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Liberdade de expressão do pensamento

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 74-80)

4 DIREITO AO PROTESTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL 1 Sobre os direitos de liberdade

4.2 Liberdade de expressão do pensamento

A liberdade de manifestação (ou de expressão) do pensamento historicamente já figurava no rol dos direitos individuais consagrados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que a esse respeito assim dispunha:

Artigo 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.

267 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.72.

Artigo 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei.

Atualmente, no plano internacional, os principais documentos sobre direitos humanos consagram a liberdade de expressão do pensamento como um direito universal.

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo 19 assim dispõe:

Artigo 19° Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, por seu turno, igualmente reconhece o direito à liberdade de expressão do pensamento em seu artigo 19:

1. ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideais de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Também a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1966, ratificada pelo Brasil em 1992, em seu artigo 13 estabelece o direito à liberdade de expressão do pensamento e acrescenta restrições contra censura prévia a esse direito:

Artigo 13

Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:

a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.269

No plano do direito interno brasileiro, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, IV, prevê: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

Em seu artigo 5º, VI, também protege a liberdade interna do pensamento, acentuando que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

Além disso, estabelece: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (artigo 5º, VIII).

Segundo José Afonso da Silva, a liberdade do pensamento do ponto de vista interno do indivíduo não cria maiores problemas. Tratando-se o homem, porém, de um ser social tendente a expressar o que pensa e a compartilhar com outros indivíduos suas ideias e impressões do mundo, seria impossível vedar a livre manifestação do pensamento270.

A liberdade de expressão do pensamento decorre da liberdade do pensamento e pode ser exteriorizada pelos indivíduos por diversos meios, tais quais pela palavra, pela escrita ou pela imagem. Reforça Jorge Miranda tratar-se de um direito de expressão individual que se situa plenamente no campo dos direitos fundamentais271.

A liberdade de expressão do pensamento é uma liberdade de conteúdo intelectual que supõe o contato das ideias do indivíduo com seus semelhantes, pelo qual partilha com os outros sua compreensão a respeito de suas crenças,

269 Prossegue o texto do referido artigo 13 da Convenção: 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

270 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.243. 271 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. t.IV. Direitos fundamentais. 2.ed. Coimbra: Limitada, 1993, p.399; 405.

conhecimento, concepções de mundo, opiniões políticas, religiosas ou sua produção científica272.

A liberdade de opinião, no entendimento de José Afonso da Silva, resume o conteúdo da liberdade de pensamento. Segundo o autor, a liberdade de expressão do pensamento é uma liberdade primária da qual derivam as demais liberdades273. Sobre o tema, exemplifica Celso Bastos:

A liberdade de opinião permite a alguém ter ou não crenças religiosas. No caso positivo, contudo, estas deverão se externar por meio de outra liberdade, a dos cultos. Destarte, esta última aparece como uma liberdade secundária, comandada pela liberdade de pensamento que lhe é anterior. A própria liberdade de imprensa permite por outro lado a comunicação das opiniões. Aqui, a liberdade secundária amplifica a primeira ao mesmo tempo em que sobre ela se funda.274

De igual modo, pode-se afirmar que a liberdade de reunião é uma liberdade secundária que decorre da liberdade de expressão do pensamento. Aquela é um dos meios pelos quais se torna possível o exercício da liberdade de expressão do pensamento.

O indivíduo pode exteriorizar o pensamento para interlocutores presentes, como ocorre nos casos dos diálogos e conversações entre pessoas, ou de um indivíduo para um conjunto de outros indivíduos, tal qual numa exposição, numa palestra, num discurso ou numa conferência. Neste último caso, a liberdade individual de expressão se relaciona com liberdades de expressão coletiva, a exemplo dos direitos de reunião e de associação. A exteriorização do pensamento pode se dar, também, entre pessoas ausentes e determinadas, como no caso de troca de correspondências entre particulares, ou pode expressar-se entre pessoas indeterminadas, por meio dos livros, dos jornais, das revistas, da televisão, do rádio e de outros meios de comunicação social275.

Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, desde que não colidam com outros direitos fundamentais, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou pessoa, realizável

272 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.243. 273 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.243. 274 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.188.

por qualquer meio apto à comunicação, envolvendo tema de interesse público ou não, é tutelado pela liberdade de expressão do pensamento 276

.

