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CRONOPIUS, O ESCRAVO

No documento extraterrestres (páginas 105-108)

NISOR DE MOOR

CRONOPIUS, O ESCRAVO

Nasci no ano em que as cidades de Pompéia e Herculano foram parcialmente destruídas por um grande terremoto. O ano foi 61 ou 62 d. C. Cerca de dois anos depois de meu nascimento. Nero queimou Roma. Nasci de uma garota escrava chamada Melcenta. Era uma das várias garotas escravas que seu amo (depois meu) Filbrius

alugava à noite a viajantes que paravam em sua estalagem e taverna.

A taverna de Filbrius se localizava numa estrada a cerca de 24 quilômetros ao norte da próspera cidade de Pompéia. Filbrius chamou-me de Cronopius em honra de um gladiador romano que uma vez viu lutar na arena em Pompéia. Ele muitas vezes recontava cada talho e corte que alegava ter visto. Outras pessoas presentes se lembravam de que a luta durara menos de dez minutos, mas a versão de Filbrius da batalha durava uma hora. Filbrius era um grande fã de esportes. Ele realmente ficou desolado quando um viajante lhe contou que meu homônimo encontrara seu páreo e fora morto na arena romana alguns meses antes. Acho que Filbrius sacrificou um pato aos deuses para que dessem a Cronopius uma boa acolhida na outra vida.

Passei meus primeiros anos escovando e alimentando os cavalos dos viajantes ricos o bastante para possui-los. Eu gostava de carruagens e admirava os que bravamente passavam correndo nelas. Não pelo lato de me mandarem fazer as coisas, e de ser bastante espancado por filbrius, eu realmente não sabia que era escravo.

Certo dia, um grego chamado Criltrenos veio à estalagem e não saia mais. Nunca ficava sem dinheiro. Passava o tempo bebendo, atrás de meretrizes, desenhando e esculpindo. Poucos homens podiam igualá-lo em qualquer dessas atividades. Acabou por comprar um pedaço de terra de frente para a estalagem e nele construiu uma belíssima casa de dois andares. Depois de a construção ser concluída, foi a Roma e retornou com vários belos cavalos e uma mulher grega idosa que ele disse ser sua tia Dimathra.

Dimathra parecia saber mais sobre a profissão de minha mãe do que todas as garotas do lugar juntas. Ficava sentada na estalagem durante horas bebendo galões de vinho enquanto dava conselhos às garotas de Filbrius e lhes fazia as vezes de mãe. Caí-lhe nas graças e um dia comentou que eu parecia grego. Filbrius disse: “Talvez seja meio grego.” Dimathra ofereceu-se para me comprar na hora, mas meu amo se recusou a vender. Dimathra parecia um cão atrás de um osso. Mais ou menos a cada semana o preço oferecido aumentava um pouquinho. Sei agora que Filbrius tinha outros planos para mim. Dimathra irritava Filbrius, mas ele não queria perdê-la como freguesa, nem a seu rico sobrinho, então em geral sorria e recusava suas ofertas.

Acabou por ceder o suficiente para deixar a velha grega me empregar para cuidar de seu zoológico de cães, gatos e diversas aves de terreiro. Esse arranjo foi feito depois de Criltrenos concordar em me enviar algum dia pela estrada a Pompéia e pagar meu treinamento para lutador. Filbrius gostou da idéia, pois os lutadores raramente eram monos durante uma partida de luta. Passou a sonhar em ser o proprietário de um campeão que poderia ganhar muito dinheiro para ele.

Descobri que Dimathra tinha duas religiões. Secreta-mente era cristã (religião não muito apreciada naqueles tempos), mas publicamente venerava o deus egípcio Osíris. Disse que passou a acreditar que os deuses de seu povo e os de Roma não existiam.

