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FUNCIONAMENTO DE APARELHOS AUDITIVOS EM FAVOR DE MENOR SAÚDE DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL ART 227 DA CF/88 LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET ART.

3. ASPECTOS PROCESSUAIS RELEVANTES PARA O ESTUDO DA TUTELA COLETIVA

3.15 Eficácia dos princípios aplicáveis à tutela coletiva no Brasil

3.15.1 O princípio de acesso à justiça

Consoante o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição de 1988, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Na feliz expressão de Kazuo Watanabe, o acesso à justiça implica no “acesso à ordem jurídica justa”358.

Como informado alhures, vem de Mauro Cappelletti compreensão de que o acesso à justiça decorre de três ondas renovatórias: a) a assistência judiciária, em especial ao hipossuficiente; b) a tutela aos interesses difusos, permitindo que os grandes conflitos de massa sejam submetidos ao Judiciário; c) o modo de ser do processo359, cuja técnica deve produzir justiça social.

O significado e o alcance desse postulado se desdobram de maneira cada vez mais ampla e complexa. Isto ocorre, sobretudo, em razão do reconhecimento pela doutrina e pela jurisprudência de que “o conceito de justiça” não mais se restringe à mera prestação satisfativa obtida por meio do Poder Judiciário, mas se encontra cada vez mais relacionado ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o qual implica em toda melhoria de condição de vida (saúde, educação, moradia, lazer etc.).

356

Bento Herculano Duarte, op. cit., p. 46-84. 357

Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., op. cit., p. 95 e seguintes. 358

Autor citado por: Ada Pellegrini Grinover, Direito processual coletivo, p. 12. 359

Nesse sentido, Niklas Luhmann preleciona que não se trata de legitimar a instituição do processo legal através da justificação duma função, mas, sim, da revelação do problema que a justificação resolvia e isso é facilmente omitido porque não se identifica com os problemas que se procuram resolver nos processos legais por meio das decisões (LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Corte-Real. Brasília: UNB, 1980, p. 13).

Bem observa Ada Pellegrini Grinover que o acesso à justiça para a tutela de interesses transindividuais, objetivando à solução de conflitos que, por serem de massa, têm dimensão social e política, assume feição própria no processo coletivo360.

Com brilhantismo Nelson Nery Jr. adverte que, nada obstante o destinatário principal desta norma seja o legislador, a diretriz constitucional alcança a todos indistintamente (isonomia real), noutras palavras, “não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão”361.

Infere-se, destarte, que “todos” devem ter acesso à justiça para requerer prestação jurisdicional reparatória ou preventiva em relação a um dado direito. Nessa perspectiva contemplam-se não apenas os direitos individuais, mas também os difusos e os coletivos em sentido amplo362.

O autor em tempo informa o “princípio constitucional do direito de ação”, o qual estabelece que todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada - ou eficiente, para ser mais preciso. “Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio”. Se a prestação adequada for de medida urgente, o magistrado, observados os requisitos legais, deve concedê-la, independentemente de previsão legal autorizando ou proibindo a urgência363.

Em caráter elucidativo, Nelson Nery Jr. afirma que o direito de ação pode ser exercido independentemente da qualificação jurídica do direito material a ser por ele protegido. Desta forma, tanto o titular do direito individual, quanto o do direito transindividual (coletivo lato

sensu) têm o direito constitucional de requerer ao Poder Judiciário a prestação adequada364. O direito à tutela jurisdicional não se confunde com o direito de petição, este se encontra esculpido pelo artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a), da Constituição Federal, conforme

360

A autora ainda destaca que o acesso à justiça no processo individual, diz respeito exclusivamente ao cidadão, objetivando nortear a solução de controvérsias limitadas ao círculo de interesse da pessoa, “no processo coletivo transmuda-se em princípio de interesse de uma coletividade, formada por centenas, milhares e às vezes milhões de pessoas”, razão pela qual o instituto da “representação adequada” assume relevância capital para viabilização do acesso a uma ordem verdadeiramente justa (Ada Pellegrini Grinover, Processo coletivo, p. 12).

