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O Estado de Bem-estar Social: natureza e características

2. O DIREITO À SAÚDE ENQUANTO CONQUISTA SOCIAL

2.2 O Estado de Bem-estar Social: natureza e características

Como destacam François Châtelet e Évelyne Pisier-Kouchner, houve um resgate do Humanismo, no que se refere ao plano ético. O mesmo humanismo que guiou e fundamentou o conjunto institucional que compõe as liberdades públicas e o espaço privado da autonomia do homo economicus, que tanto serviu ao liberalismo e à classe burguesa e, no entanto, por ela traído, pelo menos em seu sentido mais material42.

Para além do marxismo - que não pode se pretender humanista, nem aceita que qualquer conjunto de instituições jurídico-políticas possa ser compatível com a justiça e prega a dissolução do político no social - a incapacidade do liberalismo de pôr de acordo o Direito com o fato social, em que pese a tentativa de reavivar o discurso humanista, substituindo sua concepção meramente formal burguesa por uma concepção material, através da crítica socialista. Todavia, do mesmo modo que empregam a crítica marxista - da exploração do capital sobre as massas trabalhadoras -, de modo geral, sob o slogan da social democracia, acabam abandonando alguns aspectos como o materialismo histórico, a doutrina do antagonismo irredutível de classes, o fatalismo da revolução e da ditadura proletária e, até

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BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed., 2. tiragem, rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 227- 228.

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CHÂTELET, François; PISIER-KOUCHNER, Évelyne. As concepções políticas do século XX: história do pensamento político. Trad. de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, p. 83.

mesmo, a questão do progressivo e inflexível empobrecimento e a conseqüente homogeneização do proletariado43.

Neste sentido, Giovanni Semeraro revela que o maior desafio percebido por Gramsci é resgatar os alicerces da filosofia da práxis criticando as “combinações” e as instrumentalizações realizadas pelas correntes idealistas, onde intelectuais “puros” não deixaram de se apropriar de diversos elementos dela para “robustecer” e “rejuvenescer” suas concepções de “filosofismo especulativo”44.

O autor em referência, ainda revela que Gramsci não se limita apenas a reabilitar a filosofia da práxis das distorções históricas e ideológicas. Sua finalidade é realçar a carga de ruptura e de novidade da filosofia da práxis. “A reabsorção do marxismo dentro dos parâmetros da velha filosofia burguesa esvazia seus conteúdos mais originais e revolucionários”, além de consubstanciar a forma mais temida de “revisionismo”, presente, inclusive, nas posições de marxismo ortodoxo 45.

Por tudo o que se busca é a compatibilização dos direitos individuais com a justiça social, entendendo-se esta, como sendo um elemento indispensável à integral concretização - sobretudo material – dos direitos individuais. Para a realização desse intento, avocam o regime político e as instituições democráticas considerando até mesmo, a própria idéia de filosofia individualista que as sustenta.

Ainda na esteira de Châtelet e Pisier-Kouchner, o inimigo da social democracia não é, com efeito, a doutrina dos direitos do homem, nem as liberdades públicas ou a autonomia privada, mas a forma com que o liberalismo econômico realizou tais conceitos através da abolição dos estamentos, da igualdade meramente jurídica e da proibição da intervenção do Estado na sociedade, exceto para a proteção da propriedade e do capital46.

Nesse sentido, pode-se afirmar que o que ofereceria à declaração dos direitos do homem toda a sua acepção e concretização, seria a construção de um Estado distribuidor, comprometido com a abolição da injustiça social e das desigualdades de oportunidades47.

Tem-se, sob outra perspectiva, que as idéias de eficiência e de racionalidade - intrínsecas ao mercado - também foram colocadas à prova. Cada indivíduo, ao ansiar por seu

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BOBBIO, Norberto. Nem com marx, nem contra marx. Organização Carlo Violi. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: UNESP, 2006, p. 299-306.

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SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil. Cultura e educação para a democracia. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 109.

