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Controle judicial da atividade administrativa no Brasil: um “novo” viés de superação do ideal tripartite de poder político no paradigma gerencial de

2. O DIREITO À SAÚDE ENQUANTO CONQUISTA SOCIAL

2.11 Controle judicial da atividade administrativa no Brasil: um “novo” viés de superação do ideal tripartite de poder político no paradigma gerencial de

Administração Pública propiciado pela constitucionalização da idéia de “qualidade”

Celso Antônio Bandeira de Mello elabora a seguinte questão: “(...) quando a lei regula uma dada situação em termos dos quais resulta discricionariedade, terá ela aberto mão do propósito e da imposição de que seja adotado o comportamento plenamente adequado à satisfação de sua finalidade?” O autor responde obviamente que “muito pelo contrário”. Esclarece que a lei não poderia impor ao agente público menos que um “comportamento ótimo” – tomando de empréstimo as expressões utilizadas por Celso Antônio Bandeira de Mello. Leciona, portanto, que quando a lei regula discricionariamente uma dada situação, não admite que o administrador pratique outra conduta que não seja aquela capaz de satisfazer excelentemente a finalidade legal167. Assim, todo agente público, independentemente de qual dos poderes o acastele, são comprometidos com o bem-estar de todos.

Em igual sentido, José Afonso da Silva relata que a ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs uma nova visão da teoria da separação dos poderes e novas formas de relações entre os poderes Legislativo e Executivo e destes com o Judiciário. “A

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CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas notas sobre colisão de direitos fundamentais. In: Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. Coordenado por Eros Roberto Grau e Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 237.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira. Discricionariedade e controle judicial. 2. ed. 7ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 32.

urgência em responder às necessidades coletivas obrigou a uma nova formulação dos princípios de governo”168, nos limites e para o atingimento das finalidades (interesse público) prescritas em lei169.

Em função da especial natureza, os direitos sociais se remetem ao aos poderes constituídos a responsabilidade de determiná-los, concretizá-los e densificá-los, numa medida adequada às disponibilidades financeiras do Estado e compatível com a margem de conformação política dos titulares do poder democraticamente legitimados170.

Antonio Gomes Moreira Maués indica o ponto exato em que o Estado liberal, que então se firmava na teoria da divisão dos poderes, começa a encontrar dificuldades para a manutenção dessa idéia. Consubstancia-se o informe no apontamento de dois instantes: inicialmente surgem os partidos políticos como grandes agremiações dotados de destreza para governar o Estado; em seguida, o Executivo passa a conduzir o Estado por meio de políticas públicas, ampliando suas competências e tornando insuficientes os mecanismos de controle sobre ele até então estabelecidos171.

Entre as medidas para garantir a concretização com qualidade, figura a criação da Fundação Nacional de Saúde (FNS), que busca melhorar a coordenação das políticas, facilitar o processo e criar condições para o desenvolvimento administrativo mais eficiente172.

Vem de Aristóteles o entendimento de que o poder é dotado de uma tendência natural a se corromper, e que uma forma pura de governo virá a se converter impura (ilegítima). Assim: a monarquia em tirania; a aristocracia em oligarquia; a democracia em demagogia; a teocracia em clerocracia (ou aiatolácracia).

A necessidade de controle evidencia-se, portanto, no constante desvirtuamento do poder estatal, em todas as esferas, transformando o Welfare State em demagogia, o que freqüentemente tem servido para disseminar desconfiança naqueles que o exercem.

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SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 48.

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MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 89. O autor ainda destaca que o princípio da legalidade cumpre a função de preencher uma lacuna funcional no paradigma do Direito Administrativo, consubstanciado no controle e na limitação dos atos de governo.

170

Jorge Reis Novais citado por Mariana Filchtiner Figueiredo (FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito

fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 142). (Dissertação de mestrado oriunda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS).

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MAUÉS, Antonio Gomes Moreira. Regulamentação da democracia direta e a divisão dos poderes no Brasil. In: Diálogos constitucionais: Direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Coordenado por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Martônio Mont’Alverne Barreto Lima. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 51.

