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O direito ao protesto no âmbito da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 93-96)

4 DIREITO AO PROTESTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL 1 Sobre os direitos de liberdade

4.4 Direito ao protesto como direito fundamental

4.4.2 O direito ao protesto no âmbito da Organização das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos

No direito internacional o direito ao protesto é protegido pela consideração conjunta da liberdade de expressão, de reunião e de associação. Tais direitos, como vimos, constam dos textos dos principais documentos internacionais sobre direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção Americana sobre Direitos Humanos). A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948, faz ainda referência ao direito de manifestação no contexto de reuniões. Lê-se em seu artigo XXI: “Artigo XXI. Toda pessoa tem o direito de se reunir pacificamente com outras, em manifestação pública, ou em assembleia transitória, em relação com seus interesses comuns, de qualquer natureza que sejam”.

No âmbito da Organização das Nações Unidas, em outubro de 2010, o Conselho de Direitos Humanos adotou a Resolução nº15/21, pela qual, além de criar o mandato do Relator Especial sobre o Direito à Liberdade de Reunião Pacífica e Associação, firmou o entendimento de que “toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas”329. Pelo mesmo documento, reconheceu-se,

ainda,

Que toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas para o pleno gozo dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais; que o direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas é um elemento essencial da democracia, que oferece às pessoas oportunidades inestimáveis de, entre outras coisas, expressar suas opiniões políticas, participar de projetos literários e artísticos e em outras atividades culturais, econômicas e sociais, participar em cultos religiosos ou praticar outras crenças, fundar sindicatos e afiliar-se a eles, e eleger dirigentes que representem seus interesses. Que o exercício do direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas, com sujeição unicamente às limitações permitidas pelo direito internacional, em particular as normas internacionais de direitos humanos, é imprescindível para o pleno gozo desses direitos, sobretudo no caso de pessoas que possam abraçar convicções religiosas ou políticas minoritárias ou dissidentes.330

329 ONU. Organização das Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/SP/Issues/LibertadReunion/Pages/SRFreedomAssemblyAssociationIndex.aspx>. Acesso em: 10 out.2015.

330 ONU. Organização das Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.ohchr.org/SP/Issues/LibertadReunion/Pages/SRFreedomAssemblyAssociationIndex.aspx>. Acesso em: 10 out.2015.

Em atenção às determinações constantes da Resolução nº19/35331 do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, em 2013 o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos apresentou o relatório sobre “Medidas eficazes e as melhores práticas para garantir a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto dos protestos pacíficos”332.

Deste documento constam recomendações no sentido de que os Estados devem reconhecer o papel positivo dos protestos pacíficos como um meio de fortalecer os direitos humanos e a democracia, sendo dever dos Estados garantir a liberdade de reunião pacífica, a liberdade de associação e a liberdade de opinião e expressão, que são componentes essenciais da democracia e indispensável para o pleno gozo de todos direitos humanos333.

Por fim, o relatório identificou em muitas situações a atuação desigual dos Estados no tratamento das manifestações, como nos casos em que

o governo no poder pode incentivar e até mesmo apoiar manifestações pró- governo, mas proibir, restringir ou perturbar protestos pacíficos da oposição política e dos indivíduos ou grupos insatisfeitos com as políticas e práticas governamentais. Um Estado pode também identificar pessoas apoiando assuntos que são vistos como controversos ou incompatíveis com os valores tradicionais ou crenças, ou infligir pesadas multas sobre organizadores, participantes ou aos líderes da oposição que participam de tais protestos, ou submetê-los a detenção ou prisão. Em casos extremos, os governos podem cometer graves violações dos direitos humanos, como tortura ou maus-tratos de pessoas em custódia, ou tentar obstruir cuidados médicos para aqueles que estão feridos.334

No âmbito da Organização dos Estados Americanos, a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, aprovada pela Comissão Interamericana

331 ONU. Organização das Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Resolução 19/35. Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/G12/131/41/PDF/G1213141.pdf?OpenElement>. Acesso em: 10 out.2015. A Resolução nº19/35 recomendou também aos Estados que estes têm a responsabilidade, inclusive no contexto das manifestações pacíficas, de promover e proteger os direitos humanos e impedir que sejam vulnerados esses direitos, e em particular impedir as execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, os desaparecimentos forçados e as torturas ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, e exortou os Estados a que impeçam a todo momento que se produzam abusos nos procedimentos penais e cíveis ou ameaças de alguns dos atos mencionados.

