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Licitude das provas

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 57-61)

3 PROCESSO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 1 Notas introdutórias

3.3 Princípios constitucionais orientadores do direito processual penal No âmbito do poder punitivo, tanto no que se refere ao direito penal como

3.3.3 Licitude das provas

A prova no processo penal, como observa Aury Lopes Junior, tem a função de reconstruir ao menos de forma aproximada determinado fato ocorrido no passado. Sua finalidade é proporcionar ao julgador o conhecimento sobre a existência ou inexistência do crime imputado ao réu201.

Segundo Paulo Rangel, conceitua-se a prova como o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, réu e juiz) para comprovar os fatos da causa deduzidos pelas partes; seu objetivo primordial é formar o convencimento do julgador sobre a veracidade das alegações acusatórias ou defensivas202.

Fauzi Hassan Choukr assim conceitua a prova:

É todo produto obtido por um meio lícito, em contraditório, pelas partes legitimadas, perante juiz natural da causa, tendente a certificar o conteúdo da imputação e o objeto do processo ou descaracterizá-lo, devendo ser sopesado explicitamente pelo órgão julgador na fundamentação de seu provimento.203

Conforme Antonio Scarance Fernandes, o direito à prova insere-se no quadro das garantias inerentes ao devido processo legal; de nada valeria às partes o direito de formular alegações sem que lhes fosse proporcionada a possibilidade de demonstrá-las204.

Conforme Rogério Lauria Tucci, o direito à prova, em linhas gerais, expressa-se na concessão às partes de idênticas oportunidades de oferecer e de materializar nos autos elementos de convicção demonstrativos da realidade das alegações formuladas, bem como o de participar de todos os atos probatórios e de se manifestar sobre o seu conteúdo205. E prossegue:

200 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.102.

201 LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.550. 202 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.451.

203 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.303.

204 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 1999, p.67.

205 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.196.

Para que a garantia da plenitude de defesa seja uma realidade, ao direito à informação e atuação, e ao contraditório, deve ser somado o direito à prova, mais especificamente o direito à prova legitimamente obtida ou produzida, que, por certo, se faz ínsito à contrariedade da instrução criminal.206

Como observam Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior, a obtenção ou a produção da prova no processo penal, ao passo que se direciona a busca da verdade, deve respeitar limites éticos e legais; para que uma sentença seja justa, exige-se que tenha esse compromisso com a verdade possível de ser apreendida207. Os autores destacam também a existência de três princípios relacionados às provas. Pelo princípio da comunhão da prova, as provas introduzidas nos autos desvinculam-se dos sujeitos que as produziram. Isto significa dizer que depois de produzida a prova esta é partilhada pelos sujeitos processuais. Pelo princípio da liberdade da prova, as partes são livres para produzir os elementos necessários para a confirmação de suas teses. Assim, respeitadas as vedações éticas e legais, todos os meios de prova são admitidos. Por fim, destaca-se o princípio da inadmissibilidade de utilização de provas ilícitas, que impõe considerar que o Estado não pode agir de forma irracional ou ilegal na busca da verdade, devendo sempre prevalecer o respeito aos direitos fundamentais208.

De acordo com esse princípio, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, LVI, estabeleceu: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícito”, do que se extrai que o direito à prova é limitado.

Fauzi Hassan Choukr aponta que essa norma constitucional introdutória da prova no cenário processual que impede a valoração das provas ilícitas e se estende a qualquer meio de prova, seja testemunhal, documental ou pericial209.

Paulo Rangel considera que a inadmissibilidade das provas ilícitas é inerente ao Estado Democrático de Direito, eis que este “não admite a prova do fato e, consequentemente, punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar”210.

Nesse sentido, ao explicitar que no Estado Democrático de Direito os fins não justificam os meios e de afirmar que a dignidade da pessoa humana não pode ser

206 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 2.ed. São Paulo: RT, 2004, p.196.

207 CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do procsso penal brasileiro: dogmática e crítica v.I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.344.

208 CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica v.I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.345.

209 CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.305.

garantida admitindo-se provas obtidas por meio de violações às normas legais, conclui:

O legislador constituinte, ao estatuir como direito e garantia fundamental a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, estabelece uma limitação ao princípio da liberdade da prova, ou seja, o juiz é livre na investigação dos fatos imputados na peça exordial pelo titular da ação penal pública – princípio da verdade processual – porém, esta investigação encontra limites dentro de um processo ético movido por princípios políticos e sociais que visam a manutenção de um Estado Democrático de Direito211.

