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O diagnóstico da “Terceira Via” e o “Consenso de Washington”

2. O DIREITO À SAÚDE ENQUANTO CONQUISTA SOCIAL

2.6 O diagnóstico da “Terceira Via” e o “Consenso de Washington”

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Não é demais lembrar que não é de agora que o CNPq alerta para o fato de “as faculdades de Direito funcionarem como meros centros de transmissão do conhecimento jurídico oficial (...)”, Relatório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, do ano de 1986, citado por Lenio Luiz Streck (Lenio Luiz Streck, Jurisdição constitucional..., p. 30-31).

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Como se fosse possível existir outra realidade paralela a que de fato vivemos. 96

Nelson Saldanha em nota a Perelman leciona que o historicismo teria provido da decomposição do cristianismo. Mas entre o cristianismo – o medieval – e historicismo medeia o racionalismo “moderno, com seu derivado o cristianismo; e ao lado do historicismo, ou em sua esteira, o metodologismo (vindo dos formalismos críticos e do neopositivismo) aparece como subproduto tardio que se distingue do historicismo por não se voltar à compreensão do fato de ser tardio Sobre a historicidade da própria razão, e portanto da idéia de “Direito como razão” (Nelson Saldanha, op. cit., p. 9).

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Este formalismo veio acompanhado da supervalorização de alguns nomes, num culto quase insano às “autoridades”. Tanto é verdade que em dias atuais Kelsen ainda representa para alguns professores uma autoridade suprema. A divinização de uma ideologia personificada num expoente, se feita por um político do Estado, é algo maquiavelicamente compreensível no contexto egoístico do homem.

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STRECK, Lenio luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 54.

Sob essa perspectiva enfatiza-se as transformações que atravessam as nações industrializadas nos campos cultural e social a partir das quais se pode compreender melhor a crise do estado de Bem-estar, como também onde os caminhos para sua superação podem ser encontrados. Causada pela queda dos índices de crescimento econômico dos países capitalistas avançados, situação na qual os gastos com saúde, previdência e programas sociais em geral tendem a aumentar em face de uma receita pública declinante, existe, de fato, uma crise fiscal e de financiamento do Welfare State. Porém, é no plano das relações sociais que se origina o problema e é lá que se encontra a resposta. A análise feita exclusivamente sobre critérios econômicos não permite compreender o que há na base do esgotamento do modelo, assim como os remédios neoliberais que opõem de modo encantatório as virtudes do mercado aos vícios do Estado intervencionista também não são suficientes.

Pierre Rosanvallon oferece uma das análises mais consistentes acerca da crise e da gestão da crise a partir dos elementos sociais, políticos e culturais da sociedade é a de O Estado Providência, tendo alcançado neste fim de século esses limites, encontra-se diante da necessidade de rever suas finalidades e de reformular um novo contrato social, nos moldes daquele pacto político do pós-guerra sobre o qual erigiu-se. De acordo com ele, o impasse financeiro em que se encontra o Estado, embora existente e grave, é epifenomenal em relação à estrutura das relações sociais, das classes e dos agentes econômicos99.

Anthony Giddens em resposta à crise do Estado de Bem-estar propõe a sua Terceira Via no sentido de, por um lado, superar as alternativas polares de ação política, colocadas pelo espectro ideológico cujo perfil emerge no contexto da Guerra Fria, entre esquerda e direita; por outro, de constituir um programa político alternativo ao neoliberalismo e que, ao mesmo tempo, reconstrua e supere a social-democracia de velho estilo. Os princípios da terceira via, segundo o autor, são: (a) igualdade; (b) proteção aos vulneráveis; (c) liberdade como autonomia; (d) não há direitos sem responsabilidades; (e) não há direitos sem responsabilidades; (e) não há autoridades sem democracia; (f) pluralismo cosmopolita; e (g) conservadorismo filosófico100.

Preserva-se, assim, o núcleo axiológico da social-democracia mudando, todavia, o modo de realizá-los, enfatizando as responsabilidades sociais como contrapartida dos direitos, mantendo-se a preocupação com a igualdade, a justiça social e a proteção àqueles mais vulneráveis, vale dizer expostos à incerteza.

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Pierre Rosanvallon, op. cit., passim. 100

GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da democracia da social-democracia. Trad. de Maria Luiza Borges. 3. ed. tiragem. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 76.

