe do modo de produção capitalista passam pela forma como cada segmento social produz e se apropria da cidade (SANTOS JUNIOR, 2014). Uma vez que a cidade é um dos campos de produção do excedente, motor do movimento de acumulação de capital, a classe trabalhadora acaba participando justamente na produção desses valores urbanos, que são apropriados pelos donos dos meios de produção.

O que se pode afirmar é que o capital precisa sempre buscar conduzir os processos urbanos, seja a urbanização como configuração espacial, seja a urbanização como modo de viver as cidades. Quando o sistema entra em crise e as cidades se tornam uma barreira para sua expansão, característica inalienável do capital, suas configurações devem ser alteradas (HARVEY, 2012). Isso aconteceu também a partir da contrarreforma neoliberal.

Os ideais de desregulamentação e privatização atingiram o solo urbano, transformando as cidades num grande balcão de negócios, transpondo a lógica empresarial e concorrencial para a gestão urbana (ARANTES, 2006). Contrapondo-se ao modelo até então em voga em que o Estado era o principal gerenciador do desenvolvimento urbano, e orientada pelas agências finan- ceiras internacionais, a reforma das cidades se alia à reforma de Estado, adotando o modelo de mercado (CORRAL, 2010).

Esse processo acentuou a mercantilização dos espaços urbanos e a diminuição de seu caráter público. Algumas

consequências disso são a transferência da sociabilidade, do lazer, da cultura, para a esfera privada. A própria estética urbana, em várias cidades, se modela em função das neces- sidades da indústria do turismo. O desinvestimento na esfera pública também atinge outros espaços fundamentais da vida nas cidades, como transporte público, habitação, saneamento e segurança. O recrudescimento da lógica neoliberal na repro- dução das cidades aprofunda as manifestações da questão social no solo urbano, ampliando a concentração de renda e de propriedade, intensificando, por exemplo, o problema do déficit habitacional. O acesso à vida na cidade é cada vez mais mediado pela possibilidade de consumir. A qualidade de vida nas cidades passa a ser um produto, acessível a poucos (HARVEY, 2012), o que reforça a condição de uma cidade desapropriada de seus moradores e apropriada pelos agentes econômicos. Ou seja, a condição de mercadoria da cidade se acentua, e o caráter dúplice e contraditório, em que o valor de troca é predominante sobre o valor de uso desta, fica mais evidente e intensificado.

O avanço da lógica neoliberal no Brasil impactou a formação do fenômeno da PSR. As medidas tomadas, sobre- tudo ao longo da década de 1990, aumentaram o desemprego e a precarização das relações e condições de trabalho, apro- fundando a desigualdade e os níveis de pobreza no país. A reestruturação produtiva mudou a composição das ocupações, impactando também as características da PSR, em função dos setores que sofreram maior retração (SILVA, 2006). Ainda que as pesquisas sobre o tema das mudanças no mercado de trabalho e PSR sejam escassas e devamos ter cuidado com as diferenças regionais que podem implicar nessa configuração, é notório que a flexibilização e a precarização das relações de trabalho tiveram impacto em todo o território nacional, fazendo crescer

o desemprego, a informalidade, trabalhos de baixíssima remu- neração e, entre esses, os que são exercidos comumente pelas pessoas em situação de rua, como guardar carros, coleta de materiais recicláveis, engraxate etc.

Se é da própria lógica do capital desapropriar a cidade de seus moradores e, no neoliberalismo, esvaziar o caráter público do espaço urbano (processo que não é substancialmente distinto de elementos de acumulação primitiva já destacados), é esse cenário de abandono que as pessoas em situação de rua ocupam, construindo “cidades de plástico e de papelão” (SANTOS, 2003). Pode-se dizer que a relação das cidades com a PSR possui um duplo movimento: em um sentido, a cidade nega esse segmento, na medida em que é o locus das manifestações da questão social, que se personificam de forma intensa na PSR. As próprias marcas da invisibilidade, do preconceito e das ações higienistas, mostram o caráter indesejado que as cidades imprimem nessas populações. Em um movimento em sentido contrário, a sobrevivência dessas pessoas implica em ocupar a cidade, manejar seus recursos e criar formas de sociabilidade próprias no solo urbano.

