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Esfera pública em países periféricos: o discurso da cidadania em saúde e suas implicações (o caso brasileiro)

FUNCIONAMENTO DE APARELHOS AUDITIVOS EM FAVOR DE MENOR SAÚDE DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL ART 227 DA CF/88 LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET ART.

2.17 Esfera pública em países periféricos: o discurso da cidadania em saúde e suas implicações (o caso brasileiro)

Com a intensificação dos discursos e debates sobre cidadania nas últimas décadas testemunhamos uma generalização e uma acentuação deste conceito. Essa expressão influenciou diversos campos do saber e atividades diversas, entre as quais podemos citar a saúde.

Há algumas décadas, observa-se entre os poderes e organismos dos países periféricos uma tendência em estabelecer um novo discurso onde o papel do estado é substituído e minimizado por uma nova proposta no sentido de um discurso favorável à esfera pública e, capaz de garantir através do diálogo, dentre tantas outras conquistas, a de “uma cidadania para a saúde”.

Entendemos esfera pública no sentido habermasiano da palavra; isto é, uma esfera pública de conteúdo não-estatal nasce a partir da transformação da função da imprensa de uma atividade meramente informativa e manipulativa do que interessa ao Estado tornar público para uma concepção de um veículo, de um “fórum” apartado do Estado. Como bem destaca Jessé Souza, o que é público, de interesse geral e para o bem de todos, precisa a partir

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de agora provar-se argumentativamente enquanto tal, numa ampla discussão onde todos tenham acesso263.

Jürgen Habermas no intento de elaborar um discurso para a Modernidade, a aponta como um projeto inacabado. Esse tema, lembra o autor, bem como seus aspectos filosóficos, têm penetrado fortemente na “consciência pública”, na esteira da recepção do neo- estruturalismo francês, assim como o slogan “pós-modernidade”264.

Nos países “periféricos” o discurso da cidadania cresce difundindo no contexto local relações de dependência econômica, política e cultural global. Isso sugere no mínimo uma reflexão sobre o significado e a avaliação nos países periféricos do discurso do papel da cidadania em particular no que tange a saúde.

Compreendemos “cidadania para a saúde” como uma proposta em torno da qual gravitam várias forças, interesses e discursos que disputam entre si o reconhecimento e legitimação social como a “verdadeira interpretação” sobre o ideal de cidadania em saúde, como um discurso, no sentido empregado por Michel Foucault no contexto da arqueologia e genealogia do saber-poder.

Quanto ao aspecto genealógico, este concerne à formação efetiva dos discursos, quer no interior dos limites do controle, quer no exterior, quer, a maior parte das vezes, de um lado e de outro da delimitação. A crítica analisa os processos de rarefação dos discursos; a genealogia estuda sua formação e ao mesmo tempo dispersa, descontínua e regular. 265

Como leciona Foucault, saber e poder não existem separados um do outro: na verdade, estas duas tarefas não são nunca inteiramente separáveis; não há, de um lado, as formas de rejeição, da exclusão, do reagrupamento ou da atribuição; e de outro, em nível mais profundo, o surgimento espontâneo dos discursos que, logo antes ou depois de sua manifestação, são submetidos à seleção e ao controle266.

Os discursos são entendidos como práticas geradoras de significados que se apóiam em regras históricas para estabelecer o que pode ser dito, num certo campo discursivo e num dado contexto histórico. Essa prática discursiva possível resulta de um complexo de relações com outras práticas discursivas e sociais. O discurso, portanto, relaciona-se em um só tempo,

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SOUZA, Jessé. A singularidade ocidental como aprendizado reflexivo: Jürgen Habermas e o conceito

de esfera pública. In: A modernização seletiva: uma interpretação do dilema brasileiro. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 61.

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Habermas, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. Tradução de Luiz Sérgio Repa e Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000, passim.

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FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 2001, p. 65-66. 266

com suas regras de formação, com outros discursos e com as instituições sociais e o poder que elas expressam.

No caso das sociedades da modernidade tardia, alta modernidade ou pós-modernidade, o discurso verdadeiro é identificado com o saber científico, que produz efeitos de poder devido à objetividade e neutralidade atribuído à ciência e às instituições que a promovem. O conhecimento e reconhecimento do discurso científico e de suas qualidades neutralizam-no como verdadeiro, impessoal, racional e livre de todo questionamento, elevam-no a uma posição de hegemonia social e transfere-lhe o poder de avaliar e julgar os demais saberes.

Com efeito, destaca Fernando Magalhães na dicção de Fábio Wellington Ataíde Alves, que a chamada “pós-modernidade” deve ser compreendida enquanto fenômeno resultante, especialmente, da firmação do capitalismo no final do último século. Deste modo, de maneira abrangente, identificam-na a economia global; o fim dos grandes ideais políticos; o Estado mínimo; a miséria cultural; a crescente importância do conhecimento tecnológico; a crise das relações de trabalho; o individualismo exacerbado; a instabilidade econômica; o abrandamento dos fins sociais do Estado; o fortalecimento do mercado financeiro e das grandes corporações; e o consumismo267.

