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2. O DIREITO À SAÚDE ENQUANTO CONQUISTA SOCIAL

2.10 O consumidor de serviços públicos na Constituição de 1988: a aplicação do CDC

1.10.2 O caráter principiológico de eficiência

A idéia de norma jurídica (norma programática) destituída de eficácia normativa, reiteradamente utilizada para negar vigência a uma imposição constitucional, queda, nos dias de hoje, irremediavelmente superada, visto que, seja ela qual for, há de se respeitar, pelo menos, a "função interpretativa dos preceitos programáticos", nas lúcidas palavras de JJ. Gomes Canotilho147. Essa mudança de perspectiva resgata a força eficacial do princípio sub

examine, com reflexos significativos sobre a Administração Pública.

Ao legislador, em primeira mão, compete atualizar e concretizar o conteúdo da Constituição, pois a ela está materialmente vinculado, positiva e negativamente. Isto porque, como bem sintetizou JJ. Gomes Canotilho, “(...) não há âmbito ou liberdade de conformação do legislador (positivo ou negativo) contra as normas constitucionais nem discricionariedade da Lei Fundamental"148. Com igual razão, destaca Ingo Wolfgang Sarlet, em clássico trabalho, que "não mais se cuida de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado"149.

Vladimir da Rocha França é preciso ao apresentar os elementos para a caracterização da eficiência como princípio. Segundo o autor, “os princípios constitucionais são expressões normativas consolidadas a partir dos valores (fundamentos constitucionais) ou fins (diretrizes constitucionais) constitucionais, que garantem a coerência, a unidade e a concreção de todo o ordenamento jurídico”. Por maior razão, conclui o autor que são normas hierarquicamente superiores às regras constitucionais150.

Celso Antônio Bandeira de Mello, na dicção de Vladimir da Rocha França, reporta gravidade na “quebra” de um princípio jurídico, suficiente para invalidar todo e qualquer ato

147

CANOTILHO, JJ. Gomes, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, 1994, p. 301. 148

JJ. Gomes Canotilho, ibid. cit., p. 63. 149

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 2001, p. 51. 150

FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista Eletrônica sobre

a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, no. 10, junho/julho/agosto, 2007. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em: 29 de fevereiro de 2008, p. 2-3.

administrativo do Estado151.

Interessante diferenciação quanto à eficácia entre princípios explícitos (constantes em texto de lei) e princípios implícitos (reconhecidos pela jurisprudência e doutrina) é apresentada pelo autor em referência. Consoante informa, o princípio expresso no texto legal, constitui norma plenamente exigível e concretizável. Por seu turno, em se tratando de princípio implícito, sua eficácia estaria condicionada à decisão judicial. Com suporte em Eros Roberto Grau, o autor precisamente admoesta que os princípios não são criados pela doutrina ou pela jurisprudência, mas sim “identificados” no ordenamento jurídico152.

Apurando a natureza jurídica, Vladimir da Rocha França esclarece que o princípio da eficiência administrativa estabelece que “toda ação administrativa deve estar orientada para a concretizar material e efetiva da finalidade posta pela lei, segundo os cânones do regime jurídico-administrativo”153.

Outras relações importantes são estabelecidas pelo autor em apreço. Por exemplo, o dissociamento do princípio da eficiência da noção de finalidade nos seguintes termos: “... enquanto que no princípio da eficiência administrativa, determina-se que a ação material da administração pública deve atingir efetivamente, e de modo lícito, a finalidade legal, o princípio da finalidade esclarece que o ato administrativo somente pode ter uma finalidade pública, estabelecida em lei”. Continuando a diferenciação, o autor lembra que “A impessoalidade veda uma finalidade estranha ao interesse público na ação administrativa; já a eficiência administrativa, a falha da administração em atingir o fim legal”154.

Também importa saber a diferença entre eficiência e moralidade. Na oportunidade Vladimir da Rocha França com brevidade e diligência reconhece a proximidades desses institutos, mas explica que “somente há obediência ao dever da boa e eficiente administração quando há o respeito à moral administrativa”155.

Nesse embalo de desembaraçar o princípio da eficiência de outras idéias semelhantes, porém diferentes, o autor ainda visita as idéias de transparência (vinculada aos princípios da publicidade e da motivação), da imparcialidade e a neutralidade (vinculadas a finalidade e à imparcialidade, imediatamente explanadas), concluindo que o cidadão brasileiro encontra-se

151

Vladimir da Rocha França, ibid, p. 3. 152

Esta importante observação do autor é de perspectiva realística, que se verifica especialmente no processo coletivo, reconhecida pela doutrina sob o mote de “pós-positivismo”, o qual, em breves palavras, se dá pela abertura do sistema por meio dos princípios constitucionais implícitos, ou, quando explícitos, de difícil precisão; razão porque mais adiante voltaremos a dispensar mais atenção ao assunto sob o slogan de “anglo-saxonização” (Vladimir da Rocha França, ibid, p. 3).

153

Vladimir da Rocha França, ibid, p. 4. 154

Vladimir da Rocha França, ibid, p. 7. 155

desgastado com a “péssima qualidade dos serviços público que lhes são prestados pelo Estado”, destacando a eficiência como princípio jurídico que abre novos horizontes para o estudo das questões relacionadas com a ação administrativa156.

