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2.1 A Educação a Distância no Brasil: marco regulatório e literatura da área

2.1.2 Outros aspectos da EaD: o AVA, o professor e o tutor, os materiais e as atividades

Destacamos ainda alguns componentes que consideramos que podem influenciar na qualidade dos programas de EaD, como: o ambiente virtual de aprendizagem, o professor e o tutor, os materiais e as atividades.

Os ambientes virtuais de aprendizagem – AVA – são softwares que possibilitam a elaboração de cursos que podem ser disponibilizados na Internet. Esses

softwares permitem o gerenciamento dos conteúdos para os estudantes, assim como a administração do curso e o acompanhamento constante do progresso dos alunos.

Para Almeida (2010, p. 92), esses ambientes possuem algumas características importantes que auxiliam no processo de ensino-aprendizagem, como:

Interação multidirecional e multimodal, conexões possíveis de se estabelecer com links internos ou externos aos sistemas, o registro contínuo das produções que podem integrar múltiplas mídias e dos caminhos percorridos pelo aluno ao explorar informações por meio da navegação a-linear, a recuperação instantânea dos registros de qualquer etapa do processo, realização de tantas atualizações quantas forem necessárias, a avaliação da aprendizagem do aluno e do projeto do curso.

De acordo com Gómez e Alvarado (2002, p. 127), uma premissa importante desses ambientes é que possibilitem que os usuários sejam conhecedores e não que apenas

estejam informados, pois como conhecedores são eles que “produzem a informação, quem as cria ou recria criticamente e se constituem como fontes primárias”, diferentemente de quando são apenas informados em que “usam as informações, reproduz os conteúdos dessa informação e que recorrem a fontes secundárias, pois quem as produzem são outras pessoas”.

Nos cursos do Sistema UAB da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar – é utilizado o ambiente virtual de aprendizagem Moodle. Esse AVA possibilita o gerenciamento de grande quantidade de estudantes e pode ser utilizado como plataforma para cursos totalmente on-line. Os alunos, ao iniciar o uso do Moodle, podem criar um perfil pessoal que permite que incluam uma imagem e também informações pessoais o que ajuda a estabelecer laços sociais.

Além disso, o ambiente permite que o professor crie com muita facilidade grupos e determine como os membros se relacionarão com os outros grupos e nas diferentes atividades durante o curso. Também, possibilita a visualização de todas as notas obtidas nas diversas tarefas realizadas pelo estudante em uma página que inclui ainda o total acumulado. Possibilita que o docente monitore tudo que o aluno realiza no AVA, pois há um registro detalhado de todos os recursos que foram ativados ou acessados.

O Moodle possui diversas ferramentas que podem ser utilizadas de acordo com o objetivo da atividade e para promover a aprendizagem dos estudantes.

A ferramenta trabalho permite que o estudante entregue tarefas em arquivos de qualquer formato (pdf, doc, rtf, pps, xls, etc). O chat possibilita a comunicação síncrona entre os alunos, ou seja, em tempo real. Há também a possibilidade de comunicação por e-mail do professor com os alunos e também entre os estudantes. Os fóruns permitem diálogos do grupo sobre um determinado tema, mas de forma assíncrona, ou seja, não em tempo real.

Com os diários, os alunos podem refletir e discutir sobre um tema. Essa ferramenta pode ser utilizada, por exemplo, para registrar as observações na sala de aula em um dia de estágio. A ferramenta wiki possibilita a construção de um texto coletivo por diversos estudantes, sendo que registra as modificações realizadas por cada um deles.

Na EaD, além do professor surge outro ator na categoria docente: o tutor. Embora cada instituição tem implantado um modelo diferente de EaD, o tutor participa do processo de ensino-aprendizagem e assume diferentes atribuições de acordo com as características desse modelo, sendo considerado por Oliveira, Mill e Ribeiro (2010) uma figura-chave.

Mill et al. (2008, p. 114) ressaltam a importância do tutor virtual no desenvolvimento cognitivo dos estudantes, nas atividades realizadas durante as disciplinas, pois ele é responsável por “acompanhar, orientar, estimular e provocar o estudante a construir o seu próprio saber, desenvolver processos reflexivos e criar um pronunciamento marcadamente pessoal” (grifo dos autores). Ainda, o tutor deve manter uma rede de comunicação aberta entre os estudantes de forma a promover a socialização das ideias e permitir a construção coletiva de saberes.

