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Movimentos sociais, protestos e a expansão da democracia no Brasil Como observa Maria da Glória Gohn, desde os tempos do período

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 104-111)

5 PROCESSO PENAL, DIREITO AO PROTESTO E DEMOCRACIA

5.2 Movimentos sociais, protestos e a expansão da democracia no Brasil Como observa Maria da Glória Gohn, desde os tempos do período

colonial a história do Brasil é marcada por lutas empreendidas contra a dominação e a exploração econômica, destacando-se, nesse período, registros históricos a respeito de lutas protagonizadas por índios, negros e brancos pobres, podendo ser citados, até o século XX, os registros mais emblemáticos sobre as lutas de Zumbi dos Palmares (1630-1965), a Inconfidência Mineira (1789), a Conspiração dos Alfaiates (1798), a Revolução Pernambucana (1817), a Balaiada (1830-1841), a Cabanagem (1835) e Canudos (1874-1897)362.

No início do século XX, com o advento da República, a substituição da mão de obra escrava pela assalariada e pela industrialização incipiente, surge no país um contingente de trabalhadores urbanos, organizações de trabalhadores e ocorrem revoltas da população postulando serviços públicos ou protestando contra políticas locais, como nos casos da Revolta da Vacina (1905), Revolta da Chibata (1910), Revolta do Contestado (1912), ligas contra o analfabetismo (1915), ligas nacionalistas pelo voto e pela expansão da educação (1917) e atos contra o desemprego em São Paulo e Rio de Janeiro. Já nos anos de 1920, destacam-se a Revolução dos Tenentes (1922), a Coluna Prestes (1925-1927) e lutas em defesa da educação363.

361 SCHERER-WARRER, Ilse. Dos movimentos sociais às manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI. Revista Política e Sociedade. v.13, nº28, set.-dez.2014. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014, p.16-17.

362 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

Revista Mediações v.5, nº1, p.11-40, jan.-jun.2000. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2000, p.15.

363 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

A partir dos anos de 1930, com a intensificação da industrialização, a classe trabalhadora passa a ser composta não apenas por imigrantes estrangeiros, mas, agora, por migrantes nacionais, egressos do campo para a cidade, dando azo para o surgimento de reivindicações de caráter social, como o Movimento dos Pioneiros da Educação (1931) e a Marcha Contra a Fome (1931). A partir de 1942, em razão do rápido processo de urbanização das principais capitais do país, são criadas associações de amigos de bairro364.

Entre os anos de 1945 e 1964, num contexto de redemocratização do Brasil e de desenvolvimento internacional da sociedade de consumo, criam-se no país as possibilidades para instalação de indústrias multinacionais, do que decorre o surgimento de uma ampla classe operária de metalúrgicos no ABCD paulista. Entre os anos de 1961 e 1964 eclodem centenas de greves no país. No meio rural, são criadas as Ligas Camponesas do Nordeste e o Movimento dos Agricultores Sem- Terra (MASTER), na região Sul e, na área da educação, surge o Movimento de Educação de Base (MEB)365.

O golpe militar empreendido em 1964 põe fim a este ciclo de mobilizações populares. Logo nos primeiros dias após o golpe, em 9 de abril de 1964, foi editado o Ato Institucional nº1. Sob a alegação do perigo comunista, com o objetivo de dar legitimidade ao novo regime e ampliar os poderes do governo, investiram-se os militares de poderes constituintes, modificaram a Constituição brasileira de 1946 para expandir significativamente os poderes do Presidente da República e reduzir os do Congresso Nacional366. Maria da Glória Gohn aponta que entre os anos de 1964

e 1969 os movimentos de resistência ao regime militar foram escassos, tendo por exceção as greves ocorridas em Contagem (MG) e Osasco (SP).

364 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

Revista Mediações v.5, nº1, p.11-40, jan.-jun.2000. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2000, p.17.

365 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

Revista Mediações v.5, nº1, p.11-40, jan.-jun.2000. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2000, p.17-

18.

366 Trechos do preâmbulo do Ato Institucional nº1: A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte. Ela edita normas jurídicas sem que nisto seja limitada pela normatividade anterior à sua vitória [...]. Os processos constitucionais não funcionaram para destituir o governo, que deliberadamente se dispunha a bolchevizar o País. Destituído pela revolução, só a esta cabe ditar as normas e os processos de constituição do novo governo e atribuir-lhe os poderes ou os instrumentos jurídicos que lhe assegurem o exercício do Poder no exclusivo interesse do país. Para demonstrar que não pretendemos radicalizar o processo revolucionário, decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República, a fim de que este possa cumprir a missão de restaurar no Brasil a ordem econômica e financeira e tomar as urgentes medidas destinadas a drenar o bolsão comunista, cuja purulência já se havia infiltrado não só na cúpula do governo como nas suas dependências administrativas [...].

