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4.2 Indícios de mudanças

4.2.2 Indícios de mudanças nas crenças sobre o ensino de matemática

Verificamos ainda indícios das mudanças nas crenças sobre o ensino de matemática, que perpassam também as discussões realizadas no próximo capítulo – Processos

formativos em matemática – e dentre elas, destacamos algumas práticas das alunas- professoras ao buscarem alternativas para romperem com práticas engessadas com que tiveram contato em suas trajetórias escolares e, por vezes, também em algum momento de suas práticas docentes.

As alunas-professoras explicitaram que trabalhavam com os alunos em grupos, rompendo a ideia de trabalhar individualmente com os alunos sentados em filas e um atrás do outro, e isso pode ser averiguado nas regências realizadas por elas nas disciplinas de estágio, Essa discussão será realizada no próximo eixo temático.

Além disso, consideramos que as discussões abordadas nas atividades sobre os conteúdos matemáticos podem nos dar indícios de mudanças nessas crenças, como sobre o erro; sobre os conceitos e significados de número; conceito de fração e as ideias relacionadas – partição, quociente, medida, número, operador multiplicativo e probabilidade –; a relação entre fração, número decimal e porcentagem; a importância e as formas de ensinar geometria; o ensino de estatística e de probabilidade desde a Educação Infantil.

Para ilustrar, apresentamos excertos das atividades das alunas-professoras sobre esses conteúdos matemáticos.

Ao discutir sobre o jogo Avançando com o Resto, verificamos que Lusmarina destacou o erro como uma forma de aprendizagem, e a criação das próprias estratégias a partir dos conhecimentos prévios dos alunos. Nesse sentido,

[...] o erro já não se torna tão marcante e negativo para o aluno, pois ele o encara como algo natural no decorrer da busca pela solução. Nesse processo, o aluno utiliza-se de estratégias próprias baseadas naquilo que já domina ou está aprendendo ainda. Tornando-se o construtor do seu próprio conhecimento, envolve todo seu saber e, se não for suficiente, se interessa por aprender mais, a fim de se tornar o vencedor, bem como aprender a se portar diante de tais competições (Lusmarina, wiki, LM1 – AIV-3).

Branca e Kerusca também ressaltaram a possibilidade de aprendizagem com o erro, não sendo ele mais visto como algo negativo pelos estudantes e permitindo ao professor verificar as compreensões e também as dificuldades que ainda persistem sobre determinado conteúdo matemático.

A análise do erro e do acerto pelo aluno se dá de maneira dinâmica e efetiva, proporcionando a reflexão e a (re)criação de conceitos matemáticos que estão sendo discutidos; o professor tem condições de analisar e compreender o desenvolvimento do raciocínio do aluno e de dinamizar a relação ensino/aprendizagem, por meio de questionamentos sobre as jogadas realizadas pelos jogadores (Branca, Kerusca, wiki, LM1 – AIV-3).

A partir desses trechos, identificamos que a crença de matemática como certo ou errado tem dado lugar à dúvida, ao erro, que começa a perder um sentido mais negativo, para ser visto como uma possibilidade de aprendizagem, como foi destacado por Lusmarina. Branca e Kerusca ressaltaram que o erro permite ao professor verificar as compreensões e dificuldades apresentadas pelos estudantes.

Cury (2008) questiona se os acertos mostram o que o aluno sabe e os erros apenas o que ele não sabe, explicitando que, mais que isso, suas produções permitem detectar a maneira como eles pensam e também as influências de suas aprendizagens anteriores. Por isso, além de identificar as compreensões e as dificuldades, como apontaram as alunas- professoras, o erro possibilita apreender como os estudantes estão pensando e, portanto, as estratégias que poderão ser empregadas para resolver um exercício ou um problema.

Dessa forma, segundo a autora (2008, p. 13), “analisar as produções é uma atividade que traz, para o professor e para os alunos, a possibilidade de entender, mais de perto, como se dá a apropriação do saber pelos estudantes”. Com isso, o professor pode planejar suas ações de modo a solucionar possíveis incompreensões, dificuldades etc.