Impõe destacar, conforme Paulo Rangel, a distinção entre provas ilegítimas, irregulares e ilícitas. De acordo com o autor, constituem provas ilegítimas aquelas produzidas em ofensa a normas de direito processual, como no caso em que a lei proíbe o depoimento de pessoas que em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo (artigo 207, do Código de Processo Penal). Já as provas irregulares são aquelas que, embora permitidas pela norma processual, foram obtidas em desacordo com as formalidades legais existentes, como, por exemplo, nos casos de depoimento de testemunhas parentes que não sejam advertidas de que não estão compromissadas a dizer a verdade. Por fim, as provas ilícitas são aquelas que violam uma norma de direito material, seja nos casos em que a norma proíbe aquele tipo de prova, como no caso da tortura, seja porque permite-se a prova, mas exige-se que se cumpra uma exigência normativa, como no caso da exigência de mandado de busca e apreensão para ingressar no domicílio212.

Para Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior, o fenômeno da contaminação das provas, também chamado de prova ilícita por derivação, relaciona-se às provas que seriam consideradas lícitas caso não tivessem sido descobertas em decorrência de uma prova ilícita. Nesse sentido, apontam os autores que a teoria dos frutos da árvore envenenada tem origem na Suprema Corte dos Estados Unidos que construiu a tese pela qual se entende que o vício contido na árvore ou em seus frutos contamina todos os demais frutos, mesmo aqueles que tenham a aparência de bons. Desse modo, a prova primária eivada de ilicitude torna ilícita também a prova que dela deriva213.

Prosseguem os autores esclarecendo:

211 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.461-462. 212 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 17.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.464-265.

213 CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica v.I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.345.

Para que ocorra a contaminação da prova, é indispensável que a prova ilícita seja determinante à obtenção da prova derivada. A prova primária deve ser causa eficiente da prova derivada [...]. Se a prova ilícita não deu causa à descoberta da prova que se pretende utilizar, esta pode ser tida como lícita; de igual sorte, se a prova seria descoberta de qualquer modo, se era inevitável a descoberta da prova, em razão de meios lícitos independentes da ilicitude derivada, a prova obtida por meio ilícito não a contamina.214

Por fim, Antonio Scarance Fernandes adverte que a Constituição da República de 1988 resguardou diversos direitos fundamentais dos indivíduos cuja violação para a obtenção de provas acarreta a formação da prova ilícita. Dentre esses estão os direitos fundamentais entre os quais destacam-se a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem (artigo 5º, X) e a inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, XI), a inviolabilidade do sigilo das comunicações em geral e dos dados (artigo 5º, XII). Além disso, proíbe-se expressamente que o indivíduo seja submetido à tortura ou a tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, III), assegurando-se ao preso sua integridade física e moral (artigo 5º, XLIX)215.

3.3.4 Publicidade

O princípio da publicidade relaciona-se com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa. Foi consagrado pela Constituição da República de 1988 por meio do artigo 5º, LX, nos seguintes termos: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

O texto constitucional tratou da matéria também em seu artigo 93, IX, com o seguinte teor:

Artigo 93. [...] IX Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

214 CASARA, Rubens R. R.; MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica v.I: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p.346.

Entende-se que o princípio da publicidade é uma das garantias de maior relevância para o processo penal216. Para José Frederico Marques, é um dos princípios políticos de maior projeção na justiça penal, estando profundamente ligado à humanização do processo penal, contrapondo-se aos procedimentos secretos217. Nas palavras de Antonio Magalhães Gomes Filho, é um princípio inseparável da ideia de democracia, sem o qual não seria possível o controle das partes e do público em geral sobre o exercício do poder. Mais que isso, esse princípio pode ser visto também como uma garantia do exercício da função jurisdicional, assegurando a imparcialidade e a independência do juiz218.

Por meio desse princípio, de um lado, fica garantida a transparência da atividade jurisdicional e, de outro, possibilita-se a atuação e a fiscalização das partes, evitando-se excessos e arbitrariedades no curso do processo. Por essas razões, representa a superação dos procedimentos secretos, comuns no regime autoritário brasileiro que vigorava antes da nova ordem democrática219.

Da leitura destes dispositivos constitucionais, observa-se que foi adotada a regra da publicidade plena, que apenas poderá ser restringida para o público externo, nunca para as partes, nos casos em que a defesa da intimidade, o interesse social ou o interesse público a recomendar220.

No documento Giane Alvares Ambrosio Alvares (páginas 57-61)