Como descrita por Thomas Skidmore, a dimensão global da repressão protagonizada pelo governo militar nos primeiros momentos do novo regime revelam os motivos da escassez de mobilizações populares. Embora difícil de mensurar, em razão da não divulgação de dados oficiais, o autor estima que o número de detidos nesse período inicial pode ter variado entre 10 e 50 mil pessoas367, ligadas aos movimentos sociais, movimentos de estudantes, partidos, sindicatos, militares e políticos. A esses últimos, o governo preferiu utilizar a prerrogativa de cassar os mandatos eletivos e suspender direitos políticos, da forma como lhe autorizava o Ato Institucional nº1368, fazendo-o, nos primeiros 60 dias de governo, contra 441 brasileiros, dentre eles os ex-presidentes João Goulart, Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek369.

Nesse contexto, parte de organizações de esquerda aderiu à luta armada370. Grande parte dos integrantes dessas organizações foram presos ou

mortos e apenas a partir do ano de 1974, quando entrou em crise o chamado milagre brasileiro, a resistência ao regime rearticulou-se, dando espaço para o surgimento, no cenário nacional, de um ciclo de lutas pela redemocratização do país e pelo acesso a direitos políticos e sociais371.

Maria da Gloria Gohn aponta que a partir deste período surgem nas cidades as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s), ligadas à Teologia da Libertação da Igreja Católica, que deram origem a outros movimentos sociais como o Custo de Vida, movimentos de luta pelo transporte público, movimentos de moradores de favelas pelo direito de uso real da terra, movimentos de luta pelo direito à saúde, por vagas nas escolas, entre outros. Conforme noticia a autora, as greves desencadeadas no Brasil nos anos de 1978 e 1979 receberam o apoio de grande parte desses movimentos372.

367 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Tradução Mário de Salviano Silva. 8.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p.58.

368 Ato Institucional nº1: Artigo10 – interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez (10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses atos.

369 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Tradução Mário de Salviano Silva. 8.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p.60.

370 O Projeto Brasil Nunca Mais especifica as organizações que se engajaram na luta armada no Brasil. ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto Brasil: nunca mais. São Paulo: Arquidiocese de São Paulo, 1985. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/projetos/dh/br/tnmais/index.html>. Acesso em: 01 maio 2015. 371 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2014, p.403.

372 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

No meio rural, em 1974 foi criada a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e em 1979 surge o embrião do que viria a ser o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). No ano de 1980 até 1984, ganham relevo o movimento pela moradia e o movimento dos desempregados, foram criadas as centrais sindicais (Confederação Geral dos Trabalhadores, em 1982, e Central Única dos Trabalhadores, em 1983) e organizações estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Nacional dos Estudantes Secundaristas (UBES), voltam a se reorganizar373.

A respeito da mobilização da sociedade civil pelo restabelecimento da democracia, com destaque à participação da Igreja Católica, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maria Helena Moreira Alves escreve:

Em 1973, a oposição estava de modo geral desmobilizada e fraca. No período de 1974-1979, a situação em parte inverteu-se, embora permanecesse contraditória e incerta. Amplos setores da elite passaram à oposição, empenhando-se em táticas de pressão para obrigar o Estado à liberalização. Apesar do medo de novas ondas de repressão, especialmente em São Paulo, as classes médias e superiores predominavam na organização e fortalecimento da sociedade civil e nas negociações com o Estado pela adoção de medidas concretas no processo de liberalização. Além disso, a oposição organizou-se verticalmente, valendo-se das estruturas associativas e corporativas existentes. A OAB e a ABI desempenharam papel decisivo na expressão das opiniões de setores- chave das elites e no provimento de um quadro institucional para maior organização. Pelas atividades de sua alta hierarquia e através da CNBB, a Igreja Católica tornou-se parte ativa da sociedade civil, também pressionando o Estado por maior liberalização.374

Entre os temas da distensão política, assinalava-se a necessidade da concessão de uma anistia política, ampla, geral e irrestrita para os opositores do regime militar que haviam sido banidos do país. O movimento pela anistia, nascido em 1974, ganhou corpo e importância a partir de 1977, com a realização de debates, passeatas, manifestações e comícios, contando com a participação decisiva dos familiares das vítimas, da Igreja Católica, de setores empresariais, profissionais liberais, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de comitês pró-anistia em países da Europa.

De acordo com Thomas Skidmore,

373 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2014, p.403-404.

374 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis Marques. Petrópolis: Vozes, 1984, p.219-229.