45

Giovanni Semeraro, op. cit., p. 109 (em nota de rodapé). 46

François Châtelet e Évelyne Pisier-Kouchner, op. cit., p. 102-103. 47

Ulysses Guimarães chegou a afirmar que “O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania” (em prefácio à Constituição Federal de 1988, edição lançada oficialmente pelo Senado Federal).

próprio interesse, acaba garantindo o interesse coletivo e o conseqüente aumento da riqueza nacional48.

Infere-se, pois, que tudo isso deve ser efetivado dentro de um ambiente que possa ser considerado neutro no que se refere ao poder, e ao mesmo tempo, liberto em relação a uma dominação a qual constituiria justamente o mercado. Todavia, tal concretização, está condicionada à idéia de magnitude da divisão do trabalho e da liberdade dos agentes econômicos para contratar negociando seus interesses de maneira recíproca. É o que se pode chamar de nossa utopia verdadeira e necessária. O que nos mantém firmes no propósito de realização do homem.

Consoante informação de Norberto Bobbio, qualquer política econômica ou social implementada pelo Estado para assegurar resultados de eficiência ou de justiça representaria a utilização de um meio artificial para obter resultados já inscritos na ordem natural da vida econômica49. Assim, percebe-se que a esfera política reduz-se - no liberalismo econômico -, a afiançar o irrestrito funcionamento do mercado, ou, dito de outro modo, a completa operacionalidade de seus mecanismos de auto-regulação.

Tais considerações denotam fundamentalmente, uma subordinação do político funcionalmente ao econômico, ou seja, uma proteção da propriedade privada e da obrigatoriedade dos contratos, assim como, da segurança pública e, de um modo mais geral, a eliminação de todas as possíveis configurações de existência alheias ao mercado.

O que revelou a necessidade da suplantação dos postulados liberais da mão invisível do mercado e, conseqüentemente, da não intervenção do Estado na esfera econômica, foi a recessão econômica do período entre guerras, tendo como marco a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Por um lado, o liberalismo clássico - tal como formulado por Adam Smith, seu principal teórico - cujo exercício acaba por arruinar as bases de liberdade e de concorrência sobre as quais o próprio mercado se assenta, pouco levava em consideração a tendência do mercado de, em sua dinâmica, formar monopólios e concentrar poder econômico. Noutros termos, já não se apresenta sustentável, aquela idéia anteriormente suscitada, do mercado como ambiente neutro no que se refere ao poder e liberto da dominação, tendo em vista que grupos econômicos estão agora em condições de dominá-lo50.

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De maneira geral, temos que, o chamado liberalismo econômico através dos mecanismos de mercado - especificamente, da lei da concorrência e da lei da oferta e da procura -, adota o princípio da auto-regulação da esfera econômica.

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BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988, passim.

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BENTO, Leonardo Valles. Governança e Governabilidade na reforma do Estado - Entre eficiência e

Por outro lado, como lembra Valles Bento, a partir da década de 1920 com a chamada “teoria das externalidades” - segundo a qual os atos praticados pelos agentes econômicos no mercado produzem conseqüências imprevistas por estes ou até mesmo indesejáveis, devido à complexidade extrema da estrutura da cadeia causal das relações de troca generalizada51 -, a hipótese da racionalidade intrínseca do mercado e de seus agentes foi, também, desacreditada. A ocorrência dessas externalidades acaba servindo para apontar as falhas da chamada mão invisível, o mau funcionamento do mercado, cujos atores podem produzir decisões racionais localmente e a curto prazo, porém aberrantes e desastrosas quando situadas numa perspectiva mais abrangente. A teoria das externalidades serviria, pois, de fundamento para a necessidade da intervenção corretora e estratégica do Estado.

O sistema econômico regulado exclusivamente pelo “livre” mercado - longe de se harmonizar e racionalizar conforme supuseram os teóricos liberais - revelou-se ainda mais autofágico. A economia mundial mergulhou numa espiral recessiva impulsionada por aquilo que os economistas batizaram de insuficiência crônica de demanda agregada, ou seja, havia capital acumulado para a produção, mas não havia mercado consumidor para onde escoá-la, donde resultava desemprego que agravava o problema de subconsumo e assim sucessivamente.

