• Nenhum resultado encontrado

Procedimentos e leis relacionados à tutela coletiva: projetos de Código de Processos Coletivos

FUNCIONAMENTO DE APARELHOS AUDITIVOS EM FAVOR DE MENOR SAÚDE DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL ART 227 DA CF/88 LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET ART.

3. ASPECTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA O ESTUDO DA TUTELA COLETIVA

3.16 Procedimentos e leis relacionados à tutela coletiva: projetos de Código de Processos Coletivos

Vários procedimentos são colocados à disposição para a tutela dos direitos coletivos. A questão, entretanto, deve ser abordada sob duas perspectivas: a das demandas que podem ser propostas; e, dos procedimentos que podem ser adotados. No caso desta pesquisa a demanda é a efetividade do direito à saúde; e o procedimento em hipótese de adequação ao direito material perquirido, a ação civil pública.

O artigo 83 do CDC autoriza todas as modalidades de ações - condenatórias, mandamentais, executivas, declaratórias e constitutivas, independentemente de sua classificação. O inventário da LACP, que apontava as ações condenatórias para a reparação de dano, as ações de obrigação de fazer e de não fazer e a ação cautelar, foi sensivelmente alargado, depois da interação existente entre a LACP e o CDC.

387

PECES-BARBA, Gregorio. La dignidade de la persona desde la filosofía del derecho. 2. ed. Cuadenos “Bartolomé de las Casas”. V. 26. Madrid: Universidad Carlo III de Madrid - Dykinson, 2003, p. 77-78.

Como explicitado anteriormente, o procedimento-padrão para as causas coletivas é o previsto de forma integrada na LACP e no CDC, que se movimenta como o procedimento comum do processo coletivo388.

Importa destacar que a trajetória legislativa não foi feita só de avanços. Um dos grandes retrocessos que pode ser referenciado aparece com a edição da Medida Provisória no 2.180-35389 e a sua tentativa de “confinamento” dos efeitos do julgado coletivo nos limites da competência territorial do órgão prolator da sentença, ditado pela Lei no 9.494/1997. Igualmente pode ser arrolada como ataque ao desenvolvimento da tutela coletiva a expressa vedação de ajuizamento de demandas que versem sobre direitos coletivos (stricto sensu), junto aos Juizados Especiais Cíveis Federais (art. 3º, I, § 1º, Lei Federal no 10.259/01)390.

O inativismo do Poder Legislativo tem facilitado a ação de governantes comprometidos com os princípios liberais. A esperança é voltada, então, para os tribunais, quando ladeados por uma Advocacia e um Ministério Público comprometidos com a “justiça” (enquanto virtude considerada), e juizes corajosos, motivados academicamente com a interpretação apropriada das novas normas, que seja com o fito de que a solução judicial espelhe as linhas mestras do processo coletivo e os princípios gerais que os regem391. Essa expectativa imediatamente relata pode explicar o súbito interesse pelo modelo norte- americano, onde, por questões históricas, o papel da jurisprudência e dos magistrados é fator determinante para uma institucionalização forte dos tribunais.

388

Além dele, é possível referir ao procedimento especial do mandado de segurança coletivo (aplicação da Lei Federal no 1.533/51 e demais diplomas referentes ao writ individual em conjunto e no que não contratar com o procedimento-padrão do processo coletivo, preservada a regra da legitimação constitucionalmente referida no art. 5º, LXX da CF/88), a ação popular (Lei Federal 4.717/65), as ações previstas no CDC (ações coletivas para a defesa dos interesses individuais homogêneos – arts. 91-100 – e ações coletivas de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços – art. 102), o mandado de injunção coletivo (para o qual se aplica, no que couber e enquanto não editada legislação específica, o regramento processual do mandado de segurança, nos termos do art. 24, parágrafo único da Lei Federal no 8.038/90) e ação de improbidade administrativa (Lei Federal no 8.429/92). Para os autores que defendem o caráter difuso das ações de controle de constitucionalidade, também aqui devem estar relacionadas as leis que versam sobre o tema (Lei Federal no 9.868/99 e Lei no 9.882/99), contudo em muito pouco servem a estes diplomas a disciplina da ACP e do CDC sobre a matéria. 389

Em particular o parágrafo único do art. 1º da LACP, introduzido pela Medida Provisória e vazado nos seguintes termos: “Não será cabível a ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiados podem ser individualmente determinados”.

390

Como afirmou Ada Pellegrini Grinover em artigo eloquentemente denominado “A Ação Civil Pública Refém do Autoritarismo” as ações coletivas progrediram muito no nosso sistema positivo e continuam a evoluir a “única nota dissonante, nesse cenário, é a atitude do governo, que tem utilizado Medidas Provisórias para inverter a situação, com investidas contra a ação civil pública, tentando diminuir sua eficácia, limitar o acesso à justiça, frustrar o momento associativo, reduzir o papel do Poder Judiciário (GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo. In: O Processo: Estudos e Pareceres. São Paulo: Perfil, 2005, p. 236- 247).