Esta era uma questão para a qual a oposição conseguira mobilizar considerável apoio. Os entusiastas da anistia apareciam onde quer que houvesse uma multidão. Nos campos de futebol suas bandeiras com a inscrição Anistia ampla, geral e irrestrita eram desfraldadas onde as câmaras de TV pudessem focalizá-las. Esposas, mães, filhas e irmãs se destacavam de modo especial pelo seu ativismo, o que tornava mais difícil o descrédito do movimento por parte da linha dura militar. O Cardeal Arns chamou mais tarde a luta pela anistia ‘a nossa maior batalha’. A revogação por Geisel em dezembro de 1978 da maior parte dos atos de banimento, foi seguida agora pela lei da anistia, aprovada pelo Congresso em agosto de 1979.375

Destaca-se, ainda, neste período histórico, o movimento nacional ‘Diretas Já’, que, a partir de 1983, realizou amplas manifestações populares em todo país em prol das eleições diretas para a presidência da República, mas não se mostraria suficiente para que o Congresso Nacional aprovasse a Emenda Constitucional que pretendia introduzir as eleições diretas376.

Em 1985, a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral marcou o fim do regime militar, o movimento pró-constituinte ganhou força e os movimentos sociais que emergiram na cena política, desde os anos de 1970, conseguiram que uma ampla diversidade de reivindicações de trabalhadores, mulheres, índios, entre outros tantos, viessem a ser consagrados como direitos fundamentais pela Constituição da República de 1988377.

Maria da Glória Gohn assinala que entre os anos de 1985-1989 os movimentos sociais vivem um segundo ciclo de expansão. Aparecem no cenário nacional movimentos sociais que tratam de temas específicos (como os movimentos negro, étnico dos índios, de mulheres, nacional de meninos e meninas de rua, pela reforma da educação, ecológico e dos homossexuais). Surgem, também, novos movimentos populares por moradia e em prol da reforma agrária378.

Traçando os principais elementos sobre o terceiro ciclo dos movimentos sociais no Brasil, aponta a autora que entre os anos de 1990 e 1997, tendo o país vivenciado as crises do capitalismo globalizado, com altas taxas de desemprego, reestruturação do mercado de trabalho e flexibilização dos direitos trabalhistas, o movimento sindical enfraqueceu e aumentou o número de trabalhadores no mercado

375 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo (1964-1985). Tradução Mário de Salviano Silva. 8.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004, p.423.

376 Emenda Dante de Oliveira, votada em 25 de abril de 1984.

377 GOHN, Maria da Glória (Org.). Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos atores. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2013, p.20.

378 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2014, p.405-406.

informal de trabalho. Nesse contexto, os movimentos sociais em geral desarticulam- se, ao passo que crescem as mobilizações protagonizadas por movimentos de trabalhadores rurais em torno da realização da reforma agrária379.

Importa rememorar, ainda nesse período, movimentos de caráter nacional, como o movimento em prol da Ética na Política (1992), o Movimento ‘Caras-Pintadas’ (1992), a Ação Nacional contra a Fome, a Miséria e pela Vida (1993-1996), movimentos em defesa da Amazônia e o surgimento de uma nova central de trabalhadores, a Força Sindical, em 1990380.

Por fim, Maria da Gloria Gohn aponta um quarto ciclo de movimentos sociais no Brasil entre os anos de 2000 e 2010, lapso temporal no qual há um retorno dos movimentos sociais à cena política nacional. Os movimentos urbanos, desarticulados depois de quase uma década, passam a reorganizar-se381.

Movimentos sociais populares em torno da questão da moradia, do meio ambiente, dos direitos das comunidades tradicionais (indígenas382 e quilombolas383) de questões identitárias e culturais (gênero, etnia, índios, negros, direitos sexuais, políticas afirmativas, gerações etc.), de proteção dos direitos humanos, estudantis, em prol do direito à saúde, sindicais, pastorais ligados à Igreja Católica, movimentos rurais e, por fim, movimentos em torno do direito à informação multiplicam-se em todo o país384.

379 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

Revista Mediações v.5, nº1, p.11-40, jan.-jun.2000. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2000, p. 20.

380 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2014, p.406-408.

381 GOHN, Maria da Glória. 500 anos de lutas sociais no Brasil: movimentos sociais, ONGs e Terceiro Setor.

Revista Mediações v.5, nº1, p.11-40, jan.-jun.2000. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2000, p. 20.