Destarte, fez-se mister autorizar a atuação anticíclica do Estado e de mecanismos de proteção social a fim de amortecer os efeitos da crise e inverter a espiral recessionista, denunciando-se, finalmente, que a teoria clássica do equilíbrio falhou ao determinar as causas do desemprego permanente e do conseqüente esfriamento progressivo do consumo e da produção, além de que seus remédios econômicos tradicionais eram ineficazes ao lidar com tal situação.

Saldo positivo dessas conjecturas é a percepção de que o mercado consumidor de um Estado é uma questão de soberania, porquanto o maior patrimônio de toda sociedade politicamente organizada em termos atuais.

Todavia, antes mesmo da depressão dos anos de 1930, logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, para salvar o capitalismo de si mesmo, começou-se a autorizar o Estado a intervir na ordem econômica e social. Como marcos desse primeiro estágio que se convencionou denominar “Estado Providência” podem ser mencionadas as Constituições do México (1917) e a da Alemanha da República de Weimar (1919).

51

ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Tradução de Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: Editora da UFG; Brasília: Editora da UNB, 1997, p. 47-48.

Convém ressaltar, conforme o faz Bonavides, que os objetivos desse novo perfil de Estado, consistiam na preservação do capital, vale dizer, garantir a sua acumulação sem solução de continuidade como condição de sobrevivência da própria economia de mercado52. As autorizações para a ingerência estatal na ordem social e econômica, que passaram a constar dos textos constitucionais das primeiras décadas do século XX, correspondem a uma pauta tão-somente programática, isto é, desprovida de eficácia plena ou aplicabilidade imediata, de tal sorte que dependem da boa vontade e da capacidade do Poder Legislativo, a quem compete regulamentar em sede infraconstitucional as promessas sociais desse Estado.

Este constitucionalista em referência com agudez contumaz denuncia a fraqueza e a timidez dessa primeira modalidade de Estado social, conservador, comprometido com a superação da crise do capital e não com a justiça social, com a proteção ao lucro e só reflexamente à classe proletária, limitada a colher os benefícios indiretos nos direitos trabalhistas e nas políticas públicas de redistribuição.

Em termos finais, o Estado Providência (ou Estado social conservador), sequer logrou superar a crise do capitalismo, tampouco garantir sustentabilidade às instituições democráticas, nem evitar a emergência de regimes totalitários, que se aproveitaram justamente de sua fragilidade para desmontá-las, mas, pelo contrário, acarretou a perda da juridicidade das Constituições, tornadas, pela natureza programática de suas disposições, mais um documento político, uma carta de intenções, do que um diploma jurídico.

No entanto, a partir das teorizações de Keynes o movimento no sentido de criar uma correspondência entre os imperativos de crescimento econômico e as exigências não menos urgentes de igualdade e justiça social, não apenas através da garantia formal da concorrência via mercado, mas no âmbito de um Estado distribuidor, econômica e socialmente atuante, ganhou novo influxo na década de 193053.

Leonardo Valles Bento, ainda destaca que os estudos de Keynes acerca dos fatores determinantes do desemprego concluem que ele provém de uma insuficiência de consumo agravada pela insuficiência de investimento. Em casos como o da crise de 1929, causada por uma insuficiência crônica de demanda, cumpre ao Estado desempenhar o papel de estimulador do investimento, seja diretamente (investimento público), seja indiretamente através da política fiscal e de crédito. Acede-se que, segundo Keynes, o grande problema da teoria liberal, era não possuir mecanismos institucionais para obtenção do pleno emprego. Por outro lado, naturalmente, a falta de uma garantia de emprego está na base da desigualdade

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Paulo Bonavides, Teoria do Estado, p. 227-229. 53

social e de fortunas, eis que o processo de acumulação capitalista opera-se à base da exploração da mão-de-obra, possível graças à existência desse exército reserva de desempregados.

Pierre Rosanvallon, por sua vez, afirma que a desigualdade social resultante de uma repartição arbitrária e iníqua de rendas e riquezas prejudica o consumo, haja vista que a classe mais pobre não consegue consumir por falta de uma renda mínima garantida, ao passo que a mais rica tende também a um baixo consumo proporcional, isto é, seus rendimentos superam em muito sua capacidade de gastar54.