Como se observa, atualmente, já não se pode afirmar à sério que a aplicação das normas jurídicas não é senão uma subsunção lógica de premissas maiores formadas abstratamente.

Não mais se trata de dar renda livre a convicções morais subjetivas e sim a razões morais relevantes, ou seja a busca de um critério correto fundado em convicções extendidas ou gerais.

Se deve exigir um modelo que, por um lado, permita ter em conta as convicções extendidas e os resultados das discussões jurídicas precedentes e, por outro lado, deixe espaço aos critérios do correto.

A influência filosófica mais notável da concepção de Robert Alexy, de raiz kantiana, se tem reconhecido na teoria do discurso de Jürgen Habermas, para quem as questões práticas são suscetíveis de verdade, ou seja, que não podem desterrar-se do âmbito da racionalidade.

Duas classes de teorias da argumentação jurídica são possíveis, portanto: empíricas e analíticas. As teorias empíricas descrevem argumentações jurídicas existentes. As teorias analíticas se esforçam por uma classificação dos argumentos encontrados na argumentação

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Fernando Magalhães citado por Fábio Wellington Ataíde Alves (ALVES, Fábio Wellington Ataíde. O juiz: retrospectiva e perspectivas. In: Revista Jurídica Verba Volant, Scripta Manent. V. 3, n. 1, (dez. 2007), p. 11- 29. – Patos: FIP (Faculdades Integradas de Patos, 2007, Anual, p. 24).

jurídica e uma análise de sua estrutura. Não obstante, não é algo suficiente para responder ao problema. Para isto é necessário uma teoria normativa, que permita determinar a força ou o peso dos diferentes argumentos e a racionalidade de uma fundamentação jurídica. A teoria do discurso jurídico racional nasce de um da teoria do discurso prático em uma teoria do sistema jurídico. Esta inclusão não é uma simples aplicação da teoria geral do discurso ao direito, sim seu necessário desenvolvimento por razões sistemáticas268.

A idéia da teoria do discurso é a de poder discutir racionalmente sobre problemas práticos, com uma pretensão de retidão. Com isto intenta a teoria do discurso ir por um caminho médio entre teorias objetivistas e cognitivistas, de uma parte, e subjetivistas e não cognitivistas, de outra. Seu ponto de partida é o discurso prático geral. Discursos práticos gerais não são argumentações institucionalizadas sobre o que é ordenado, proibitivo e permitido, assim como tampouco acerca do que é bom ou mau.

As condições da racionalidade do processo discursivo se podem reunir em um sistema de regras do discurso. A razão prática pode definir-se como a capacidade de alcançar juízos conforme a esse sistema de regras.

Um problema central da teoria do discurso consiste em que seu sistema de regras não oferece nenhum procedimento que permita, em número limitado de operações, alcançar sempre um resultado demasiado exato.

A teoria do discurso é, pois, uma teoria e decisão não definitiva.

Um sistema jurídico que deseje responder às exigências da razão prática, somente pode crescer através de nexos de elementos institucionais ou reais com tais ideais e não somente de modo institucional.

Há três níveis de conexão: filosófico, político e jurídico. No nível filosófico se fundamenta a necessidade da existência de um sistema jurídico, assim como exigências elementares necessárias ao conteúdo e a estrutura do sistema jurídico, com argumentos práticos gerais. A argumentação prática geral não conduz em muitos casos a resultados que todos aprovem e quando leva a resultados que todos consentem. Os conflitos sociais não podem ser resultados baseados em regras que se contradizem umas a outras. A teoria do discurso se demonstra dessa maneira como teoria básicas do Estado constitucional democrático269.

268

ALEXY, Robert. Teoria del discurso y derechos humanos. Serie de teoría jurídica y filosofía del derecho. N.o 1. Tradução e introdução de Luis Villar Borda. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2004, p. 46. 269

A significação da teoria do discurso em nível político resulta de que em um Estado constitucional democrático a produção de direito se apóia somente em compromissos e atos constitucionais.

No que se refere ao discurso de uma cidadania em saúde - que se relaciona na prática e na teoria com a esfera pública num contexto marcado por relações entre público e privado, local e global e, sobretudo por relações de dependência política, cultural, econômica entre países do centro e da periferia da sociedade global – recomenda-se a análise de seus significados e a avaliação de suas contribuições para o dilema cidadania-saúde no Brasil. Quais os significados e implicações desta articulação entre cidadania e saúde? Qual a natureza e os objetivos deste discurso? Cidadania para saúde? Qual a diversidade das leituras sobre este debate e quais os principais argumentos? Que fundamentos, valores e interesses estão envolvidos neste processo? Qual a história da construção do discurso para a construção da cidadania e sua inserção para a saúde no Brasil? Naturalmente, que todo esboço de resposta, desemboca forçosamente na Educação enquanto condição sine qua non para o exercício da cidadania.

2.18 Dinâmica procedimental para concretização do direito à saúde em face do processo

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