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Projetos de Lei sobre protestos

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 138-148)

5 PROCESSO PENAL, DIREITO AO PROTESTO E DEMOCRACIA

5.6 Projetos de Lei sobre protestos

As tensões no campo político, jurídico e teórico relativas ao direito ao protesto, atuação de movimentos sociais e consolidação da democracia, encontram ressonância também no Poder Legislativo. Impende, portanto, realizar uma breve análise do reflexo dessas questões no trabalho de elaboração e trâmite de projetos de lei na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para aferir as oscilações dos parlamentares brasileiros a respeito destes temas.

Nestas linhas finais do presente trabalho, cabe mencionar que tramitam nas duas casas legislativas projetos de leis que visam tipificar criminalmente, proibir ou agravar penas de condutas relacionadas aos protestos. Além disso, por iniciativa do Poder Executivo, tramita também projeto de lei versando sobre terrorismo. Especialmente a partir das mobilizações ocorridas no país em junho de 2013, foram apresentados pelo parlamento brasileiro diversos projetos de lei sobre protestos.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, denominada “CMPI da Terra”, criada no âmbito do Congresso Nacional, no ano de 2003, com o objetivo de “realizar diagnóstico sobre a estrutura fundiária brasileira, os processos de reforma agrária e urbana, os movimentos sociais de trabalhadores e dos proprietários de terras”493, foi marcada pela disputa de visões entre seus membros.

O texto final dos trabalhos, apresentado pelo relator da Comissão, recomendando a realização efetiva da reforma agrária no país, foi rejeitado pela maioria dos membros e substituído por relatório produzido por outro parlamentar, com propostas de alterações legislativas visando a tipificação penal de condutas coletivas de movimentos sociais reivindicatórios.

493 CONGRESSO NACIONAL. Relatório dos Trabalhos da CPMI “Da Terra”. Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. Relator deputado Abelardo Lupion 2003-CN. Brasília: CPMI “Da Terra”, 2005.

A primeira das propostas deu origem ao Projeto de Lei do Senado nº264 de 2006494, cujo propósito era o de alterar o artigo 161 do Código Penal, com a criação do tipo penal de esbulho possessório com fins políticos, e alterar o artigo 1º da Lei nº8.072, de 25 de julho de 1990, que passaria a incluir o novo delito no rol dos crimes hediondos. De acordo com o projeto de lei, os dispositivos legais passariam a vigorar com a seguinte redação:

Artigo 1º O artigo 161 do Decreto-Lei nº2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a viger com o seguinte §2º, renumerando-se os atuais §§2º e 3º para, respectivamente, §§3º e 4º:

Esbulho possessório com fins políticos

§2º Saquear, invadir, depredar ou incendiar propriedade alheia, ou manter quem nela se encontra em cárcere privado, com o fim de manifestar inconformismo político ou de pressionar o governo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa:

Pena – reclusão, de três a dez anos.

Artigo 3º O artigo 1º da Lei nº8.072, de 25 de julho de 1990, passa a viger acrescido do seguinte inciso:

VII-C – esbulho possessório com fins políticos (artigo 161, §2º).

Outra iniciativa legislativa, o Projeto de Lei nº7.485/2006495, formulado também por parlamentares integrantes da CPMI da Terra, propôs alteração da Lei nº7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional), para acrescentar o §2º, ao artigo 20, qualificando como ato terrorista a ação de “quem invade propriedade alheia com o fim de pressionar o governo”496.

De acordo com o texto do Projeto de Lei, o §2º, do artigo 20497 da Lei de Segurança Nacional restaria assim redigido:

§2º Incide nas mesmas penas quem saqueia, invade, depreda ou incendeia propriedade alheia, ou mantém quem nela se encontra em cárcere privado, com o fim de manifestar inconformismo político ou de pressionar o governo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

A partir de 2013, após os atos de protesto ocorridos no contexto urbano brasileiro, destaca-se a propositura dos projetos de lei a seguir, versando sobre protestos.