Através de uma política fiscal, tributando pesada e progressivamente as grandes fortunas e a herança, associada a uma política de crédito público a juros baixos, logra-se tornar a especulação contraproducente, dessa forma, a figura do capitalista que “vive de rendas” tenderia a desaparecer.

Assim, o Estado funcionaria como um fator “anticíclico”55 nesse processo. Com a perda da eficácia do capital, este deve ser aplicado ou na produção ou no consumo, essas políticas tributárias e de crédito passam a regular o nível adequado à obtenção do pleno emprego. Todavia, uma política de investimentos públicos diretos também é muito importante para absorção do excesso de mão-de-obra e a garantia da continuidade da demanda mesmo em situações de crise econômica. Políticas sociais asseguram um poder aquisitivo relativamente independente das conjunturas do setor privado.

Pierre Rosanvallon assegura que as elaborações teóricas keynesianas serviram para demonstrar, no plano teórico, a compatibilidade e mesmo a mutua implicabilidade existente entre desenvolvimento e crescimento do mercado e do Estado, eficácia econômica e social. Keynes acredita - ao contrário dos socialistas -, que a luta de classes não leva necessariamente à supressão de uma delas com a vitória da outra, mas que é possível encontrar um ponto de equilíbrio pelo estimulo e reforço da interdependência do capital e do trabalho, eliminando-se as formas de existência autônoma do capital, como o especulador56.

No entanto, apesar de teoricamente coerentes, as políticas keynesianas somente foram postas plenamente em prática após a Segunda Guerra Mundial, quando, a partir da segunda metade do século XX as Constituições reiniciam o movimento de resgate de sua normatividade, de sua juridicidade. Para Bonavides57, aquelas normas programáticas do Estado Providência conservador do início do século tornam-se autênticos direitos sociais, vale

54

Pierre Rosanvallon, op. cit. p. 38-39. 55

Expressão adotada por Leonardo Valles Bento, op. cit., passim. 56

Pierre Rosanvallon, op. cit. p. 40. 57

dizer, exigências de prestações positivas dirigidas ao Estado no terreno da educação, da saúde, da previdência, da garantia salarial, do seguro-desemprego, dos programas de assistência, do desenvolvimento econômico, entre outros. O conjunto dessas obrigações que correspondem aos direitos sociais traduz um processo de desmercadorização da mão-de-obra, eis que possibilita universalmente (ou pretende assim possibilitar) condições de vida relativamente dignas àqueles situados fora do mercado de trabalho, mediante uma rede de programas e políticas sociais que lhes concedem benefícios e pensões. Tem-se portanto, nesse caso segundo Esping-Andersen58, o Estado de Bem-estar Social, ou Welfare State.

Pierre Rosanvallon59 afirma que a assistência prestada a todo cidadão no sentido de lhe garantir uma renda mínima se dá não a título de caridade pública, mas de um direito. Nesse diapasão, portanto, o Estado de Bem-estar acaba diferenciando-se dos Estados de até o início do século XVIII – os chamados eudemonistas e patriarcais europeus - , que faziam do bem- estar e da felicidade pessoal dos súditos um assunto de Estado e que sofreram a crítica dos liberais, com destaque para Adam Smith e Kant.

Os direitos sociais positivados nas Cartas Constitucionais do pós-Segunda Guerra representam mesmo a substancialização, complementam os direitos civis e políticos consolidados em fins do século XVIII e durante o século XIX. De todo modo, muito embora, não caiba discutir aqui as relações teóricas do Estado de Bem-estar com o liberalismo ou o socialismo, se representa uma síntese ou uma cooptação, a superação daquele ou a revisão deste, um amplo consenso se formou, envolvendo partidos políticos, sindicatos e mesmo a classe capitalista, em torno de sua forma de atuação, qual seja, o intervencionismo econômico e social.