De acordo com os dados da pesquisa realizada na cidade do Natal (ARRAES AMORIM, 2015), entre os usos que essas pessoas fazem dos espaços da cidade, a maioria afirmou que costuma dormir no albergue municipal. Também utilizam como espaço para passar a noite calçadas e calçadões, praças e, com menor frequência, casas ou prédios abandonados. Quando questionadas sobre os locais onde passam a maior parte do tempo durante o dia, a resposta mais comum foi nas ruas (perambulando), seguida de praças, estacionamentos, calçadas e em frente a estabelecimentos comerciais.

A preferência pelo albergue como abrigo durante a noite indica por um lado o risco que as ruas apresentam para as pessoas em situação de rua, mas também a possibilidade de alimentação. Isso sugere que a forma de apropriação das cidades não implica o exercício do direito à cidade. Ao contrário, os espaços buscados são aqueles que podem oferecer menos riscos, não possuem grande circulação de pessoas durante a noite ou, na dinâmica da cidade, são lugares de passagem ou abandonados. É importante destacar que o caráter urbano da população em situação de rua está relacionado às necessidades que as condições que levam à rua impõem. Assim, a arquitetura urbana, mesmo que seja em sua deterioração física e social, favorece às necessidades de abrigo e proteção (SILVA, 2006). Além disso, como é visto nos espaços de circulação ao longo do dia pelas pessoas em situação de rua, os grandes centros urbanos concentram circulação de pessoas, capital e ativi- dades econômicas informais. Assim, estacionamentos, praças, comércios, calçadas concentram pessoas e possibilitam formas de renda, seja com atividades econômicas, seja com doações. O “perambular” pelas ruas também se liga às necessidades concretas mais imediatas de rendas pontuais e alimentação, além de ser forma de escapar da visibilização perversa, em que chamar a atenção parado em algum lugar pode tornar-se um risco. É comum que abordagens policiais a essa população sejam intermediadas pela expressão “circulando, circulando!”, ou seja, pela marca do preconceito que atinge a PSR, sua presença em algum ponto da cidade é vista como ameaça. Circular é forma de devolver-lhes a invisibilidade.

Outro uso dos espaços da cidade relacionado com atividades cotidianas diz respeito às ações de higiene pessoal (necessidades fisiológicas, asseio, banho). Entre as opções

exploradas, novamente o albergue municipal foi o lugar mais comum entre as pessoas participantes, seguido dos banheiros públicos e da rua.

A cidade é também a possibilidade de renda. Diferentemente do que geralmente se concebe a respeito dessa população, dados da pesquisa nacional corroborados pela pesquisa local apontam para o fato de que a maior parte dessa população é composta por trabalhadoras/es, exercendo alguma atividade remunerada. Observa-se, então, que diferentes espaços da cidade se tornam potenciais para atividades cuja finalidade é geração de renda. Em Natal, entre as atividades mais frequentes estão a mendicância, a vigilância e lavagem de carros (flanelinhas), atividades na construção civil e coleta de materiais recicláveis. Vale destacar a forma como a PSR é inserida nas relações com a rua. O desenho urbano capitalista prioriza, nas cidades brasileiras, o uso do carro, ao mesmo tempo em que invisibiliza as pessoas em situação de rua, e justamente aqueles que não são cuidados pela cidade, cuidam de um dos objetos mais representativos da lógica de funciona- mento urbano. Certamente não há uma aceitação inconteste da presença dessas pessoas nesses espaços e recorrentemente ocorrem conflitos entre donos de carros, estabelecimentos próximos e guardadores, e essa presença tem mais a ver com as iniciativas das pessoas em situação de rua por formas de sobrevivência, impondo sua presença mesmo em ambientes hostis. Mas nota-se uma forma de incorporação das pessoas em situação de rua ao urbano, em uma visibilização precarizada em que passam a fazer parte da dinâmica do urbano.

Para além desse campo ético, também se destaca a parti- cipação da PSR na coleta de materiais recicláveis. O catador de lixo está longe de ser um excluído urbano ou social. “A cadeia

do lixo é lucrativa” (SILVA, 2010, p. 128), e catadores e deposeiros estão na ponta do circuito, realizando um trabalho precarizado, mas que alimenta uma grande indústria já internacionalizada. Em meados dos anos 1990, Calderoni (1996) mostrou que, em São Paulo, dos ganhos com a reciclagem, 14% ficaram com os cata- dores, enquanto 66% ficaram com as indústrias. Vale destacar que os circuitos de acumulação do capital introduzidos pela mercantilização dos problemas ambientais globais, e a indústria da reciclagem é um deles, são uma característica marcante do período neoliberal (FARIAS, 2017; SILVA, 2010). Não é somente no estágio neoliberal que a reprodução capitalista produz massas de descartáveis, mas é típico dessa época a mercan- tilização desse descarte e o mesmo vale para a PSR. O capital que historicamente os trata como excesso, como descarte, começa a desenvolver mais formas lucrativas de absorvê-los sem, contudo, garantir que essa condição seja superada, “um sistema, no qual o descarte da sociedade afluente se torna o capital dos despossuídos” (SANTOS, 2009, p. 149).