494 Depois de longa tramitação no Senado Federal, em cumprimento ao disposto no artigo 332 do Regimento Interno da Casa (final da 53ª Legislatura, 2011), o PLS n°264 de 2006 foi arquivado. (BRASIL. Senado Federal. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/78935>. Acesso em: 29.dez.2015.) 495 Submetido, em 28 de setembro de 2006, ao Plenário da Câmara dos Deputados.

496 CÂMARA DOS DEPUTADOS. PL n°7.485, de 2006.

497 Artigo 20 – Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

O Projeto de Lei nº6.307/2013 prevê alteração no artigo 163 do Código Penal, acrescentando o §2º ao dispositivo legal para criar um novo tipo de dano qualificado. O Projeto de Lei está atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e tramita com a seguinte proposta de redação:

Dano ao patrimônio qualificado pela influência de multidão em tumulto. §2º Se o crime é cometido contra o patrimônio privado e/ou da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, sob a influência de multidão em tumulto, provocado deliberadamente.

Pena – reclusão, de oito a doze anos, e multa, além da pena correspondente à violência.498

O Projeto de Lei nº5.531/2013 previa alteração do Código Penal, acrescentando o artigo 260-A ao dispositivo legal. Por requerimento do autor, ainda em 2013, o Projeto de Lei foi arquivado, mas constava a seguinte proposta de redação do novo dispositivo do Código Penal:

Atentado contra a segurança do transporte rodoviário

Artigo 260-A. Impedir ou perturbar, mesmo que no intuito de manifestar pensamento, opinião ou protesto, o trânsito de veículos automotores em rodovia terrestre:

I – destruindo, danificando ou desarranjando, total ou parcialmente, a rodovia ou outra obra viária, tal como ponte ou viaduto;

II – colocando obstáculo na rodovia ou interrompendo ou embaraçando de qualquer outra forma o trânsito de veículos automotores;

III – transmitindo falso aviso acerca do movimento de veículos automotores na rodovia;

IV – praticando qualquer outro ato de que possa resultar desastre rodoviário.

Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa. §1º Se do fato resulta desastre rodoviário: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.

§2º No caso de culpa, ocorrendo desastre rodoviário: Pena – detenção, de seis meses a dois anos.499

Diversos projetos de lei tramitam apensados na Câmara dos Deputados, com propostas para proibir, tornar contravenção penal ou crime o uso de máscaras, capuzes, disfarces ou pinturas na face que dificultem a identificação do usuário em local público500. Nesse sentido, os Projetos de Lei nº5.964//2013, nº6.198/2013, nº6.277/2013, nº6.347/2013, nº6.461/2013, nº6.614/2013, nº7.157/2014 e nº7.158/2014. Todos estão atualmente na Comissão de Constituição e Justiça da

498BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em http://www2.camara.leg.br. Acesso em: 29.dez.2015. 499BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em http://www.camara.gov.br. Acesso em: 29.dez.2015.

500 No estado de São Paulo, foi aprovada a Lei nº15.556/2014 proibindo em manifestações públicas o uso de máscaras ou qualquer outro paramento que oculte o rosto da pessoa, ou impeça ou dificulte a identificação. (Disponível em <http://www.al.sp.gov.br>. Acesso em: 28.dez.2015.)

Câmara dos Deputados501. Com o mesmo objetivo, no Senado Federal, tramita o Projeto de Lei nº404/2013502.

No Senado Federal tramitam também outros Projetos de Lei versando sobre protestos. O PLS nº451/2013, ante a justificativa de prevenir e reprimir atos de violência e vandalismo no curso de manifestações públicas coletivas, propõe alterações na vigente Lei nº7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional), para instituir que o referido documento legal não se aplica aos crimes praticados no contexto de tumultos ocorridos em manifestações. Além disso, propõe mudanças em dispositivos do Código Penal, para aumentar a pena pela metade nos casos de lesões corporais praticadas em manifestações e para incluir dois incisos no parágrafo único do artigo 288, aplicando-se em dobro a pena do crime de associação criminosa que vise a prática de vandalismo em manifestações ou se houver a participação de criança ou adolescente503.

