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4.1 As narrativas das alunas-professoras

4.1.2 Crenças sobre o ensino de matemática

As narrativas possibilitaram, também, que emergissem algumas crenças sobre o ensino da matemática, destacando-se a questão de se considerar o cotidiano do aluno, a utilização do material manipulável e a organização da sala de aula.

Para Renata, o magistério permitiu planejar e dar aulas em que utilizou materiais concretos. Da mesma forma, Ana explicitou que “a matemática tem que ser mais

concreta, mais dinâmica, mais voltada a nossa realidade” (Narrativa, LM1 – AI-1).

Além disso, Kerusca, que era professora na EJA, narrou que propõe atividades para seus alunos com o intuito de relacionar a matemática à realidade: “sempre que trabalho

matemática, procuro associar a realidade dos meus alunos e trabalho na forma de dinheiro, pois é algo que eles já conhecem e querem aprender” (Texto individual, LM1 – AIII-2).

Kerusca também evidenciou que, para as crianças, é preciso procurar sempre, no ensino de matemática, partir do concreto, embora isso nem sempre seja possível. “A

matemática não é tão concreta, assim sua ciência é fundamental e faz o mundo viver de perguntas. Mas quando pensamos em matemática para crianças não há como não partir do concreto” (Fórum de discussão, LM1 – AI-2).

Maria Clara destacou que “também procura relacioná-la [a matemática] com o

cotidiano, mostrando que existe matemática em tudo” (Fórum de discussão, LM1 – AI-2). Também explicitou que situações do cotidiano dos alunos como “compra de produtos

parcelados, as famosas prestações que frequentemente nos é oferecido nas propagandas da TV, com pequenas parcelas, tudo em 24 vezes ou com 50% de desconto, sem acréscimos, etc.” (Texto individual, LM1 – AIV1), podem ser utilizadas em problemas pelo docente.

Branca comentou a necessidade de se trabalhar com atividades relacionadas ao cotidiano do aluno, “com o que é real, concreto, que está relacionado e contextualizado com

o convívio do aluno é um bom começo, assim sua aprendizagem será construída em bases sólidas, concretas e não abstratas” (Fórum de discussão, LM1 – AI-2).

Nesses excertos apresentados emergem a preocupação em relacionar os conteúdos matemáticos com a realidade, com o cotidiano dos alunos. Contudo, é preciso tomar cuidado, pois determinada situação pode parecer, ao professor, pertencer ao cotidiano dos alunos e, por isso, ele terá a expectativa que eles se interessem e se motivem para resolvê- la, mas na prática isso pode não acontecer. O exemplo apontado por Maria Clara, da compra de produtos parcelados, pode fazer parte da realidade do professor, mas, quando proposta para os alunos, pode não ser um problema que eles se sintam desafiados a resolvê-lo. Dessa forma, uma situação do dia a dia para o docente nem sempre a será para o estudante.

Além disso, é necessário refletir sobre a perspectiva, de o professor trabalhar apenas com aquilo que ele considera fazer parte da realidade do aluno, pois ele corre o risco

de reduzir a matemática a seu aspecto utilitarista e não considerar os conteúdos que não podem ser relacionados de alguma forma ao cotidiano, ou seja, se o docente não vê a presença de um conteúdo na realidade do estudante não o ensinará, por entender que não terá utilidade prática. Essa visão utilitarista da matemática precisa ser superada e é importante destacar que alguns conteúdos matemáticos podem ser trabalhados a partir de situações do dia a dia e propiciar a construção de significados, porém em muitos casos essa construção também ocorre no próprio contexto da matemática.

Podemos perceber também muito significativamente, nas falas das alunas- professoras, a presença do concreto. O trabalhar no concreto se tornou um jargão muito utilizado, porém não se tem a preocupação de definir o que se compreende por concreto. Nacarato (2005) destaca que, no ensino de matemática, esse trabalhar no concreto se refere à utilização de materiais manipuláveis.

Compreendemos material manipulável, na perspectiva de Reys (1971 apud SERRAZINA, MATOS, 1996, p. 193), como sendo “objetos ou coisas que o aluno é capaz de sentir, tocar, manipular e movimentar. Podem ser objetos reais que têm aplicação no dia a dia ou podem ser objetos que são usados para representar uma ideia”.

Fiorentini e Miorim (1990) explicitam que, nem sempre, o professor tem claras as razões para a utilização dos materiais no ensino-aprendizagem da matemática e, via de regra, não questiona as reais necessidades e os momentos oportunos para serem usados. Dessa forma, justifica a importância deles apenas pelo caráter motivador, pois tornam as aulas mais interessantes, alegres fazendo com que os estudantes passem a gostar da matemática, ou ainda, porque o ensino tem que partir do concreto.