Inovadora inferência sobressai da análise da bibliografia em referência, quando o autor destaca que “Apesar da precariedade do controle judicial de eficiência, este elemento é muito importante para a aferição da presença dos requisitos de necessidade, adequação e razoabilidade na formação do ato administrativo157”. Consiste tal plug in na constatação da possibilidade de graduação (sistematização ou disciplinamento) da aplicação do princípio da eficiência aos casos concretos, o que seria de enorme contribuição para a ciência dogmática.

Contudo, sempre que se fala em qualquer tipo de graduação em matéria de interpreta/aplicação do Direito, a insegurança decorrente dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade se estabelecem. Isto porque o “bom senso” não parece algo tão facilmente alcançável aos para agentes públicos educados no positivismo. Seria mesmo a razoabilidade e a proporção, atingível por meio das técnicas de ponderação158, o caminho para o disciplinamento da eficiência? Nada obstante, tal graduação da eficiência seja um tema bastante instigante, no nesta altura ultrapassa os objetivos desta pesquisa.

Benedito Porto Neto entende que os princípios da segurança e da atualidade na prestação dos serviços são manifestações do princípio da eficiência159. O princípio da segurança importa na adoção das técnicas conhecidas e de todas as cautelas e providências possíveis para, em face das circunstâncias, reduzir o risco de danos; e o da atualidade obriga a uma constante atualização tecnológica dos serviços públicos, inclusive para autorizar o exercício de poderes de modificação, extinção unilateral da concessão ou aplicação das sanções contratuais previstas.

Não só ao legislador, mas as disposições constitucionais de caráter principiológico dirigem-se, ainda, a todas as instâncias com imediata possibilidade de realizarem-nas, mais especificamente ao administrador público e ao magistrado, embora na doutrina a opinião que

156

Vladimir da Rocha França, ibid, p. 7 e 13. 157

Vladimir da Rocha França, ibid, p. 7. 158

Ana Paulo de Barcelos apresenta a ponderação enquanto técnica decisória em três etapas: a) identificação dos enunciados normativos em tensão; b)identificação dos fatos relevantes; c) decisão (BARCELLOS, Ana Paulo de.

Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renova, 2005, p. 77 e seguintes). Tércio Sampaio Ferraz Junior, com vista à decidibilidade, numa perspectiva dogmático-zetética, também três passos: a) dogmática analítica; b) dogmática hermenêutica; c) dogmática da decisão (Tércio Sampaio Ferraz Junior,

Introdução ao estudo..., cap. 4, 5 e 6). 159

PORTO NETO, Benedito. Concessão de Serviço Público no regime da Lei n. 8.987/95. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 89.

se julga dominante é em sentido contrário160.

2.10.3 Hermenêutica constitucional e princípio da eficiência

Como bem leciona José Eduardo Faria, as normas jurídicas só podem ser aplicadas de modo legítimo e eficaz quando conectadas hermeneuticamente com a realidade social e econômica, integrando-a como parte necessária do sistema legal161. Deste modo, só se entende o Direito Econômico à vista da Sociedade sobre a qual se projete. Sem um conhecimento das idéias que presidem a vida social e política em cada momento histórico não se compreende bem os conceitos jurídicos, nem as leis que imperam nesse momento.

Com precisão Dinorá Adelaide Musetti Grotti destaca:

As instituições jurídicas estão intimamente vinculadas às relações entre o Estado e a Sociedade existentes no momento histórico em que se desenvolve. Estas relações são dinâmicas e se alteram de acordo com as circunstâncias ideológicas, políticas, sociais e econômicas que se vão apresentando nas distintas épocas e nos diferentes países. E as instituições jurídicas nunca se mantém incólumes frente às transformações, pois, para poderem sobreviver, precisam adaptar-se às exigências da realidade162.

A idéia de serviço público é um bom exemplo deste processo de adaptação das transformações operadas no decorrer do século passado, pois é possível detectar-se um fio histórico que conduz desde o seu conceito político até sua posterior funcionalidade jurídica. Inicialmente foi um conceito sócio-político, algo assim como a transposição liberal do "serviço ao Rei", que surge em uma época presidida ideologicamente por uma determinada concepção das relações entre Estado e Sociedade, e a separação de suas distintas esferas de atuação, que surge com a Revolução Francesa163.

160

Com razão os irmãos George & Glauco Salomão Leite em primoroso trabalho, quando afirmam ser indiscutível que a relevância dos princípios não se adstringe ao aspecto diretivo. E que, de fato, no estágio atual de sua compreensão, sua elevada generalidade não lhes retira a capacidade de solver situações fáticas controvertidas, posto que são considerados não como simples pautas valorativas, senão como autênticos dispositivos constitucionais e, portanto, de pronto, aptos a gerar eficácia (LEITE, George & Glauco Salomão. A abertura da Constituição em face dos princípios constitucionais, In: Dos princípios constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2003, p.140.

161

FARIA, José Eduardo. O Judiciário e o desenvolvimento sócio-econômico. In: Direitos humanos, direitos

sociais e justiça. 1. ed. 4. tiragem. José Eduardo Faria (Organizador). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 23.

162

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti, Teoria dos serviços públicos e sua transformação, 2000, p. 39. 163

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