Esses autores (2008) propõem um elenco de competências que os tutores devem ter e que se dividem em:

a) Competências tecnológicas: domínio técnico das ferramentas utilizadas no curso de EaD, como por exemplo do ambiente virtual de aprendizagem. b) Competências sociais e profissionais: gerenciamento de equipes, criar e

manter o interesse e a motivação dos estudantes, gerenciar pessoas com vivências e culturas diferentes, dominar o conteúdo da disciplina, expor as regras de netiqueta13, comunicar-se com clareza por meio da escrita.

A partir do exposto, compreendemos que algumas das competências listadas acima não são exclusivas da EaD, mas fazem parte também do modelo presencial de Educação, pois manter a motivação e o interesse dos alunos, gerenciar uma turma heterogênea, dominar os conteúdos fazem parte do repertório de saberes e competências de todo professor.

Mill et al. (2008) destacam quatro aspectos que compreendemos serem específicos da EaD e que são necessários para o bom desempenho do tutor virtual com relação aos alunos.

A preocupação constante com a clara redação dos textos, que no AVA se torna um documento porque tudo que é escrito fica registrado. Esse fato torna necessária a utilização da escrita correta da língua portuguesa e, para isso, deve haver o hábito da revisão das mensagens antes de serem postadas. A escrita clara, objetiva, com foco nos principais temas de discussão permite que os diferentes estudantes possam compreender e evita uma leitura cansativa, visto que a comunicação por meio da escrita é a principal forma de desenvolvimento pessoal e profissional.

13 Normas de etiqueta na Internet.

A importância da netiqueta para promover um ambiente de cortesia e respeito entre todos os atores envolvidos. Ainda, o tutor precisa respeitar os prazos pré-estabelecidos, demonstrar regularidade e sistematização das orientações e do acompanhamento dos alunos. A assincronicidade da comunicação em EaD permite o maior controle dos aspectos emocionais.

O tutor também precisar participar ativamente do processo de aprendizagem dos estudantes “orientando suas leituras, procedimentos de estudo e auxiliando em suas dúvidas e produções” (MILL et al., 2008, p. 120). Para isso, o tutor deve dominar o conteúdo do material que será utilizado nas disciplinas e como ele está organizado. Também precisa apoiar os alunos no desenvolvimento da autoconfiança e a expor suas ideias que podem ser catalisadoras da aprendizagem do grupo.

Assim, de acordo com Mill et al. (2008, p. 120), o tutor deve “potencializar as capacidades individuais e coletivas, provocando questionamentos, destacando aspectos positivos nos posicionamentos do estudante e estimulando-o a ter responsabilidade sobre a sua própria aprendizagem e seu desenvolvimento pessoal”.

Por fim, o tutor precisa apoiar os estudantes também em questões técnicas que podem ser geradas pela atividade proposta, ou ainda pedir apoio da equipe técnica sempre que for necessário.

Na perspectiva de Oliveira, Mill e Ribeiro (2010), os tutores são mediadores entre os alunos e o conhecimento e, portanto, precisam ter uma sólida formação no conteúdo específico, apoio e suporte do professor responsável pelas disciplinas e da equipe técnica e de gestão para que a proposta seja bem sucedida. Assim, “a responsabilidade assumida perante os diversos problemas gerados em sua prática leva-os a serem parceiros dos alunos na aprendizagem” (p. 83).

Nesse cenário, nos apropriamos do conceito de mediação didática discutido por Libâneo (1994, p. 96) como sendo uma “atividade intencional, planejada conscientemente visando atingir objetivos de aprendizagem. Por isso, precisa ser estruturado e ordenado”. Ou seja, o professor intervém de forma intencional nos processos mentais dos alunos com o objetivo de auxiliá-los a dar sentido ao objeto de conhecimento.

Assim, a atividade do aluno consiste no enfrentamento da matéria por suas próprias forças mentais e o trabalho docente, por meio da mediação didática, dirige e orienta

essa atividade. Ou seja, os objetivos, os conteúdos, os métodos, as formas de organização do ensino medeiam a relação dos alunos com a matéria.

Para Libâneo (1994), o trabalho docente é a atividade que une o binômio ensino-aprendizagem, sendo facetas de um mesmo processo e, portanto, não sendo possível pensá-los separadamente, dissociados. Dessa forma, “o professor planeja, dirige e controla o processo de ensino, tendo em vista estimular e suscitar a atividade própria dos alunos para a aprendizagem” (p. 81).

Porém, essa perspectiva fica comprometida quando o ensino está focado na memorização, porque o professor concentra em si mesmo a exposição da matéria e não envolve ativamente os estudantes. “Essa atitude não faz parte do sentido que temos dado ao papel dirigente do professor, pois não leva a empenhar as atividades mentais dos alunos” (LIBÂNEO, 1994, p. 91). Ainda, compromete essa perspectiva quando os alunos são deixados sozinhos com o pretexto de que o docente precisa facilitar a aprendizagem e não ensinar.