As alunas-professoras relataram, no texto individual da disciplina de LM1, exemplos da importância dos números e levantaram questionamentos de onde eles podem ser encontrados em nosso cotidiano, a partir das indagações: para que servem os números? Imagine um mundo sem números. Como ele seria? Destacamos os excertos de Alice e de Branca.

Onde quer que estejamos, nossa idade, telefone, documentos, sapatos, ônibus, dinheiro, casa, em tudo os números estão presentes, eles organizam, classificam, ordenam, são utilizados até para o misticismo. Quando reconhecemos a utilização do número em nosso contexto diário, percebemos o quão importante eles são. A hora que acordamos, o dia em que estamos, o mês, o ano, a leitura e a escrita numérica, a sequência [...] (Alice, Texto individual, LM1 – AIII-1).

Compreendo que o número não é apenas um objeto da matemática usado para descrever quantidade, ordem ou medida, enfim, os números vão muito além, pois estão presentes no nosso dia a dia, e tornaram-se tão comuns que nem pensamos

mais sobre eles, mas representam muito mais do que uma forma de se medir ou quantificar o que existe ao nosso redor. Por exemplo, utilizamos os números a todo o momento, não somente para contar, até mesmo porque eles estão presentes em tudo o que fazemos, como: no dia, na hora, num endereço, numa placa de carro, numa medida, quantidade, entretanto, nossas práticas estão diretamente relacionadas com o sistema numérico, que no momento não consigo mencionar qualquer ação que não envolva este sistema (Branca, Texto individual, LM1 – AIII- 1).

A atividade sobre o conceito de número, realizada por meio do texto individual, em que escreveram para que servem os números e também para imaginar um mundo sem eles, possibilitou perceberem as muitas utilidades e as inúmeras situações nas quais são usados os números e as diferentes ideias de quantidade, medida, identificação, código etc.

No ensino de geometria, segundo Su, é importante que as crianças experimentem e manipulem materiais, pois, dessa forma pode desenvolver “ideias

geométricas e estruturas conceituais mais complexas através da exploração de blocos lógicos, papel quadriculado, desenhos, classificação das figuras planas e não planas, dobrar, recortar, classificar, construir, transformar e usar espelhos para trabalhar linhas de simetria” (Texto individual, LM2 – AI-1).

Kerusca evidenciou que a geometria começa a fazer parte da vida da criança desde muito cedo, sendo um dos fatores,

Brinquedos com formas geométricas onde as crianças brincam como um quebra cabeça, procurando o local certo que cada forma geométrica pertence. Dessa forma, podemos afirmar que a criança mesmo que involuntária possui conhecimento do universo geométrico quando adentra a escola, o que facilita por um lado o trabalho do docente (Fórum de discussão, LM2 – AI-2).

Andréia comentou que a Amarelinha é uma brincadeira que pode ser explorada com as crianças, como também é possível ensinar geometria a partir de obras de arte como as do pintor Volpi, que utiliza figuras geométricas em seus quadros.

Durante o período de observação que realizei nas escolas de Educação Infantil também pude notar a aproximação entre geometria e a obra do pintor Volpi que utiliza-se de formas geométricas para compor alguns de seus quadros. Também observei uma aproximação com brincadeiras como a amarelinha. Também algumas oficinas de confecção de brinquedos a partir de embalagens (Fórum de discussão, LM2 – AI-2).

Refletiram ainda sobre vários conceitos geométricos e algumas possibilidades do ensino de geometria que, como destaca o material impresso, deve se pautar na observação, na manipulação, na comparação e na classificação. Kerusca destacou que os brinquedos permitem iniciar, com as crianças, o desenvolvimento das ideias geométricas ainda antes da escolarização. Andréia relatou que, durante o estágio, percebeu que o ensino pode acontecer por meio das obras de Volpi e também da Amarelinha, brincadeira que foi utilizada na regência de Renata e que, de acordo com essa aluna-professora, possibilitou trabalhar com conteúdos de geometria, como retângulo e semicírculo.