O que esses exemplos mostram é um papel da PSR na reprodução da cidade capitalista sendo incorporada em ativi- dades de remuneração e condições de trabalho precárias, que raramente garantem renda suficiente para uma moradia, mas fazem parte dos processos de acumulação de capital mediados pelo meio urbano. Tanto o guardador de carro quanto o catador de material reciclável (ou “agente ambiental”, para utilizar o termo ideologizado) passam a se inserir na vida urbana, fazen- do-a funcionar, com mercados que se abastecem de sua mão de obra, sem que esta cidade legitime essas pessoas.

Essa não legitimidade fica evidente quando pensamos no preconceito como a marca da “inserção” da PSR no ambiente urbano. Na pesquisa realizada em Natal, os locais mais comuns

nos quais os respondentes da pesquisa relataram terem sofrido discriminação, com o impedimento de sua entrada, foram estabelecimentos comerciais, shoppings centers. Ressalta-se, também, o impedimento ao acesso a transportes coletivos e serviços públicos. Cabe observar que a questão abordava apenas se a pessoa havia sofrido algum impedimento ao tentar acessar determinado local, porém é plausível considerar que essas pessoas, de partida, podem evitar tentar esse acesso tendo em vista as chances de serem barradas. Ressalta-se, ainda, que participantes da pesquisa afirmaram já terem sofrido algum tipo de descriminação ou violências nesses locais.

Silva (2006, p. 92) aponta para o “preconceito como marca do grau de dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo fenômeno” como característica comum a esse segmento. “Mendigos”, “vagabundos”, “malo- queiros”, “desocupados”, “bandidos”, “vadios”, “loucos”, “sujos”, “flagelados”, “náufragos da vida”, “rejeitados”, “indesejáveis”, “esmolés”, “encortiçados”, “maltrapilhos”, “molambos” são alguns dos nomes historicamente utilizados como categorias para estigmatizar e afirmar ideologicamente a condição infe- rior das pessoas em situação de rua.

Tanto na constituição das cidades europeias quanto na formação das cidades do capitalismo periférico, desenvolveu-se a ideia de “classes perigosas” e suas contrapartes territoriais: os bairros “perigosos”, os cortiços e as ruas por onde peram- bulavam (CERQUEIRA, 2011). A moral burguesa, do mérito individual e do trabalho, não enxergava dignidade naqueles que consideravam fracassados ou ociosos, relacionando essas características ao banditismo, à imoralidade e à periculosi- dade. Isso permanece justificando as ações higienistas no solo

urbano em nome da valorização de terrenos para a especulação imobiliária.

Essa forma de caracterização juntamente com a invi- sibilização são formas de naturalizar a situação e também culpabilizar os sujeitos por suas condições. Tanto a naturali- zação quanto a culpabilização operam na absorção que a cidade faz da PSR: trata-se do fenômeno com inevitabilidade e aceitabi- lidade suficientes para marcar um valor moral que justifique a condição precária de suas “moradias”, seus trabalhos e vida em geral, e também as violências sofridas na rua. A cidade, que não é compreendida dentro de seu processo histórico-social, suas determinações capitalistas e sua transitoriedade, possui nas pessoas em situação de rua, com a mediação das formas histó- ricas de discriminação, os corpos que serão responsabilizados por sua disfuncionalidade e o lócus dos ajustes necessários, mesmo que repressivos.