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CURY, Ieda Tatiana. Direito fundamental à saúde: evolução, normatização efetividade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 95. (Dissertação de mestrado oriunda do Programa de Pós-Graduação da Universidade Gama Filho - RJ)

Para o combate à centralização das funções estatais e na expectativa de neutralizar a desnaturalização do poder, Montesquieu levou a idéia da separação dos poderes (funções) do Estado à sua feição mais radical, estágio em que se apresenta praticamente toda cultura de Estado moderna173.

Contudo, o aumento da complexidade das atividades do Estado imprimiu uma nova visão da teoria da separação dos poderes, estabelecendo novas formas de relações entre os Poderes Legislativo e Executivo e destes com o Judiciário.

Hegel, preservando a idéia da unidade do poder, se acha, a este respeito mais próximo de Rousseau do que de Montesquieu. Informa Paulo Bonavides que a independência dos poderes resultaria numa desintegração imediata do Estado. “Cometeria enorme erro quem cuidasse que cada poder tem em si existência abstrata” 174. (Grifos originais)

Nesse diapasão, a eficiência no serviço público se apresenta como uma espécie de justificação do Estado brasileiro, para além de toda generalização legislativa, voltada a substituição da administração dita burocrática por uma administração gerencial175.

Antes da EC 19/98, que consagrou a eficiência como princípio constitucional, pressionava-se o Estado acerca de sua inércia para agir quando devia, bem como sua capacidade para agir e, por fim, a qualidade do seu agir.

Com razão, destaca Paulo Modesto, que o constituinte derivado incluiu a eficiência como princípio constitucional em razão de ter o Estado brasileiro assumido uma posição comprometida com a administração de resultados e diante da tentativa de se retirar o governo da esfera de gestão direta de seus serviços (fenômeno da descentralização dos atos administrativos), para posicioná-lo como avaliador do exercício da função pública exercida por seus agentes176.

Outros aspectos merecem ser lembrados. Neste rumo, Lúcia Valle Figueiredo defende que o novo conceito que se formou no contexto da administração gerencial (que propõe a substituição de administrado por cliente, ou consumidor de serviços prestados pelo Estado),

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MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Texto integral. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 34-43.

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Vejam in literis o que diz o autor: “Mas a boa tradição do monarquismo constitucional, cedendo ao imperativo da crescente democratização, parecia corroborar, cada vez mais, e era o caso das instituições políticas inglesas, que a tese hegeliana da separação de poderes vinha a ser verdadeira. Na Inglaterra, a prática política, de índole consuetudinária, sempre desprezou o princípio da separação absoluta e se inclinou decididamente para uma separação amena, flexível e relativa (entre os poderes)”. Destacamos, em nota, este trecho, para introduzirmos desde já a idéia de “anglo-saxonização” (retorno ao jusnaturalismo por meio dos princípios) do direito brasileiro, a qual será abordada mais adiante, ainda neste capítulo (BONAVIDES, Paulo. Do estado

liberal ao estado social. 7. ed., 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 134-135 e 138). 175

COUTINHO, Ana Luísa Celino. Servidor público: reforma administrativa, estabilidade, empregado

público, direito adquirido. Curitiba: Juruá, 2003, p. 103. 176

cumpriu papel importante na justificação da elevação da eficiência a status de princípio constitucional177.

Ao se considerar a medida de liberdade da Administração Pública na prática de seus atos e a diferenciação estabelecida pela doutrina, entre ato administrativo vinculado e ato administrativo discricionário, verifica-se que a elevação da eficiência à categoria de princípio constitucional, não afetou diretamente todos os tipos de atos administrativos.

Percebe-se que o princípio em análise incidirá com mais amplitude no ato discricionário. Contudo, no caso do ato administrativo vinculado, no qual agente público não poderá agir de outro modo que não seja com eficiência, em razão de que deverá estar materializado, dentro dos estreitos limites discricionários, estabelecidos de modo inequívoco em lei, o princípio da eficiência contido no caput do art. 37.

É de se destacar nesse sentido, a questão do aumento do conceito de legalidade, que passou a ter sua feição material analisada. Assim, verificou-se que tal conceito, precisa ser tomado não somente sob o ponto de vista estrito ou formal, mas também, estar em consonância com os preceitos e métodos da lei.

Outrossim, havia entre legalidade e mérito administrativo um dualismo pertinaz, chegando até mesmo Odete Medauar178 a classificá-lo como o âmbito livre sobre o qual advém a seleção intrínseca à discricionariedade administrativa, âmbito este que abarca no atendimento do interesse público, o juízo de conveniência e oportunidade da alternativa eleita.