391

Nesse momento não nos parece oportuno aprofundar no tema, mas fica referência de que alguns juizes e tribunais, mobilizados pelo Ministério Público e pelos advogados, têm resistido heroicamente às ofensivas do “autoritarismo” contra ações coletivas.

Quatro excelentes projetos para um Código Brasileiro de Processo Coletivo são apresentados à comunidade brasileira. Para além de notável qualidade técnica todos esses projetos destacam-se pela constitucionalização dos direitos e (re)democratização do Brasil. São eles: a) Anteprojeto de Código Modelo de Processos Coletivos para a Ibero-América; b) Código de Processo Coletivo Modelo para Países de Direito Escrito – Projeto Antonio Gidi; c) Anteprojeto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP); d) Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, coordenado por Aluísio Gonçalves de Castro Mendes392-393.

3.17 Competência

A jurisdição, resguardando a ordem jurídica e a paz social, especializa-se em setores nas atribuições que exerce por todo o território nacional (art. 1º, CPC), de modo que, as causas sejam distribuídas pelos vários órgãos jurisdicionais, conforme as atribuições, que têm seus limites definidos em lei.

Em igual sentido, JJ. Gomes Canotilho entende por competência o poder de ação e de atuação aos vários órgãos e agentes constitucionais com o fim de prosseguirem as tarefas de que são constitucional ou legalmente constituídos. A competência, segundo o autor, envolve a atribuição de determinadas tarefas bem como os meios de ação (“poderes”) necessários para a sua prossecução, além delimitar o quadro jurídico de atuação de unidade organizatória relativamente a outra394.

A necessidade de se assegurar a previsibilidade das ações de governo (segurança jurídica) e a impossibilidade de se transferir responsabilidades constitucionalmente fixadas para órgãos diferentes daqueles a quem a Constituição a atribui, decorrem de dois princípios: “princípio da tipicidade” e “princípio da indisponibilidade da competência”, respectivamente; os quais em conjunto compõem o conteúdo do “princípio do juiz natural”395.

392

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., op. cit., p. 61. 393

Em todos os projetos o objeto são os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos, neste particular os projetos referidos repetem os termos do CDC, deixando de progredir na conceituação mais precisa dos direitos individuais homogêneos, bem como de resolver o problema básico de sua aplicação, caracterizando-os, expressamente e de uma vez por todas, como direitos coletivos lato sensu. 394

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 2ª Reimpressão. Coimbra, Portugal: Almedina, 2006, p. 539.

395

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., op. cit., p. 132. Os autores ainda advertem: “No entanto, o STF admite que se reconheça a existência de competências implícitas: quando não houver regra expressa, algum órgão jurisdicional haverá de ter competência para apreciar a questão. Veja o caso dos embargos de declaração: não regra constitucional que preveja como competência do STF ou do STJ o julgamento de embargos de declaração

A “competência de foro” decorre da idéia de limites territoriais, nos quais o magistrado exerce suas atribuições. De acordo com os artigos 251 e 252 do CPC, onde houver mais de um juiz ou mais de um escrivão os processos deverão ser distribuídos por sorteio dentre aqueles abstratamente competentes.

Acerca de “competência por dependência”, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery esclarecendo que esta modalidade é determinada pela “dependência funcional sucessiva”, portanto absoluta. Identificada pelo magistrado a conexão ou continência, bem como se se tratar das ações secundárias previstas no CPC (art. 253, parágrafo único), estabelece-se a competência funcional sucessiva do juízo para julgar, concomitantemente, a causa principal e a que lhe for distribuída por dependência396.

O artigo 2º da LACP estabelece que é competente para julgar a ação civil pública o foro do local do dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. Diante da objetividade da Lei Federal em análise, torna-se evidente o caráter absoluto da competência para ação civil pública397.

Uma questão surge em torno desse assunto: essa regra do artigo 2º é espécie de normas que delegam à Justiça Estadual competência da Justiça Federal, na forma do artigo 109, § 3º, da Constituição Federal, nas Comarcas onde houver sede da Justiça Federal, com recurso para o Tribunal Regional Federal? Atualmente a resposta é negativa, tendo em vista decisão do STF, mas que já foi positiva, tendo sido inclusive objeto de enunciado da súmula da jurisprudência predominante no STJ398.

Em sendo o dano de repercussão regional ou nacional, vem do CDC a resposta para o problema. O dispositivo que regula o a situação é o artigo 93, o qual ressalva a competência da Justiça Federal, e estabelece a competência justiça local: a) no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; no foro da capital do estado ou no do distrito federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Longe de pacificar a situação, o artigo 93 dá margem a duas interpretações nas hipóteses de dano nacional: a) há quem defenda a existência de foros concorrentes: capital dos Estados-membros e o do Distrito Federal. b) há quem afirme que, nessas hipóteses, a

interpostos contra as suas decisões, embora seja inegável que a atribuição de competência para julgar determinadas causas embute, implicitamente, a competência para julgar esse recurso”.

396

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

processual extravagante em vigor. 4. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 179.

397

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A expressão “competência funcional” no art. 2º da lei da ação civil pública”. In: A ação civil pública após 20 anos: efetividade e desafios. Coordenado por Edis Milaré. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 247-255.