Eu também era fascinado pelo fato de que tanto criltrenos como Dimathra sabiam ler. Certa vez, estando embriagada, tentou ensinar-me a ler grego. Foi uma tentativa vã de ambas as partes. Confesso que não entendi nada

— tudo ainda era grego para mim! Mesmo assim, durante minha ligação com Dimathra, aprendi a falar grego. Mais ou menos um ano depois de começar a trabalhar para ela, ela comprou-me duas jovens garotas escravas de Roma. Criltrenos ficou descontente com a compra das meninas. Acho que ele pensou que duas garotas escravas era demais. Descobri então que Dimathra possuía fortuna própria, assim como seu sobrinho. Quando eu tinha 12 ou 13 anos, providenciou minha primeira experiência sexual com uma de suas criadas, Remisa. A curvilínea garota do norte da Itália quase me matou.

Criltrenos e Filbrius formaram uma sociedade para fabricar ladrilhos de mosaico colorido e vendê-los aos artesãos de Pompéia, Herculano e, com o tempo, Roma. Criltrenos fornecia a técnica e construiu os fornos necessários. Filbrius fornecia a mão-de-obra. Logo as crianças escravas da casa se tornaram toda a força de trabalho da indústria de ladrilhos, pois nossas mães se afastavam de sua ocupação para cuidar de suas outras obrigações.

Fui selecionado com três outros companheiros para carregar e conduzir a carroça puxada por bois a Pompéia. Criltrenos e Filbrius sempre iam conosco. Filbrius queria ter certeza de estar recebendo sua parcela dos lucros da venda dos ladrilhos. Sei que Criltrenos já era muito rico e nunca teria enganado Filbrius.

Filbrius ficava sempre indeciso entre vigiar Criltrenos negociando os ladrilhos e cuidar de nós para impedir que eu e meus companheiros escravos fugíssemos. Não tínhamos intenção de escapar. Para onde iríamos? Além disso, como todas as outras crianças escravas daqueles tempos, eu acreditava que o campo estava repleto de animais selvagens que nos matariam e devorariam. Para sossegar a cabeça, Filbrius passou a nos amarrar juntos pelo pescoço com uma única corda, que ele então amarrava a algum objeto fixo. Criltrenos achou aquilo ridículo, e às vezes nos dava vários odres de vinho só para observar Filbrius tentando ajuntar uma fileira de meninos escravos bêbados.

No ano de 78 d. C. eu tinha cerca de 17 anos de idade. Fui levado por Criltrenos e Filbrius à região sul da cidade de Pompéia, onde ficava o Fórum, que continha um templo, teatro, sala de concertos, moradia de gladiadores e uma escola de luta romana. O diretor da escola disse a Filbrius para me levar para casa e me

alimentar mais, e então me trazer de volta dentro de um ano. Filbrius não ficou feliz ao ouvir isso. Comprou um códice caríssimo contendo ilustrações de golpes de lutas e decidiu ele mesmo me treinar.

No ano que se seguiu eu ou estava comendo, ou então erguendo ou arremessando alguém a torto e a direito. Os outros meninos escravos ficavam com manchas pretas e roxas da cabeça aos pés.

Filbrius sempre me mandava fazer demonstrações de golpes de luta a seus fregueses. Desafiava qualquer um de meu tamanho e peso a lutar comigo. Caso meu oponente fosse franzino, Filbrius apostava dinheiro. Se meu adversário parecia ter a mínima chance de vencer, Filbrius apostava apenas uma pequena quantidade de vinho. Na verdade, não me lembro de alguma vez ter perdido qualquer uma dessas lutas. Contudo perdi algumas para a criada (escrava de) Dimathra, Remisa. (Mas não se pode chamar nossos jogos de verdadeiras lutas greco-romanas, pois nesse tipo de luta não é permitido usar nem os pés nem as pernas.)

Certa noite no ano de 79 d.C., a estalagem foi sacudida por três terremotos com intervalos de cerca de 45 minutos. O último tremor fez com que a construção começasse a ruir. Nós, da casa, corremos para a estrada onde Criltrenos, Dimathra e seus escravos se reuniram a nos. Ao sul o céu brilhava vermelho.

Criltrenos nos disse que todos iríamos imediatamente embora rumo ao norte. Disse-nos rapidamente ter lido que montanhas como o Vesúvio (perto de Pompéia) às vezes vomitavam fogo e as rochas derretidas e cinzas quentes podiam matar tudo ao redor num raio de quilômetros. Deixamos Filbrius sentado na estrada olhando para o sul, ainda tentando decidir-se a ir ou ficar.