O PLS nº300/2013 tem por objetivo limitar o uso de armamentos menos letais pelas forças policiais no curso de atos de protestos públicos, proibindo o uso de armas equipadas com balas de borracha, festim ou afins, estabelecendo que nas operações de policiamento de manifestações, conforme o texto apresentado:

I – a negociação é sempre preferível ao uso da força, devendo a tropa contar com pelo menos 01 (um) especialista em mediação e negociação; II – o uso da força deverá ser evitado ao máximo, não devendo ser

empregado de forma a causar, em função do contexto, danos de maior relevância do que os que se pretende evitar, notadamente quando a repressão a atos de depredação de patrimônio público ou privado possa acarretar risco à integridade física ou à vida de cidadãos; e

III – caso seja imprescindível o uso da força, o nível de força empregado deve ser compatível e proporcional à gravidade da ameaça real à vida e à integridade física dos cidadãos.504

No mesmo sentido e de forma mais abrangente, o Projeto de Lei nº6.500/2013, em trâmite na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, dispõe sobre a observância do princípio da não violência no contexto de manifestações públicas e na execução de mandados de manutenção e de reintegração de posse. Além disso, dispõe que o Poder Público deve assegurar a formação continuada dos agentes de segurança pública, voltada para proteção de

501 BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br>. Acesso em: 29.dez.2015. 502 BRASIL. Senado Federal. Disponível em <http://www25.senado.leg.br>. Acesso em: 29.dez.2015. 503 BRASIL. Senado Federal. Disponível em <http://www25.senado.leg.br>. Acesso em: 29.dez.2015. 504 BRASIL. Senado Federal. Disponível em <http://www25.senado.leg.br>. Acesso em: 29.dez.2015.

direitos humanos e solução pacíficas dos conflitos, proibindo também o uso de armas letais nestes eventos505.

Finalmente, por iniciativa do Poder Executivo, tramita o Projeto de Lei nº2016/2015, versando sobre terrorismo.

A proposta original506, ao propor alterações na Lei nº12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), inseriu disposições sobre organizações terroristas507 e

tipificou uma série de delitos a esse respeito. Continha, entretanto, uma restrição explícita sobre a incidência do diploma legal a condutas individuais ou coletivas de integrantes de movimentos sociais ou atos de protesto508. Porém, aprovado o projeto na Câmara dos Deputados na forma como apresentado, por ocasião da análise da casa revisora, ante a justificativa de que seria desnecessária, a ressalva protetiva aos movimentos sociais terminou por ser suprimida.

Os riscos para movimentos sociais e atos de protestos com a eventual aprovação do projeto de lei foram assim expressados por Pedro Estevam Serrano:

Se, por um lado, há movimentos terroristas que praticam formas específicas de criminalidade, que precisam ser combatidas, por outro, observa-se o conceito de terrorismo sendo utilizado, muitas vezes, ao longo da história, como forma de persecução política a pessoas e movimentos que lutaram pela ampliação de direitos.509

No mesmo sentido, manifestação do Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos,

Leis antiterrorismo muito ambíguas ou abertas têm sido utilizadas para criminalizar movimentos sociais no continente. A própria Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Chile, em 2014, por usar sua lei antiterror contra ativistas do povo indígena Mapuche. A definição que está sendo construída no Brasil usa termos complicados, como extremismo político, ocupação de prédios públicos e apologia ao terrorismo. Por sua amplitude, pode capturar expressões legítimas, eventualmente muito contrárias a um governo ou muito críticas contra o sistema, mas que são

505BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 29.dez.2015. Em 22 de dezembro de 2014 foi aprovada a Lei nº13.060/2014 disciplinando o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública em todo o território nacional.