398

competência seria exclusiva do foro do Distrito Federal. O STJ, revendo ambos os lados da controvérsia, com voto divergência proferido com ampla fundamentação pelo Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, resolveu entender o foro do Distrito Federal como o único competente nesses casos399. No entanto, a questão não está de todo resolvida na doutrina, devendo ser enfrentada definitivamente pelo Congresso Nacional ao tempo da votação do CBPC.

Segundo Robert Alexy não há como negar que existem competências do cidadão que necessitam de proteção jusfundamental. Muito embora o legislador tenha violado normas consideradas de direito fundamental, isso não revogou a competência, por exemplo, de celebrar matrimônio, fundar associações, adquirir propriedade ou tomar de última vontade. Percebe-se com isto, que não há suficientes estudos no que se refere à função das competências no âmbito das disposições jusfundamentais. Assim, faz-se necessário para poder aferi-las de maneira precisa, apurar sua relação com os direitos a algo e com as liberdades400.

O Tribunal Constitucional Federal ao basear tal direito a uma competência menciona que: “Esta competência é também um elemento constitutivo básico da liberdade de ação no âmbito da ordem da propriedade. Portanto, uma proibição de alienação é uma das intervenções mais graves neste âmbito da liberdade do cidadão”401.

O cerne dogmático da teoria da garantia institucional que foi idealizada segundo Robert Alexy, por Martín Wolff, expandida por Carl Schmitt e recepcionada pelo Tribunal Constitucional Federal, consiste num impedimento direcionado ao legislador, na acepção da não supressão ou alteração essencialmente, de certas instituições jurídicas de direito privado. São conjuntos normativos que, basicamente, versam acerca de normas de competência. Tal garantia institucional apresenta-se assim, como um impedimento apontado ao legislador no sentido de não abolir certas competências do cidadão402.

Observa ainda o autor alemão que, quão intensamente mais individualista se mostra uma teoria normativa dos direitos fundamentais, em maior dimensão será a quantidade de direitos a competências que aquela cuidará. E a explicação para tal fato está na relação existente entre liberdade e competência. Por meio da concessão de competências, estende-se o âmbito de ação do indivíduo. Assim, ao se conjeturar a hipótese onde o desempenho da

399

Julgamento do Conflito de Competência 26.842-DF, cujo acórdão foi publicado em 05 de agosto de 2002, referenciado por Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., op. cit., p. 141.

400

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid: 2002, p. 236.

401

BVerfGE 26, 215 (222). Robert Alexy, ibid, p. 237. 402

competência não se mostre ordenado ou proibido, um possível aumento das competências do indivíduo consistirá numa ampliação na sua esfera de liberdade jurídica. Dessa forma, a liberdade jurídica para efetivar um ato jurídico, implica essencialmente na competência à respeito403.

Igualmente, em outra questão apresenta importância a discussão da relação entre a competência e a liberdade jurídica. Assim, se na outorga de uma liberdade jurídica, a ordem jurídica, diante de uma opção de ação, posiciona-se de maneira passiva, no outorgamento de uma competência por sua vez, procede de modo ativo, instituindo com isso, uma alternativa de ação.

Apresenta-se a outorga de competências, segundo Robert Alexy, tanto as de direito privado como as de direito público, como uma das três maneiras pelas quais, a ordem jurídica têm a possibilidade de alargar de modo ativo, o âmbito de ação e, conseqüentemente, a chamada liberdade negativa do indivíduo. Verifica-se, portanto, que o emprego de competências, além de acarretar deveres, gera também os chamados não-direitos e as não- competências. Circunstância essa que, em não alterando em coisa nenhuma o fato de que as liberdades ativamente criadas são liberdades, conduz ainda, ao tema da repartição correta de liberdades404.

Em correspondência à chamada competência do cidadão, está a competência do Estado, ou seja, dos seus órgãos. Nesse ponto, estão em questão as normas jusfundamentais como sendo normas de competência negativas. Segundo Robert Alexy, norma de competência negativa é aquela que restringe uma norma de competência positiva. Ademais, as normas de competência negativas, edificam cláusulas de exceção no que tange às normas de competência positivas. Assim sendo, assentam o Estado numa posição de não-competência e os cidadãos em uma de não-sujeição.

Nesse sentido, se diante do Estado, o cidadão se acha numa condição de não-sujeição, terá este continuamente frente àquele, um direito no qual o Estado não possa interferir na esfera da não-sujeição. Assim, não é apenas plausível e não lesivo discorrer acerca de normas de competências negativas e de não-sujeições e não-competências, como também é funcional fazê-lo. Se assim não fosse, a insuficiência dos atos de cominação de normas, os quais desabam no campo da não-competência, somente poderia ser explicada parcialmente.

Tal carência teria de ser interpretada como decorrência jurídica não de um transpasse de competência, e sim de uma transgressão de uma proibição. Ao se acolher tanto uma norma

403

Robert Alexy, ibid, p. 238. 404

de proibição quanto uma norma de competência negativa, poder-se-á esclarecer com o auxílio da primeira, a designação de proibida e com o apoio da segunda, a denominação defeituosa405.

Outline

Documentos relacionados