361

NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 8. ed. rev., atual. e ampli. Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman. V. 21. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 130. 362

“Como as garantias fundamentais e os direitos sociais (arts. 5º a 8º da Constituição Federal) devem ser interpretados ad ampliada – contrariamente aos demais preceitos constitucionais, que se interpretam ad

restringida -, não se pode dar à lei interpretação que impeça ou dificulte o exercício da garantia constitucional do

direito de ação” (Nelson Nery Jr., op. cit., p. 132, 133 e 134). 363

O autor se refere, especialmente ao que ocorre casuisticamente no direito brasileiro, com a edição de medidas provisórias ou mesmo de leis que restringem ou proíbem a concessão de liminares, quase sempre em face do próprio poder público. Tais normas têm de ser interpretadas de acordo com a Constituição. Sendo instrumentos impedientes do jurisdicionado obter a tutela jurisdicional adequada, de certo que estarão em desconformidade com a Constituição e o magistrado deverá ignorá-las, concedendo a liminar independentemente de a norma legal proibir essa concessão.

364

experiência obtida do Estado liberal365. Trata-se de um direito que consiste em reclamar, junto aos poderes públicos, em defesa de direitos contra ilegalidade ou abuso de poder.

Como se observa, o direito de petição é um direito “político”, exercitável por qualquer um, pessoa física ou jurídica, sem forma rígida de procedimento para fazer-se valer; caracterizado pela informalidade, é suficiente a identificação do peticionário e o conteúdo sumário do que se pretende. Bem assim, o direito de petição pode ser externado por meio de petição, no sentido estrito do termo, representação, reclamação ou queixa.

O caráter distintivo entre o direito de petição e o direito de ação é a obrigatoriedade, neste último, de ir a juízo requerer a tutela jurisdicional, porque se trata de direito pessoal. Quer dizer, é necessário atender a condição da ação interesse processual. Para legitimar-se ao direito de petição não é preciso que o peticionário tenha sofrido gravame pessoal ou lesão em seu direito, porque se caracteriza como direito de participação política, onde está presente o interesse geral no cumprimento da ordem jurídica366.

Nelson Nery Jr., destaca que se, por um lado, o direito de ação é um “direito público subjetivo”, pessoal, portanto – o autor excetua no caso dos direitos difusos e coletivos, sob o argumento de que os titulares são indetermináveis e indeterminados, respectivamente -, o direito de petição, por ser político, é impessoal, porque orientado à autoridade para bradar ilegalidade ou abuso de poder367.

No entanto, em situações mais complexas, como algumas ocorrências que envolvem direitos metaindividuais, compreendemos que a teoria do direito de ação pode fundi-se à do direito de petição, sem qualquer prejuízo, unindo as características supra-citadas, especialmente em razão da simultaneidade entre “elevado interesse público primário” (elemento político) e a “valoração da pessoa” (reconhecimento de direitos públicos subjetivos), na tutela coletiva. Noutras palavras, a lógica binária não é suficiente para atender a essa demanda368.

O princípio epigrafado tem, ainda, como decorrência, a atribuição de assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados (art. 5º, LXXIV, CF/88). Diversamente da assistência judiciária presente na Carta anterior, a assistência jurídica tem conceito mais abrangente e abarca a consultoria e a atividade jurídica extrajudicial em geral. Destarte, o Estado promoverá a assistência aos necessitados, deparando informações sobre condutas a

365

Harald Seidel citado por Nelson Nery Jr., op. cit., p. 134. 366

J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira citados por Nelson Nery Jr., op. cit. p. 135. 367

Nelson Nery Jr., op. cit., p. 135. 368

Esse posicionamento, em linhas gerais, é similar ao proposto por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira com sua tese acerca do “formalismo-valorativo” no confronto com o “formalismo excessivo”, a qual voltaremos a abordar nas próximas linhas.

serem adotadas em face de problemas jurídicos, e, ainda, sugerindo ações e acastelando o necessitado nas ações em que for réu369.

Por fim, todo e qualquer empecilho ou ônus excessivo que represente obstáculo ao verdadeiro acesso à justiça deve ser banido porque flagrantemente inconstitucional em virtude de atentar contra a ordem do Estado de Democrático Direito propugnado pela Constituição de 1988, onde se assegura que nenhuma lesão ou ameaça a direito fugirá à apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV), que, por sua vez, deve apresentar uma solução adequada (art. 175, IV), ou, noutras palavras, justa (princípio da eficiência, art. 37, caput).

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