No que tange ao programa de reforma do Estado da terceira via, Anthony Giddens afirma que o postulado essencial é o do aprofundamento da democracia e do pluralismo, o fortalecimento das parcerias com a sociedade civil para o desenvolvimento autônomo da comunidade101.

Todavia, há alguns pontos que podem desde já ser incluídos na reforma do Estado: (a) descentralização; (b) renovação e expansão da esfera pública, o que significa maior transparência e abertura, com salvaguardas contra a corrupção; (c) eficiência administrativa, seguindo o princípio ecológico do “obter mais com menos”, aprender com as técnicas de gestão mais modernas instrumentos tais como controle de metas, flexibilização de procedimentos, auditorias de desempenho e participação dos funcionários no planejamento, este último um fator de democratização, sem, no entanto, imitar o mercado, mas afirmar-se diante dele pela eficácia; (d) mecanismos de democracia direta; (e) o Estado como administrador de riscos, em especial os riscos artificiais decorrentes do avanço científico e tecnológico, típicos da modernização reflexiva, e que não podem ser deixados unicamente a critério dos especialistas.

Cumpre observar como muitas das propostas de reconstrução do Estado e da esfera pública foram aproveitadas e utilizadas pelo próprio neoliberalismo, mediante uma interpretação muito peculiar, no seu segundo momento teórico, mais construtivo que a mera crítica do Estado intervencionista, em especial a descentralização e a subsidiariedade da atividade estatal em relação à da sociedade civil (novas parcerias), formuladas como alternativa para a privatização e o retorno aos mecanismos de mercado do discurso neoconservador. No entanto, os argumentos originais referentes a tais propostas são de origem progressista, compreendendo aquelas correntes de pensamento comprometidas com a preservação dos valores de justiça social e igualdade, conscientes da incapacidade do mercado em promovê-los.

Sob esta perspectiva sustenta-se que o setor público deve reduzir-se ao mínimo estritamente necessário à manutenção da ordem e da segurança públicas, à garantia da propriedade e dos contratos e a investimentos básicos em infra-estrutura. É o Estado mínimo, advogado não pelo mínimo, mas pelo máximo de intervenção que lhe é permitida, a fim de não obstruir o livre fluxo do capital nacional e internacional numa economia agora globalizada, para além de qualquer “mínimo” de políticas orientadas para o bem-estar ou para a equidade sociais. Isso em decorrência, de que o intervencionismo estatal foi, pois,

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Como veremos mais adiante, essa tendência já se verifica no “microssistema” de processo coletivo brasileiro com o reconhecimento da legitimação das associações civil e sindicatos à propositura da Ação Civil Pública.

responsabilizado pelo econômico, e a solução, como não poderia deixar de ser, consistia no retorno aos princípios de livre regulação pelo mercado da alocação de recursos e da produção de bens e serviços.

É o chamado “Consenso de Washington” de inspiração teórica neoclássica e político- ideológica neoconservadora. A solução só poderia incluir reformas estruturais em sentido precisamente oposto, isto é, orientadas para o mercado, desde que os problemas consistiam na indisciplina fiscal dos Estados, na excessiva intervenção pública, nas restrições ao comércio externo e nos diversos subsídios à economia.

As novas elaborações para além do Consenso de Washington reconhecem a imprescindibilidade das políticas públicas na promoção do desenvolvimento econômico e da competitividade e eficiência dos mercados nacionais. Ao mesmo tempo, ampliam seus objetivos, até então restritos ao crescimento econômico, abrangendo o bem-estar e mesmo aspectos mais políticos de cidadania, participação popular, descentralização e responsabilização (accountability102), e elaboram outros instrumentos, para além da liberação comercial, ajuste fiscal e privatização, compreendendo investimentos em educação, infra- estrutura e desenvolvimento tecnológico.

Nesse sentido, o estudo acerca do funcionamento da máquina administrativa, da burocracia estatal passa a ocupar o topo da lista de preocupações dos formuladores de reformas e políticas de ajuste. Descoberto o papel positivo que os governos e as administrações públicas podem desempenhar, tornou-se imprescindível o desenvolvimento de um conhecimento, uma ciência da administração pública e do bom governo.

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