506 BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em <http://www2.camara.leg.br>. Acesso em: 29.dez.2015. 507 Conforme o texto do projeto de lei, a Lei nº12.850/2013 passaria a ser aplicada também “às organizações terroristas, cujos atos preparatórios ou executórios ocorram por razões de ideologia, política, xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou gênero e que tenham por finalidade provocar o terror, expondo a perigo a pessoa, o patrimônio, a incolumidade pública ou a paz pública ou coagir autoridades a fazer ou deixar de fazer algo.

508 Conforme texto do projeto de lei “O inciso II do §2º não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais ou sindicais movidos por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais”.

509 SERRANO, Pedro Estevam. Leis antiterrorismo e suas perigosas peculiaridades. Carta Capital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br> Acesso em: 27.nov.2015.

manifestações protegidas pelo direito à liberdade de expressão e de associação510.

Caso aprovada a lei antiterrorismo, as ambiguidades constantes da atual versão do projeto mostram-se capazes de ser utilizadas como fonte de criminalização daqueles que venham a se manifestar postulando pela concretização de direitos por meio de atos de protesto.

De modo geral, pode-se dizer, portanto, que as iniciativas de alteração das leis que tratam dos protestos não só não visam suprimir legislações de períodos autoritários – que, como vimos resultaram na criminalização de movimentos legítimos – como terminam também por se orientar no sentido contrário ao de maior liberdade democrática.

Em que pese uma respeitável jurisprudência contrária à criminalização dos movimentos sociais e do protesto legítimo, reconhecendo, inclusive, uma conformação democrática e constitucional na ação destes, as tensões sociais existentes no meio urbano e rural não encontram a mesma guarita em diversos debates legislativos.

Da mesma forma, o envio por parte do Poder Executivo de projeto de lei cuja conformação pode reforçar a criminalização do protesto e dos movimentos sociais termina por questionar o real grau de consolidação da democracia brasileira e retira da ordem do dia a necessária reforma legislativa de dispositivos que de modo equivocado têm dado suporte à indevida criminalização de movimentos sociais e protestos.

Tal situação nos leva ao entendimento de que as tensões relacionadas ao direito ao protesto perdurarão, pois suas raízes estão fundadas em questões mais complexas da sociedade brasileira concernentes às desigualdades sociais ainda não solucionadas e, como apontado, em algumas ocasiões, como na expressão utilizada pelo presidente Washington Luís em 1920511, na visão de que os conflitos sociais são casos de polícia.

510 CARTA CAPITAL. Sociedade. Entrevista Edison Lanza. Não é preciso violar direitos para combater ameaça terrorista. 1.dez.2015. Edição digital. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/>. Acesso em: 29.dez.2015. 511 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A vez do direito social e da descriminalização dos movimentos sociais. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013.

6 CONCLUSÃO

Os regimes democráticos são modelos de Estado em permanente evolução, o que não implica apenas dar eficácia aos direitos fundamentais já consagrados, mas, também, reconhecer novos direitos. Além disso, os Estados Democráticos de Direito têm como pressuposto admitir a existência de conflitos, buscando soluções pacíficas para dirimi-los. Nesse sentido, conforme demonstrado ao longo desta pesquisa, o direito ao protesto, protagonizado por movimentos sociais ou exercido de modo espontâneo pelos indivíduos, exerce o papel de alavanca para o aperfeiçoamento da sociedade e do Estado.

O exercício do direito ao protesto cumpre, nas sociedades modernas, não apenas o papel de dar voz àqueles que não possuem outros meios de expor suas demandas políticas, sociais ou culturais, mas também o papel de expor ao conjunto da sociedade civil e do poder público a existência de conflitos, de críticas, de insatisfações e da circunstância de existirem ainda necessidades básicas negadas sistematicamente.