As alunas-professoras destacaram também o conceito de fração, na unidade de LM2 que aborda esse conteúdo, como sendo a síntese de duas ideias: quantidade e medida. Para Branca “falar de fração não é tão simples como parece, pois embora ela seja a

ampliação dos conjuntos numéricos, representam um novo tipo de número que não é fácil compreender, já que suas ideias básicas são relacionadas com quantidade e medida. Assim uma fração não são dois números, mas sim uma relação expressa por eles” (Texto individual, LM2 – AIII-1).

Esse mesmo aspecto é indicado por Renata ao explicitar que “essa

representação demonstra relações matemáticas diferentes das que se encontra nos números naturais, já que é a síntese de duas ideias expressas, em dois números: a quantidade e a medida” (Texto individual, LM2 – AIII-1).

Ressaltaram também os aspectos relativos à grandeza discreta e contínua. Andréia e Ana destacaram o significado de cada uma dessas grandezas e apresentaram exemplos fazendo referência ao material impresso.

[O autor do material impresso] destaca ainda que existem dois tipos de grandezas medidas pelas frações as grandezas contínuas como um pedaço de papel que pode ser dividido em infinitas partes; e as grandezas discretas, como um conjunto de pessoas em que existe um número limitado de frações que podem ser representadas. Como exemplo um grupo de 12 pessoas só pode representar uma fração que seja divisor de 12, pois não podemos partir uma pessoa ao meio para representar por exemplo 2/5. (Andréia, Texto individual, LM2 – AIII-1).

O autor [do material impresso] nos apresenta duas ideias a respeito de fração: as grandezas contínuas e as grandezas discretas. A primeira pode ser representada por qualquer fração, enquanto a segunda, somente por algumas. As tiras de cartolina ou chocolates são exemplos de grandezas contínuas e um conjunto de objetos ou de figurinhas são exemplos de grandezas discretas (Ana, Texto individual, LM2 – AIII-1).

Nesses trechos apresentados, as alunas-professoras abordaram diferentes aspectos dos conteúdos matemáticos ensinados nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: número, geometria, e fração. Sobre as frações destacaram o conceito e as ideias de grandeza discreta e contínua. Essas discussões ocorreram devido ao material impresso e às atividades propostas que trabalham esses conteúdos.

Dessa forma, as alunas-professoras podem ter construído conceitos matemáticos que não sabiam ou mesmo tê-los ressignificado, pois elas tiveram que mobilizar seus conhecimentos específicos do conteúdo para argumentar, opinar, discutir as ideias do referencial teórico, o que pode ter promovido aprendizagens que ampliaram a base de conhecimento delas (SHULMAN, 2004a).

Podemos identificar um exemplo de aprendizagem no trecho em que Andréia discute sobre as grandezas contínuas, pois apresenta um exemplo que não foi abordado no material impresso: “as grandezas contínuas como um pedaço de papel que pode ser dividido

em infinitas partes” (Texto individual, LM2 – AIII-1).

O contato com esses conceitos por meio do material impresso, das atividades realizadas, das observações e das regências nos estágios podem ter promovido alguns estranhamentos sobre esses conteúdos matemáticos proporcionando reflexões que podem ter provocado mudanças em suas crenças. Um exemplo claro é a surpresa relatada por Renata, no fórum de discussão sobre os problemas que envolviam fração, ao descobrir a relação entre fração e porcentagem: “Ai, Ai, Ai, Ai!!!! Para tudo!!!! Acho que quero descer!!!!!! rs. Fiquei

feliz por ter conseguido acertar o primeiro problema...ufa. Mas, nunca imaginei que se no enunciado estava em número fracionário eu pudesse pensar em porcentagem” (Fórum de discussão, LM2 – AIII-2). Discutiremos esse elemento com mais profundidade na subcategoria Interações e mediações no ambiente virtual.