Nesse contexto, é preciso refletir também sobre a produção do material didático para os cursos de EaD.

Soletic (2001) explicita que a produção de material didático para a EaD tem como preocupação primeira solucionar os problemas relacionados à inexistência de interação face a face entre o professor e os estudantes, aspectos que sempre estiveram presentes durante o processo de escolarização no qual o texto escrito é a principal fonte de conhecimento e, por isso, também na EaD esse é o principal instrumento.

No entanto, é preciso considerar que com as tecnologias a forma como os materiais escritos são acessados e utilizados se modificaram, devido aos hipertextos que permitem que sejam acrescentados imagens, sons, animações etc.

Os hipertextos trazem a possibilidade de uma leitura não linear e não sequencial como a encontrada nos textos impressos, pois apresentam links que fazem a ligação com outras páginas, que se ligam a outras e assim por diante. Além disso, a leitura de um mesmo texto pode ser realizada de formas diferentes, porque as escolhas que o leitor faz quando clica em um ou em outro link modificam o caminho da leitura, o que não acontece em textos convencionais.

Pierre Lévy (1993, p. 33) ilustra muito bem essa diferença dos textos impressos em relação ao hipertexto, pois neste último:

Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa, portanto, desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.

Em EaD, por não haver a interação face a face, não é possível saber de imediato quando o estudante está lendo o material, quais são suas dúvidas, suas dificuldades e suas preocupações. Esses aspectos, de acordo com Soletic (2001, p. 78), “outorgam à função de comunicação do material uma grande importância, na medida em que o texto deve ser o responsável por estabelecer a relação entre os participantes, despertar o interesse, gerar perguntas valiosas, antecipar dificuldades, estimular a agir”.

Ainda, o especialista deve ter o cuidado, ao elaborar o material, de que ele seja voltado para o ensino e não para a publicação científica. “Tal equívoco causa o sério problema de supor erroneamente que o aluno tem conhecimentos e pode aplicar as estratégias cognitivas do especialista na compreensão do material escrito” (SOLETIC, 2001, p. 79). Dessa forma, não se consideram as capacidades, as possibilidades, as dificuldades, as incompreensões e as estratégias que os estudantes podem apresentar durante o desenvolvimento do curso.

Outro aspecto relevante é a compreensão dos alunos sobre o material escrito. Essa compreensão implica a vinculação das ideias presentes no texto com os conhecimentos prévios do leitor. Algumas vezes, uma incompreensão se deve à dificuldade do leitor de entender como se estrutura e se organiza o texto, assim como, a clareza entre as ideias centrais e as ideias secundárias. Também, algumas dificuldades surgem devido ao não entendimento de termos técnicos ou científicos, aos quais lhes atribui o significado comum (SOLETIC, 2001).

Todas essas dificuldades apresentadas pelos estudantes, segundo Soletic (2001), devem ser consideradas durante a elaboração do material didático de um programa de EaD. Para que sejam minimizadas ou até eliminadas, deve haver uma equipe com diferentes profissionais que participarão das etapas de confecção do material. A etapa preliminar deve considerar a definição dos objetivos do curso, a seleção dos conteúdos, os conceitos, os pontos de vista que serão abordados, os referenciais teóricos etc. Ainda, deve haver a

preocupação com os possíveis erros e com as incompreensões que os alunos poderão apresentar.

Quando se seleciona o que ensinar, para a elaboração do material, é preciso considerar as questões mais relevantes e centrais da área de conhecimento. Além disso, outra preocupação deve ser “conseguir que os novos saberes se incorporem à estrutura cognitiva de quem aprende” (SOLETIC, 2001, p. 84).

A produção do material didático tem que estar relacionada com as atividades que serão propostas para os estudantes, de forma, que eles compreendam os propósitos e participem ativamente da construção do seu conhecimento.

Soletic (2001) ressalta que existem diferentes tipos de atividades de acordo com seus objetivos. Algumas exigem processos cognitivos simples dos alunos como identificar, caracterizar, enumerar ou classificar informações. Por sua vez, as atividades que tem como objetivo proporcionar a compreensão de conceitos centrais da disciplina demandam processos mais complexos e, por isso, podem ser de resolução de problemas, formulação de hipóteses, análise de casos, elaboração de argumentações e de justificativas, entre outras.

Essas discussões apresentadas nessa seção nos remetem a pensar sobre a formação do professor na EaD. Como é a formação de professores em EaD? Como deve ser essa formação? Quais as especificidades e as semelhanças com a educação presencial? Reflexões que traremos agora.