Por se revelar como instrumento para o exercício coletivo da liberdade de manifestação do pensamento, o exercício do direito ao protesto deve ser admitido plenamente em sociedades democráticas. Como já salientado, trata-se de uma forma eficaz pela qual os movimentos sociais e grupos de indivíduos podem expressar suas demandas, exercendo assim o pluralismo, a cidadania, a soberania popular e a participação nos processos decisórios do Estado.

Não se defende neste estudo a ideia de que o direito ao protesto possa ser utilizado como motivo para a supressão de outro direito fundamental ou como desculpa para o cometimento de delitos. Em atenção aos preceitos democráticos atinentes à atividade punitiva estatal, nada impede que sejam perseguidas as responsabilidades dos indivíduos que incorram na prática de crimes.

No entanto, de um lado, o direito ao protesto, considerado um dos mais importantes direitos para os regimes democráticos, não pode sofrer restrições indevidas por parte do poder público, como nos casos em que se alega a necessidade de restringi-lo para possibilitar o livre trânsito de veículos ou impedir que se produzam distúrbios sonoros.

Em consonância com os valores primordiais do Estado brasileiro instituídos pela Constituição da República de 1988, o direito de expressar

reivindicações pela superação de situações de extrema pobreza e de desigualdades que impedem a plenitude da dignidade humana, não pode ser causa de menor desassossego da sociedade do que a lentidão do tráfico de veículos ocasionada pela prática de manifestações.

Neste estudo, foram apresentados casos exemplificativos em que a atuação do Estado brasileiro em face dos protestos se mostra em descompasso com o regime democrático. Isso se dá não apenas em razão de restrições para a realização de protestos, mas também quando agentes do próprio Estado são protagonistas de graves atos de violência contra manifestantes. Os dados apontados revelam que especificamente no que se refere à realidade no meio rural brasileiro, crimes de homicídio praticados por particulares e por agentes do Estado contra trabalhadores, defensores de direitos humanos e integrantes de movimentos s ociais possuem uma margem de investigação, julgamento e punição muito reduzidos.

Do grande número de protestos verificados no país, tanto no meio rural como no meio urbano, ainda que possam ser indicados casos de emprego de violência e cometimento de crimes por parte de integrantes de movimentos sociais ou de participantes de atos de protesto, estes não assumem formas violentas generalizadas. Atos de violência conspiram contra os movimentos sociais, ensejando publicidade contrária aos fins almejados e são, não raras vezes, noticiados à exaustão, como se fossem representativos da totalidade dos protestos realizados no país.

Não obstante esse quadro geral em que, por um lado, o direito ao protesto é amplamente garantido pelos pressupostos do Estado Democrático de Direito e, por outro, os limites e orientações para a atuação do poder punitivo estatal são estabelecidos pela lei fundamental brasileira, o Estado brasileiro atua, ainda, fora desses padrões, desenvolvendo a persecução penal de integrantes de movimentos sociais e de participantes de atos de protesto, imputando-lhes indevidamente a prática de crimes comuns e de crimes constantes da Lei de Segurança Nacional.

Por maiores os incômodos que os atos de protesto possam gerar, o que se espera é que os mecanismos existentes sejam, assim, suficientes para a solução dos conflitos, estabelecendo canais para o diálogo e o atendimento de reivindicações legítimas. De modo particular, entendemos que a utilização do processo penal sem observância aos princípios constitucionais que o norteia,

representa uma forma de censura indevida ao direito de manifestação e, por consequência, uma das mais graves formas de violação ao direito fundamental ao protesto. Destacam-se, como os mais significativos, aqueles processos criminais mencionados nos quais foram imputadas a integrantes de movimentos sociais condutas da Lei de Segurança Nacional, eis que, diante dos mecanismos para a contenção da persecução penal, tanto na fase de investigação como na fase judicial, não se haveria de cogitar que aquelas condutas seriam aptas para causar lesão ou expor a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito ou a pessoa dos chefes dos Poderes da União.

Num outro enfoque, o levantamento realizado junto ao Poder Legislativo

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 138-148)