Contundente e oportuno, João Maurício Adeodato com apoio em Francisco Gérson Marques de Lima, desnuda o “véu da noiva” nos seguintes termos:

No debate brasileiro, se por um lado reclama-se do excesso de independência do judiciário, por outro discute-se também sobre a timidez ou, pior, sobre a subordinação do judiciário aos interesses do executivo, mormente no que diz respeito ao Supremo Tribunal Federal (STF), seja em manuais e teses de direito constitucional, seja até em ações interpostas pelo próprio ministério público179.

Com a ascensão da eficiência ao status de princípio constitucional, vêm se observando questionamentos acerca do referido antagonismo e dualismo entre mérito e legalidade e,

177

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 61. 178

Odete Medauar, op. cit., p. 177. 179

ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situações e limites. In:

Constitucionalizando direitos: 15 anos da Constituição Brasileira de 1988. Coordenado por Fernando Facury Scaff. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 79.

mormente a questão da inatacabilidade do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, isso em virtude da ausência de base legal.

Outra conseqüência que pode ser verificada nesse ponto, é a do controle dos atos administrativos pela população. Assim, a partir da Reforma Administrativa, além das garantais constitucionais já anteriormente existentes no artigo 5º da Constituição Federal e colocadas ao emprego dos cidadãos, deu-se a inserção na Carta Magna de instrumentos capazes de concretizar em plano global, as idéias que apontam para a perspectiva de se considerar o cidadão administrado como cliente.

Neste ponto, procuramos apresentar o princípio da eficiência como portal de abertura do sistema jurídico brasileiro para o jusnaturalismo, mormente verificável nos países de origem anglo-saxã, fenômeno fortemente influenciado pelo sistema de tutela coletiva brasileiro.

As tensões sociais, como é óbvio, são factuais, ou seja, quando ocorrem, pertencem ao plano da realidade. Por mais precisa que fosse, uma lei jamais poderia prever todas as nuanças de uma revolução na iminência da eclosão. As “brechas” da lei não apenas se prestam às omissões sanadas por integração, mas também, em muitos casos, servem para ocultar o descontentamento180.

Como veremos mais adiante, a maior fonte do processo coletivo brasileiro são as class

actions norte-americanas. Daí, uma questão sobressai: se são os americanos que nos inspiram,

então porque a expressão “anglo-saxonização” ao invés de “americanização” ou “anglo- americanização”? Pode parecer algo sem importância, mas tem uma explicação.

O sistema jurídico americano é misto de direito escrito e consuetudinário, este, denominado pragmaticamente por eles de Jurisprudence, com prevalência para a aplicação utilitarista181 dos costumes aos casos concretos a despeito da parca legislação.

Prático, o anglo-saxão de origem inglesa não intenta prevê o futuro, nem criar fórmulas para problemas que talvez nunca se concretizem. Naturalmente, que em vias de colapso, buscando a “abertura”, mormente necessitamos de integração extra-sistêmica (“alopoiese”, circularidade ou out put182), razão pela qual encontramos nos Estados Unidos

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Muito se discutiu acerca da existência ou não de lacunas no Direito (posto). Se existem ou não? Depende do ponto de vista. Entendo que não existem lacunas no Direito. Apenas se cometeu o equívoco de acreditar que seria possível cobrir toda a realidade, em todas as dimensões (presente, passado e futuro) com o “manto sagrado da Justiça” (leia-se: um magno conjunto de letrinhas, dispostas de modo sistematicamente organizado).

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A despeito da “forma”, nesses sistemas a razão determina que os fins justificam os meios, jamais o reverso. 182

Sobre o assunto conferir: TEUBNER, Günther. Direito, sistema e policontexturalidade. Apresentação: Dorothee Susane Rüdiger. Introdução: Rodrigo Octávio Broglia Mendes. Piracicaba-SP: Editora Unimep, 2005. - _____________. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.

uma experiência intermediária e bastante madura, mas deles retiramos especialmente o que nos falta: a capacidade de decidir independentemente dos Códigos.