A estrada para o norte seguia a costa. O oceano acabara de entrar no campo de visão quando o Vesúvio entrou em erupção. A onda de choque que se seguiu derrubou muitos de nós. O ar ficou quente e mal conseguíamos respirar. A erupção do Vesúvio durou quase dois dias.

Continuamos em direção ao norte. Eu me revezava ajudando minha mãe e Dimathra. As duas tinham dificuldades em andar tão rápido. Criltrenos me disse que se encontrássemos quaisquer patrulhas militares indo para o sul investigar a situação, eu deveria lhes dizer que era seu filho e que minha mãe era uma de suas escravas. No dia seguinte demos com várias patrulhas. Estavam ocupados em reunir escravos fugitivos, bem como em recolher quaisquer valores abandonados pelos que fugiam do sul.

Levamos cerca de 16 dias para chegar a Roma. Uma semana depois, Dimathra morreu. Criltrenos esculpia e vendia seu trabalho com facilidade. Ajudei-o de todas as maneiras a meu alcance e eu mesmo aprendi um pouco da arte. Ganhei um pouco de dinheiro ensinando luta. Criltrenos vendeu as garotas escravas a uma ‘família boa.” Com as bolsas recheadas, compramos passagem num navio que ia para a Grécia. O navio primeiro pararia no Egito e a seguir na terra dos hebreus antes de navegar para Corinto.

Durante nossa jornada, passamos pelo lugar no qual antes ficava Pompéia. O Vesúvio ainda estava lançando muita fumaça. Nosso navio também levava cerca de 15 legionários romanos a caminho da terra dos hebreus. Estavam muito infelizes com sua tarefa. Tínhamos uma pequena cabina e os soldados dormiam ao relento no convés.

Nosso navio parou no porto de Alexandria, Egito, durante cerca de dois dias. O porão foi esvaziado de sua carga de passas e reabastecido com peles de crocodilo e um pouco de marfim. Ficamos a bordo do navio durante sua parada no porto. Criltrenos achava que parecíamos gordos demais, podendo ser confundidos com ricos mercadores gregos pelos ladrões egípcios que rondavam as docas.

Quando saímos de Alexandria, uma nova vela impulsionava nosso navio. Os marinheiros romanos, gregos e hebreus estavam muito apreensivos com isso. Havia uma superstição segundo a qual uma viagem realizada com uma nova vela em geral acabava em tragédia, mas nas viagens subseqüentes a idade da vela não tinha importância. Para tranqüilizar sua tripulação, o capitão romano pegou um pequeno pedaço da vela velha e mandou costurá-lo na nova. Ouvi um dos marinheiros dizer: “Ele acha que esse truque vai adiantar? Os deuses vão ver através dela, não acha?”

Dias depois, com a terra dos hebreus à vista, nosso navio — com sua nova vela — afundou numa tempestade. Minha mãe e Criltrenos desapareceram. Apenas um marinheiro de ascendência romana e hebréia e eu sobrevivemos nadando até a praia. Ficamos na praia na chuva esperando para ver se mais alguém conseguiria chegar à praia. Enquanto esperávamos, ele disse: “Eu disse a eles que aquele navio era um lixo” [tradução amena - W.B.]. Eu tinha uma sensação angustiante do que vocês denominam déjà vu.

O nome de meu companheiro sobrevivente era Ralno. Nascera nessa terra de mãe hebréia e de um legionário romano que, em 73 d.C., foi um dos que sitiaram a fortaleza zelote de Massada. O resultado daquele sítio foi a tomada, por parte dos romanos, dessa fortaleza natural depois de 960 ou mais hebreus zelotes cometerem suicídio.

Pessoas de sua terra natal que sabiam da outra metade de sua ascendência transformaram Ralno num indesejável. Por isso, ele saiu de casa aos 12 anos e foi ser marinheiro. Eu estava grato por sua companhia, e ele pela minha.

