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Presunção de inocência

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 62-65)

3 PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1 Notas introdutórias

3.3 Princípios constitucionais orientadores do direito processual penal No âmbito do poder punitivo, tanto no que se refere ao direito penal como

3.3.6 Presunção de inocência

A Constituição da República de 1988, quando dispôs em seu artigo 5º, LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, estabeleceu o princípio da presunção de inocência.

Tal princípio consiste, na definição de Rogério Lauria Tucci, que será assegurado ao acusado “o direito de ser considerado inocente até que sentença penal condenatória venha a transitar em julgado”227. Aury Lopes Junior, em

complemento, aponta:

223 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p.37.

224 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.21.

225 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.22.

226 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.117.

227 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.379.

Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos, também o estão pelas penas arbitrárias, fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade, senão também uma garantia de segurança (ou de defesa social), enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidadãos na Justiça.228

Por ser este princípio dotado de destacada importância impõe mencionar que apesar de ter origem mais remota229, no contexto da Revolução Francesa,

“funcionou como uma resposta às críticas feitas pelos pensadores ilustrados acerca do duro tratamento dado aos imputados nos processos de natureza inquisitiva”230,

próprios da Idade Média e do Estado Absoluto, nos quais havia, ao contrário, a presunção de culpa dos acusados.

Em decorrência dessas críticas, o princípio da presunção de inocência foi estampado já na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, com os seguintes dizeres: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado”231.

Conforme descreve Antonio Magalhães Gomes Filho, da fórmula adotada pela Declaração francesa já era possível extrair duas regras: uma, de cunho processual, pela qual o acusado não está obrigado a fornecer provas de sua inocência, pois esta é de antemão presumida; outra, como garantia que deve impedir a adoção de medidas restritivas da liberdade pessoal antes do reconhecimento da culpabilidade, salvo os casos em que se revelasse absoluta necessidade232.

Essa concepção liberal da presunção de inocência foi objeto de disputa nas Escolas Penais. Por um lado a chamada Escola Clássica concebia todo o processo penal em torno deste princípio, significando dizer que todos os momentos e regras processuais possuem como principal fundamento a proteção da inocência. Essa concepção foi questionada pela Escola Positiva, que negava o valor absoluto desse princípio, relativizando-o especialmente nos casos de confissão, de flagrante

228 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.181.

229 Origina-se no Direito Romano, segundo Aury Lopes Junior (LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao

processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.179).

230 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.26.

231 Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: Artigo 9º – Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

232 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Significados da presunção de inocência. In: (Coords.) COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques. Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.314.

delito e de reincidência. A Escola Técnico-Jurídica, por sua vez, via o processo penal somente como um meio de repressão da delinquência, conceituando a presunção de inocência como irracional233.

Esse polêmico debate, contudo, alerta Marco Antonio Marques da Silva, reveste-se de contornos políticos e se relaciona com a questão de fundo sobre a concepção do próprio processo penal pelas diferentes correntes de pensamento:

A afirmação da presunção de inocência está vinculada de modo indissolúvel a uma concepção de processo penal de contornos liberais, no qual o ponto essencial é dar instrumentos ao cidadão que o garanta frente ao poder estatal de punir. O processo é na verdade um instrumento de limite ao poder do Estado. De outro lado, ainda que não se possa fazer uma relação de necessariedade entre um regime autoritário e a negação da presunção de inocência, é certo que um processo penal construído sem ter em conta esse princípio pode ser um regime político autoritário, enquanto que um processo penal no qual vige esse princípio seria totalmente incompatível com um regime autoritário.234

Contudo, depois das desastrosas violações aos direitos fundamentais ocorridas na Segunda Guerra Mundial, a presunção de inocência tornou-se um princípio universal, consagrado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948235 e, também, pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, que dispôs em seu artigo 8, item 2, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Com efeito, indicam-se a este princípio três distintos significados. Pelo primeiro deles, trata-se da própria concepção do modelo de processo penal liberal, que tem por finalidade estabelecer garantias para o acusado em face do poder punitivo estatal. O segundo significado relaciona-se com o tratamento dado aos acusados no curso de todos os acontecimentos processuais, partindo-se sempre da ideia de que se trata de um inocente, decorrendo, daí, a redução das medidas restritivas de direito aplicáveis ao indivíduo. Por último, a presunção de inocência relaciona-se com as regras probatórias sobre a consideração do fato imputado, competindo à acusação a prova das alegações formuladas e a imposição do deslinde absolutório nos casos em que a culpabilidade não houver sido

233 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.27.

234 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.29-30.

235 Conforme o artigo 11 da Declaração de 1948: I) Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

suficientemente provada, devendo o in dubio pro reo ser observado no momento da aplicação da lei penal236.

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 62-65)