Neste sentido é a dicção de Maria Garcia quando infirma que “o Direito Constitucional, amplamente aceito como ramo do Direito Público que estuda a Constituição, apresenta tal característica de trazer para si e, por vezes, constitucionalizar termos, conceitos, instituições, ramos científicos, idéias e filosofias – além das duas áreas conexas da Ciência Política e da Filosofia”183.

Oportunamente a autora em referência denuncia a proximidade do Direito Administrativo com o Direito Constitucional, nada obstante admoestamos de intróito que em muitos momentos dessa pesquisa adotamos o conceito total de Constituição (e de Direito Constitucional), nos seguintes termos: “Em seu estudo sobre Direito anglo-americano, John Clarke Adms trata da questão tormentosa da definição do Direito Administrativo expondo, nessa parte, a sua relação com o Direito Constitucional e a sensação incômoda dos juristas franco-italianos quando se defrontam com o Direito anglo-americano, “que carece de definições precisas e válidas”184.

Conclui Maria Garcia, ainda na perspectiva da circularidade: “Singular conceito do espaço de incidência de direitos, bens, valores inspirando a visualização do Direito que, desde um ponto central normativo, essencial à convivência humana, estende-se em linhas de análise e reflexão a valores como a pessoa humana, grupos humanos, coletividades, sem preocupação maior dos pontos limítrofes das suas diversidades, até encontrar “os lugares sagrados de outros povos””185. (Destaque original)

A noção de eficiência advém e se radica na Sociologia que, aliás, sempre esteve presente no fenômeno jurídico, modificando tão-somente na atualidade seu conteúdo, juridicamente falando (art. 37, caput, CF/88).

Como afirmado anteriormente, é, nesse contexto do Welfare State, que se tem como assegurado o direito aos serviços públicos - não qualquer serviço público, mas apenas aquele prestado de molde adequado, entendendo por isto o serviço de qualidade, ou, em outra palavra, eficiente. Entretanto, ainda paira certa obscuridade (legislação e doutrina) acerca dos limites demarcatórios entre serviço eficiente e serviço adequado, no que tem se aportado a Administração para justificar sua ineficiência.

183

GARCIA, Maria. O Direito Constitucional norte-americano: uma concepção circular do direito constitucional e o juspositivismo contemporâneo. In: Estudos de direito constitucional comparado. Coordenado por Maria Garcia e José Roberto Neves Amorim. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 27.

184

Maria Garcia, ibid., p. 27. 185

Destituído de habilidade para redimensionar seu modelo de desenvolvimento, atualizar seu projeto político e de reestruturar suas bases de sustentação, esse regime burocrático- autoritário instituído entre os anos 60 e início dos anos 70 entrou em crise.

Por exigência constitucional (art. 175, parágrafo único, IV), os serviços públicos deverão ser prestados, não importando a forma (direta ou indireta) dessa prestação, de modo adequado. A Constituição Brasileira determina que a lei, ao dispor sobre a prestação desses serviços, imponha a seus prestadores a "obrigação" (o “dever”, rigorosamente) de manter serviço adequado, condição para uma “existência digna”.

Disto decorre que o estudo da eficiência dos serviços públicos pelo Direito e pela Política do Direito toma, na atualidade, contornos de suma importância, não apenas dos aspectos científico, dogmático ou pragmático, mas, sobretudo do aspecto econômico. Saber, então, o que é o princípio da eficiência, implica no estudo de sua finalidade. Passa pela interpretação, o estudo da linguagem jurídica, o juízo de sistema, lógica e expectativas sociais a respeito da qualificação do serviço público de saúde, bem como a idéia e a eficácia dos atos de governo186.

O desemprego encabeça uma onde de pessimismo capaz de deixar um rastro de tensão social de proporções tsunâmicas. A alienação do mercado ampliou nas camadas populares um sentimento de frustração suficiente para comprometer a perpetuidade do “estado de coisas” (status quo). Emerge daí, a crise de legitimidade de um Estado atrelado ao um dilema crônico, que perdura até os dias atuais: o de ter de conciliar sua função econômica – no sentido de assegurar a prevalência da relação capital-trabalho (a “mais valia”) – com sua função legitimadora, voltada para a manutenção das tensões sociais em situação de latência controlada, frente aos bolsões de conflitos urbanos generalizados, concentrados, especialmente nas periferias das grandes cidades.