332 ONU. Organização das Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Effective measures and best practices to ensure the promotion and protection of human rights in the context of peaceful protests. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session22/A.HRC.22.28.pdf>. Acesso em: 10 out.2015.

333 ONU. Organização das Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Effective measures and best practices to ensure the promotion and protection of human rights in the context of peaceful protests. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session22/A.HRC.22.28.pdf>. Acesso em: 10 out.2015, p.17.

334 ONU. Organização das Nações Unidas. Conselho de Direitos Humanos. Effective measures and best practices to ensure the promotion and protection of human rights in the context of peaceful protests. Disponível em: <http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session22/A.HRC.22.28.pdf>. Acesso em 10 out.2015, p.15.

de Direitos Humanos em seu 108º período de sessões, celebrado nos dias 16 a 17 de outubro de 2000, ao afirmar “que a consolidação e o desenvolvimento da democracia dependem da existência da liberdade de expressão”, adotou o entendimento de que “a liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática”335.

Também no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão anota que o direito à liberdade de expressão se caracteriza por uma dimensão individual, que consiste no direito de cada pessoa expressar os próprios pensamentos, ideias e informações; e uma dimensão coletiva, que consiste no direito da sociedade a procurar e receber informações, conhecer os pensamentos e informações alheias e estar bem informada336.

Com efeito, a teor do Informe de 2005 produzido pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, consideram-se as manifestações públicas como exercício da liberdade de expressão e da liberdade de reunião, elementos vitais para o bom funcionamento da democracia. Nesse sentido retrata o relatório:

[...] o intercâmbio de ideias e reivindicações sociais como forma de expressão, supõem o exercício de direitos conexos, tais como o direito que os cidadãos possuem de reunirem-se e manifestarem-se, e o direito ao livre fluxo de opiniões e de informação.337

Salientando que as manifestações são um importante instrumento para a consolidação da vida democrática das sociedades, o Informe de 2005 considerou que os governos não podem invocar uma das restrições legítimas da liberdade de expressão, como a manutenção da ordem pública, como meio para suprimir um direito garantido pela Convenção Americana de Direitos Humanos ou para desnaturalizá-lo ou privá-lo de um conteúdo real. Se isso ocorrer, a restrição

335 CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Declaração de Princípios sobre Liberdade de

Expressão. Disponível em

<https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.Convencao.Libertade.de.Expressao.htm >. Acesso em: 15.out.2015.

336 CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh>. Acesso em: 15 out.2015, p.05.

337 CIDH. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Informe 2005. Disponível em: <http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/temas/social.asp>. Acesso em: 15 out.2015.

aplicada dessa maneira não será legítima, sendo inadequado “considerar o direito de reunião e de manifestação como sinônimo de desordem pública para restringi- lo338.

Por fim, depreende-se do Informe 2005 que dentro de certos limites os Estados podem estabelecer regulações à liberdade de expressão e de reunião para proteger outros direitos, no entanto, no momento de fazer um balanço entre o direito de trânsito, por exemplo, e o direito de reunião, deve-se ter em conta que o direito à liberdade de expressão é um dos primeiros direitos e mais importantes fundamentos de toda estrutura democrática. Nesse sentido, o documento afirma que “o enfraquecimento da liberdade de expressão afeta diretamente o nervo principal do sistema democrático”.339

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 93-96)