O processo histórico de conformação das cidades no Brasil é marcado por disputas pelo solo urbano. Se por um lado as elites saem vitoriosas, favorecidas quase que exclusiva- mente pela urbanização, por outro, observa-se a resistência por parte de diferentes segmentos da sociedade em mobilizações e movimentos sociais que tensionam e reivindicam mudanças nos encaminhamentos desse processo. Marcos, como a Reforma Urbana em 1988 e a lei do Estatuto da Cidade de 2001, demons- tram a importância de tais movimentos reivindicatórios e apontam para o seu potencial na transformação e democrati- zação do solo urbano. Para compreender sua relevância, faz-se necessário passar em revista, ainda que brevemente, como ocorreu (e tem ocorrido) o acesso à propriedade da terra no Brasil.

Se até meados do século XIX o solo brasileiro não tinha valor de comércio, sendo repartido pela Coroa ou simplesmente tomado por grandes donatários rurais, a partir dos anos de 1850, com a Lei de Terras, deu-se o início da privatização do solo no país, beneficiando tanto a Coroa, que passa a tratá-lo como mercadoria, quanto aqueles que já detinham porções dele. Somado ao fim do tráfico de escravos e posteriormente a sua libertação, atendendo aos interesses comerciais da Inglaterra, se acirra a divisão social entre os proprietários fundiários e aqueles sem condições de adquirir porções de terra, como as pessoas libertas da escravidão e as imigrantes, que tinham dívidas com o patronato (FERREIRA, 2005).

Entre os séculos XIX e XX, com o crescente da economia agroexportadora, as cidades consolidam sua importância como centros de controle e comercialização da produção do campo, sendo alvos de grandes intervenções urbanísticas. No entanto, com tais intervenções, o poder público beneficiava exclusiva- mente as elites melhorando os bairros das classes dominantes, enquanto surgem os primeiros cortiços e ocupações irregulares em morros com moradias improvisadas. Constituem-se, desse modo, a parte das cidades marcada pela falta de infraestrutura, insalubridade e doenças associadas a esse contexto, assim como pela alta concentração populacional e violência. São sinais do histórico da segregação espacial no país (FERREIRA, 2005).

Posteriormente, com o fortalecimento do capital indus- trial decorrente da intensificação da industrialização no país, acentuam-se a divisão social do trabalho e a divisão social do espaço. Classe dominante e operariado urbano dividem de modo desigual os espaços da cidade, arrefecendo a já evidenciada segregação espacial e a disputa pelo solo urbano. Segundo Maricato (1996), há uma relação entre produção ilegal

de moradias e o urbanismo, visto que o salário do operariado industrial não lhe possibilitava adquirir uma casa no mercado imobiliário e, somado a isso, não havia constrangimentos antiespeculativos por parte dos agentes do mercado e os inves- timentos públicos favoreciam a infraestrutura industrial e o mercado concentrado e restrito.

A questão habitacional segue sendo enfrentada de forma insuficiente nos períodos subsequentes. No governo populista de Vargas, a provisão habitacional para as classes populares é marcada por uma ação estatal módica e pela predominância das iniciativas privadas em vilas de baixo padrão, com a popu- lação mais pobre recorrendo aos cortiços. Já durante o regime militar, ocorrem iniciativas de planejamento urbano, com caráter centralizado e tecnocrático. Em paralelo à promoção das políticas públicas voltadas para o acesso à moradia, houve o aquecimento do mercado da produção habitacional, composto por grandes empreiteiras, impulsionando o “milagre” brasileiro. No entanto, a população pauperizada seguiu (e segue) sendo excluída dos avanços no processo de urbanização, tornando-se refém do clientelismo (FERREIRA, 2005).

De acordo com Ribeiro e Santos Junior (2011), a constituição do Brasil urbano decorre de uma aliança mercan- tilizadora da cidade, sendo o Estado seu principal agenciador, seja favorecendo os interesses da acumulação urbana, seja realizando encomendas de construção de mega obras urbanas; ou ainda se omitindo em seu lugar como planejador do desen- volvimento urbano, com uma política de tolerância com as desiguais formas de apropriação do solo urbano, na ocupação de áreas nobres pelas elites, e nas favelas e nos loteamentos irregulares pelas camadas mais pobres da população.

Para fazer frente aos desdobramentos desse processo histórico de segregação espacial e urbanização excludente, dife- rentes setores da sociedade civil passaram a se mobilizar para reivindicar melhorias, como a regularização dos loteamentos ilegais, infraestrutura básica nas periferias das cidades, a instalação de equipamentos de saúde, educação etc. (FERREIRA, 2005). O Movimento pela Reforma Urbana, nos anos de 1970, emergiu da articulação entre agentes da sociedade civil, setores