382 Os artigos 231 e 232 da Constituição da República de 1988 tratam dos direitos dos índios. O artigo 231 dispõe que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) informam que no ano de 2008 os indígenas somavam certa de 1 milhão de pessoas, com cerca de 450 mil vivendo nas cidades e 550 mil vivendo em terras indígenas. Existem hoje no Brasil 653 terras indígenas, das quais 401 estão regularizadas. (BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasil Direitos Humanos, 2008: a realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal. Brasília: SEDH, 2008, p.241-242).

383 O artigo 68 do Atos das Disposições Transitórias da Constituição da República de 1988 dispõe que “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. A Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre Povos Indígenas e Tribais, promulgada no Brasil por meio do decreto nº5.051, de 19 de abril de 2004, dispõe, em seu artigo 14 que “Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Dados do ano de 2008 informam que existem no Brasil 3,5 mil comunidades remanescentes de quilombos espalhados por 24 estados da federação, mas apenas 150 delas possuem títulos de propriedade da terra. Até o ano de 2008 a Fundação Palmares havia cadastrado 1258 comunidades quilombolas no país. (BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Brasil Direitos Humanos, 2008: a realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal. Brasília: SEDH, 2008, p.69).

384 GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2014, p.408-414. Nessa mesma obra, a autora fornece um amplo diagnóstico dos movimentos sociais existentes no país até o ano de 2010.

Nesse contexto, segundo Maria da Glória Gohn, no Brasil,

os movimentos sociais voltam a ter visibilidade e centralidade, mas há uma pluralidade de movimentos que se diferenciam não apenas por suas causas, demandas e anos de existência, mas também por seus projetos e sua visão de mundo, por seus objetivos e articulações.385

Mais recentemente, especialmente a partir das manifestações ocorridas em junho de 2013, novos movimentos sociais vieram à cena. Dentre eles, o Movimento Passe Livre (MPL), que atua com pautas reivindicatórias pelo direito à cidade, mobilidade urbana, entre outras, e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), cujas pautas referem-se ao direito à moradia e à cidade386.

Com a superação do regime autoritário e especialmente o advento da Constituição da República de 1988, estabeleceu-se no país um ambiente propício para a participação ativa da população nos processos políticos e nas lutas pela eficácia dos direitos consagrados pelo texto constitucional, dando espaço para o nascimento, expansão e consolidação de movimentos sociais de diferentes matizes387.

Neste cenário, ao longo dos últimos anos, se é certo que o país convive ainda com profundas desigualdades sem atingir a almejada justiça social, pode-se afirmar que o próprio restabelecimento da democracia foi fruto, dentre outros fatores, da mobilização da população. Da mesma forma, o amplo rol de direitos fundamentais consagrados pela Constituição da República de 1988 é fruto de reivindicações históricas formuladas por movimentos sociais. Movimentos por igualdade de direitos dos homossexuais e raciais vêm obtendo importantes conquistas em suas reivindicações, com os direitos das famílias homoafetivas reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal e com a implantação de políticas de ação afirmativa.

Já no ano de 2015, a mobilização dos alunos secundaristas da rede pública de ensino do Estado de São Paulo mostrou-se fundamental para que o

385 GOHN, Maria da Glória. Novas teorias dos movimentos sociais. 5.ed. São Paulo: Loyola, 2014.

386 SCHERER-WARRER, Ilse. Dos movimentos sociais às manifestações de rua: o ativismo brasileiro no século XXI. Revista Política e Sociedade. v.13, nº28, set.-dez.2014. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2014, p.20-31.

387

De acordo com Roberto Delmanto Junior, “é no atual Estado Democrático de Direito, haurido após amargos e longos anos de censura e supressão de liberdade individuais, que movimentos como o do MST se fortalecem, encontrando os miseráveis do campo o espaço necessário para exercer a sua liberdade, divulgando as suas reivindicações por uma melhor distribuição de terra e, consequentemente, de renda, as quais, se um dia alcançadas, serão exemplos de verdadeiros milagres”. (DELMANTO JUNIOR, Roberto. O movimento dos trabalhadores rurais sem-terra em face do direito penal. In: STROZAKE, Juvelino José (Org.) A questão agrária

governo revogasse disposições que previam a reorganização escolar com o fechamento de parte dos estabelecimentos de ensino.

Esses exemplos, assim como tantos outros não mencionados, revelam a importância dos movimentos sociais e dos atos de protesto como agentes desencadeadores de transformações que possibilitam a evolução das democracias e dos direitos fundamentais.

Contudo, como veremos a seguir, as mobilizações sociais em torno da reivindicação de direitos políticos, sociais, econômicos e culturais ocasionam reações repressivas por parte do Estado e, em diversas circunstâncias, a oposição violenta por parte de particulares.

5.3 Movimentos sociais e protestos no Brasil: violência e repressão no meio

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 104-111)