Muito embora, do modo como se encontra acima exposto poder-se-ia crer que esse perfil de Estado intervencionista, assistencial e distribuidor consistiu num modelo homogêneo, que se desenvolveu de maneira unívoca e universal. Na verdade, é precisamente o contrário. São tão heterogêneos os fatores apontados por trás de sua evolução e tão diversas as suas formas de intervir, assim, como o volume e o conteúdo, conforme se combinam em cada nação aqueles fatores, que chega a ser mesmo complicado encontrar uma definição mínima, um denominador comum desse fenômeno chamado às vezes levianamente de

Welfare State.

58

ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do Welfare State. Trad. de Dinah de Abreu Azevedo. In: Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 24, setembro de 1991, p. 101.

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Conforme salienta Esping-Andersen, as primeiras investigações sociológicas elaboradas acerca do Estado de Bem-estar costumavam caracterizá-lo com base no volume de seus gastos sociais60. Acreditava-se que variáveis tais como grau de urbanização, de desenvolvimento econômico, extensão da burocracia estatal e proporção de idosos na composição demográfica espelhava adequadamente a existência de um Welfare State.

Tais critérios acabaram por se revelar falhos, enganosos ou mesmo inconcludentes, quando se tratava de captar a sua substância teórica. Se por um lado, em virtude da impossibilidade de se estabelecer uma margem matemática precisa dentro da qual o volume de gastos sociais possa ser considerado suficiente para a garantia do bem-estar e da cidadania social dos cidadãos. Por outro, critérios quantitativos e unidimensionais desse tipo (mais ou menos despesa) não permitem comparações muito aprofundadas, principalmente no tocante à aplicação dos recursos e à política de investimentos, pressupondo equivocadamente que todos os países mantêm aproximadamente os mesmos programas.

A fim de descer à essência do Welfare State e compreender os fatores que alimentaram o seu crescimento nas décadas de 1950 e 1960, faz-se mister enfocar não elementos epifenomenais como os apontados acima, mas o seu substrato conceitual.

François Châtelet apresenta uma proposta bem interessante acerca de como o Estado de Bem-estar insere-se na lógica de um Estado protetor ou “gerente” 61.

Apóia-se o autor, no fato de que o século XX teve o condão de fixar um consenso acerca de conferir ao Estado a forma normal e fatal de organização da vida coletiva, redimensionando as possibilidades do dissenso para a sua forma de atuação, sobre as suas funções. Nesse sentido, rendem-se ao Estado face à necessidade de um poder soberano, que proteja a nação contra os perigos e ameaças externas. Como conseqüência dessa conjuntura que se deslinda, desenvolveu-se um quadro jurídico-administrativo incumbido de desempenhar suas funções ordinárias de manter a ordem interna, solucionar os conflitos entre os cidadãos e prestar os serviços essenciais a sua comodidade. Noutros termos, um governo capaz de conduzir a sociedade, segundo as conhecidas e facilmente palatáveis fórmulas políticas, “à felicidade, justiça e bem-estar gerais”.

De fato, o papel precípuo atribuído ao Estado naquele século – deixando de lado as experiências totalitárias de direita e esquerda – é a proteção a uma determinada gama de direitos fundamentais. Este novo Estado passa a estar a serviço da sociedade e perante ela

60

Gosta Esping-Andersen, op. cit., p. 98-99. 61

deve legitimar o poder de que foi investido, utilizando-o para cumprir as promessas inscritas no “estatuto da modernidade”.

Na busca por realizar tal empreitada, três pilares fundamentais sobre os quais se sustenta o indigitado estatuto orientam o edílico labor.

O primeiro pilar consiste no fato de se tratar de um Estado “humanista”, no sentido que

se norteia pelo princípio da dignidade da pessoa, ou seja, pela matriz de que todo ser humano é dotado de direitos cuja proteção justifica a existência do Estado. Tal humanismo desde logo estabelece já denunciada questão da tensão entre os direitos formalmente positivados nas constituições e a sua real concretização, o que passaria pela necessidade de compensar por alguma forma as desigualdades fáticas de oportunidades e acesso àqueles direitos. Em segundo lugar, encontra-se como pilar o valor inscrito nessa concepção de Estado é o “pluralismo”. Não é menos relevante é a obrigatoriedade de se reconhecer em alguma medida

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