Serrazina e Matos (1996) discutem algumas dificuldades na utilização do material manipulável, ao destacarem que, muitas vezes, os estudantes não relacionam as experiências concretas com os conceitos matemáticos formais. Os materiais são selecionados para atividades porque o professor entende que eles, implicitamente, estabelecem relações consideradas importantes, entretanto, não há uma garantia de que os alunos vejam essas pretendidas relações.

Através de discussões na aula, professores e alunos podem conversar sobre as relações possíveis, conduzindo a atenção para as relações de interesse. Ao interacionar com os materiais e com os outros sobre os materiais, é mais provável que os alunos construam as relações que o professor tem em mente (SERRAZINA, MATOS, 1996, p. 196).

Dessa forma, os resultados negativos da utilização de materiais manipuláveis podem estar relacionados a duas características das atividades propostas pelo docente. A distância entre o material e as relações matemáticas que se busca que os estudantes representem e, assim, segundo esses autores (1996, p. 196), “quanto mais próxima a correspondência entre as características em destaque dos materiais e as relações matemáticas, mais apoio contextual existe para os alunos construírem as conexões pretendidas” e; a segunda, alude ao material ter a característica de um símbolo arbitrário ao invés de ser uma concretização natural.

Além disso, esses autores indicam a necessidade de os estudantes manipularem o material, pois apenas assim podem interpretar suas características, resolver e formular problemas. Ele não pode servir apenas como instrumento de comunicação do professor que explica o conteúdo somente mostrando em suas mãos o objeto.

Os materiais manipuláveis são, muitas vezes, usados para introduzir uma noção, mas, ao se chegar a ela, não interessa mais o contexto ao que se buscou dar significado. Assim, para Serrazina e Matos (1996, p. 197-198)

É como se a situação que serviu para os introduzir funcionasse como um andaime que se retira quando se acaba o prédio. Não queremos com isto dizer que se tenha de estar sempre a trabalhar com materiais, mas que as concretizações que serviram para elaborar as noções matemáticas podem ser situações importantes para os alunos verificarem algumas propriedades ou compreenderem outras. Isto só se consegue se, desde o início, houver uma verdadeira acção por parte da criança e não uma simples reprodução do que foi dito pelo professor.

Nacarato (2005) aponta que a pouca ou a inadequada exploração do material não trará contribuições para a aprendizagem da matemática, isso porque o problema não está no uso do material, mas na maneira como é usado. Nesse sentido, ressalta que “não é o simples uso de materiais que possibilitará a elaboração conceitual por parte do aluno, mas a forma como esses materiais são utilizados e os significados que podem ser negociados e construídos a partir deles” (p. 5).

A partir do exposto, verificamos que, embora as alunas-professoras enfatizem a utilização de materiais em diferentes momentos das disciplinas, suas afirmações são genéricas, o que nos leva a afirmar, baseados nas reflexões discutidas anteriormente,

ancoradas nos autores que trouxemos, que elas não têm uma compreensão clara do seu significado.

Portanto, é preciso haver uma discussão fundamentada no referencial teórico para fazer emergir suas crenças e propor discussões com o intuito de romper com elas, caso apresentem incompreensões.

Os relatos das alunas-professoras sobre suas lembranças com relação à matemática em suas trajetórias escolares, que se baseou no tecnicismo e na visão platônica e utilitarista, remete-nos, à maneira como é organizada a sala de aula, pois isso pode trazer implícitas essas crenças de matemática, como destaca Viñao Frago (1998, p. 175), “a análise histórica das modalidades de organização e disposição de pessoas e objetos na sala de aula, mostra sua relação com o sistema ou método pedagógico seguido”.

Na perspectiva da matemática pautada no paradigma tecnicista (FIORENTINI, 1995), em que se enfatiza a reprodução, a memorização de fórmulas e algoritmos, em que as aulas são, via de regra, fundamentadas na exposição pelo professor dos conteúdos, a organização da sala de aula coloca os estudantes sentados individualmente e um atrás do outro. Essa forma de organização, que as alunas-professoras tiveram contato em suas trajetórias escolares, acontece, pois, para que os alunos aprendam, é necessário apenas que ouçam as explicações do professor e que fiquem em silêncio.

Esse silêncio e atenção exigidos não aconteceriam, por exemplo, se os alunos estivessem trabalhando em grupos, quando eles conversam, trocam ideias, buscam argumentar sobre suas estratégias para a resolução de uma atividade. Esse burburinho, na perspectiva apontada, é sinal de indisciplina e, portanto, deve ser evitado a todo custo.

Além da disposição dos estudantes, a organização da sala, no enfoque tecnicista, coloca a mesa do professor no meio à frente, pois ele é o centro do processo de ensino-aprendizagem, ele transmite seus conhecimentos e os estudantes recebem passivamente as informações.