José Eduardo Faria com precisão deslinda o papel do Judiciário frente ao contexto que se apresenta, destacando que as conseqüências concretas das crises de hegemonia, de legitimidade e da matriz organizacional do Estado, em termos de multiplicação de conflitos e de novas formas de atuação política, obrigam o Estado brasileiro a promover constantes ajustamentos no que se refere á organização sócio-econômica e político-administrativa do

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Com apoio em Kazuo Watanabe, Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, em relação à qualificação de magistrados para atuarem no processo coletivo, assim dispõe: “Essa ampliação de poderes e maior plasticidade do processo e do provimento são acompanhados da exigência de maior preparo por parte dos magistrados com a reciclagem permanente de seus conhecimentos jurídicos e de outras áreas do saber humano e com a perfeita aderência à realidade socioeconômico-política em que se encontram inseridos” (YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizato. Eficácia das tutelas urgentes nas ações coletivas. Efeitos dos recursos. Suspensão da liminar e de sentença. In: Processo civil coletivo. Coordenado por Rodrigo Mazzei e Rita Dias Nolasco. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 368).

país, sem, no entanto, conseguir superar as próprias contradições em que tal organização se sustenta187.

Nesse processo de ajuste, o autor revela que o fosso cada vez maior entre o sistema jurídico e os interesses conflitantes numa sociedade em transformação, exponenciado pelas históricas dificuldades do Judiciário para se adaptar aos novos tempos, conduziu tanto a uma descomunal desconfiança tanto na objetividade das leis, como critério de justiça, quanto na sua efetividade, enquanto instrumento de regulação da vida sócio-econômica. Da conseqüente banalização da lei, sobressai a imagem de um país culturalmente dado à violação das regras, como expressão da falência das instituições jurídico-judiciais.

Tal moldura fática colocou o Judiciário frente ao seguinte dilema: ao aplicar normas abstratas e gerais aos casos concretos, os juízos não podem contrariar o espírito e sentido de um sistema legal ineficaz; no entanto, por carecerem de liberdade criativa e de flexibilidade interpretativa, também não dispõem de condições institucionais para modernizar códigos esclerosados, motivo pelo qual vêem, muitas vezes, suas decisões descumpridas, fato que alimenta a sensação de “anomia” (ausência de leis) perante parcelas significativas da sociedade188.

Um novo papel se apresenta ao Direito (e ao Judiciário), na medida em que emerge o uso do direito como instrumento de direção e promoção social objetivando a consecução de um equilíbrio material entre os diversos setores, grupos e classes sociais, a idéia de “justiça”, impele o Judiciário à abertura do sistema, por meio dos princípios constitucionais, às situações empiricamente verificáveis189.

Com precisão Ana Paula Costa Barbosa, com apoio em John Raws, examina como uma sociedade de justiça como equidade bem ordenada pode estabelecer e preservar a unidade e a estabilidade, tendo em vista o pluralismo razoável, que lhe é característico, e o consenso sobreposto de doutrinas amplas razoáveis. Noutros termos: como pode uma

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FARIA, José Eduardo. Judiciário e desenvolvimento sócio-econômico. In: Direitos humanos, direitos

sociais e justiça. Coordenado por José Eduardo Faria. 1. ed., 4. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 17. 188

José Eduardo Faria, ibid., p. 18. 189

Samuel Rodrigues Barbosa denuncia nos seguintes termos: “A recente passagem do “positivismo jurídico” ao “positivismo jurisprudencial” atinge tradições constitucionais consolidadas como a alemã, francesa e italiana (Canotilho 1999: 20-21; García 1998) e avança rapidamente em nosso constitucionalismo tropical. A criação de novos instrumentos processuais de controle concentrado de constitucionalidade (argüição de descumprimento de preceitos fundamental, ação declaratória de constitucionalidade), o fenômeno da constitucionalização da ordem jurídica” (que pressuposto da interpretação constitucional do direito civil, da coisa julgada inconstitucional) e a recepção de construções doutrinárias (a exemplo da teoria dos princípios, da interpretação segundo a Constituição) são sinais dos novos tempos” (BARBOSA, Samuel Rodrigues. O STF como guardião da história jurisprudencial da Constituição. In: Diálogos constitucionais: Direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Coordenado por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Martônio Mont’Alverne Barreto

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