Analisando os dispositivos do artigo 5º, alínea 1, da Constituição da Alemanha, Konrad Hesse explicita que a liberdade de opinião é uma parte essencial da liberdade política e espiritual e expressa sinteticamente as liberdades de manifestação da opinião, a liberdade de informação, a liberdade de imprensa e a liberdade de radiodifusão e filme. Argumenta o autor que essas liberdades, em razão da proibição da censura, são reforçadas e asseguradas. Segundo Hesse, para o completo alcance do sentido da liberdade de opinião, deve-se atentar ao fato de ela revelar-se, por um lado, como direitos subjetivos, de defesa e de cooperação política. De outro viés, são prescrições que impõem ao Estado uma competência negativa, de abstenção de imposição de restrições ou proibições ao seu pleno exercício277.

Como direito fundamental, a consagração da liberdade de expressão tem a pretensão de impedir que o Estado exerça qualquer mecanismo de censura. Sobre esse aspecto, para Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco,

Não é o Estado que deve estabelecer quais as opiniões que merecem ser tidas como válidas e aceitáveis; essa tarefa cabe, antes, ao público a que essas manifestações se dirigem [...]. Estamos, portanto, diante de um direito de índole marcadamente defensiva – direito a uma abstenção pelo Estado de uma conduta que interfira sobre a esfera de liberdade do indivíduo.278

Em 1919, no julgamento do Habeas Corpus nº4.781, do Estado da Bahia, formulado em defesa de Ruy Barbosa no contexto em que este sofreu restrições estatais à liberdade de reunião e de expressão do pensamento, o Supremo Tribunal Federal, pelo voto do Ministro Relator Edmundo Lins, já havia se manifestado no sentido de que “em qualquer assunto, é livre a manifestação do pensamento, por qualquer meio, sem dependência de censura, respondendo cada um, na forma legal, pelos danos que cometer”279.

Trata-se a liberdade de expressão de um direito que em regra é exercido contra o Poder Público e que exige que o Estado se abstenha de intervenções no

276 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.264.

277 HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p.302.

278 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.265.

279 RODRIGUES, Leda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. v. III. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

conteúdo do que será transmitido ou no sentido de impedir o livre e plural fluxo das ideias veiculadas pelos indivíduos. É o que está também expressamente disposto nos artigos 5º, IX e 220, ambos da Constituição da República de 1988:

Artigo 5º: [...]

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Artigo 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Entendem Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco que a liberdade de pensamento é um dos mais preciosos direitos fundamentais relacionados aos próprios fundamentos do Estado brasileiro preconizados pelo artigo 1º da Constituição da República, tal qual o são a democracia, a dignidade humana e o pluralismo:

A plenitude da formação da personalidade depende de que se disponha de meio para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes. O argumento humanista, assim, acentua a liberdade de expressão como corolário da dignidade humana. O argumento democrático acentua que o autogoverno postula um discurso político protegido das interferências do poder. A liberdade de expressão é, então, enaltecida como instrumento para o funcionamento de preservação do sistema democrático (o pluralismo de opiniões é vital para a formação da vontade livre).280

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, (ADPF nº187), do Distrito Federal, de relatoria do Ministro José Celso de Mello Filho, entendeu que a liberdade de expressão é o núcleo do qual se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias281.

A decisão deixou ainda consignado que em sociedades fundadas em bases democráticas não se tolera a prática de atos estatais que visem restringir ou reprimir o exercício da liberdade de expressão do pensamento. Nesse contexto, na ocasião afirmou-se que a liberdade de expressão representa

280 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.264.

281 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº187/DF. Rel. Min. José Celso de Mello Filho. Tribunal Pleno. Brasília, 15 jun. 2011. Diário da Justiça Eletrônico, nº121, 27

jun. 2011. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2691505>. Acesso em: 15 ago.2015, p.02.

[...] uma projeção significativa do direito, que a todos assiste, de manifestar, sem qualquer possibilidade de intervenção estatal a priori, as suas convicções, expondo as suas ideias e fazendo veicular as suas mensagens doutrinárias, ainda que contrárias ao pensamento dominante ou representativas de concepções peculiares a grupos minoritários [...]. Nenhuma autoridade pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, jurídica, social, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrições à própria manifestação do pensamento [...].282

Há de se fazer referência, noutra abordagem que, a teor do disposto no item 5 do artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, não sendo a liberdade de expressão do pensamento um direito absoluto, é permitido ao Estado apenas estabelecer impedimentos a manifestações do pensamento em favor da guerra, da apologia ao ódio nacional, racial ou religioso e que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 74-80)