Vivíamos do que a terra oferecia isto é, roubávamos galinhas e saqueávamos pomares na escuridão da noite. Éramos apenas dois entre as centenas dos que viviam daquele modo em todo o país na época. Os fazendeiros

protegiam seu gado com cães de guarda, mas se esforçavam muito pouco para guardar os pomares. Seu raciocínio era que, de qualquer forma, qualquer tropa de soldados romanos que estivesse passando pegaria o que quisesse das plantações. Com o passar do tempo. percebemos que o número de cães de guarda estava diminuindo.

Enquanto estive com Ralno, aprendi muito sobre a religião de sua mãe hebréia. Ele preferia os deuses romanos porque cada um deles estava “encarregado” de diferentes aspectos da vida, ao passo que o deus de sua mãe tinha controle total sobre tudo. Concluiu que a vida era difícil porque um único deus estava sobrecarregado e não era capaz de manter tudo em ordem. Uma vez ele disse que se o deus de sua mãe quisesse recompensar ou punir alguém, simplesmente ouvia suas preces!

Acabamos encontrando trabalho de colhedores de grãos na época da apanha. Nosso pagamento consistia apenas em nossa comida. De nossos colegas de trabalho ouvimos falar daqueles cristãos encrenqueiros. Lembrei-me com carinho de Dimathra, a única cristã que já conhecera.

Ralno viajara para muitas partes do mundo conhecido. Recontou com certo orgulho ter sido um dos que remadores que levaram o general romano Agrícola à terra para se tornar o governador da Bretanha. Ele tinha dois vícios, que eram ir a bordéis e beber vinho. Estava frustrado porque não tinha dinheiro para nenhum dos dois. Chegou ao ponto de passar a traçar planos para roubar e matar, se fosse preciso, para pôr as mãos em alguns siclos.Várias vezes convenceu-me a ajudá-lo a iniciar uma incursão criminosa, mas por alguma razão nenhum ricaço veio andando pela estrada na calada da noite rolando um barril cheio de ouro. Descartamos a idéia de ser marinheiros, pois as chances de ser contratado para a bordo de um navio eram muito pequenas. Havia muito mais marinheiros do que navios precisando de seus serviços. Tinha certeza de que se voltasse para o mar, seria apenas questão de tempo ele ir para num túmulo aquático.Para sair da pobreza entrou no exército romano. Deu-me algumas moedas que recebera como pagamento de alistamento.

Mais ou menos um dia depois de me despedir de Ralno. fui para os campos para evitar encontrar algum romano que poderia me forçar a entrar em alguma equipe de trabalho. No decorrer de minha jornada, dei com um velho camelo com um fiapo de vida em si. Ele me seguiu. Quando parei de noite, deitou-se a vários metros de mim. O camelo tinha várias marcas estranhas no corpo. Conclui que o animal fora solto por uni árabe que achou que ele estava doente e prestes a morrer. Somente uni árabe soltaria o camelo. Vários dias depois meu amigo estava quase recuperado. A medida que andava, comecei a falar com meu companheiro quadrúpede. Contava-lhe a história de minha vida quando ele saiu em disparada. Seu destino era uma fila de 12 camelos muito carregados que atravessava nosso caminho rumo ao litoral. Seus donos eram um grupo de hebreus. Os homens me examinaram e decidiram que eu era grego. Não os corrigi. Passaram algum tempo resolvendo o que fazer comigo. Pensei que estavam tramando alguma coisa que não queriam que os romanos soubessem. Um deles tirou uma espada curta romana e outro amarrou-me as mãos para atrás. Insistiram que fosse com eles e que não lhes criaria problemas. Quando me revistaram, encontraram as moedas. Quando devolveram as moedas à minha bolsa, senti que pouco tinha com que me preocupar.

Várias horas depois, chegamos a uma pequena enseada onde havia vários barcos abicados. Um navio balouçava nas ondas ao largo da costa. A tripulação grega estava nervosa porque meus captores estavam atrasados. Quando os camelos foram descarregados, vi que as cargas consistiam de espadas, pontas de lança e cabeças de flechas romanas recém-adquiridas de um arsenal romano. Os que guardavam o arsenal estavam agora recebendo novas ordens de Marte, o deus romano da guerra, na outra vida. Os hebreus me entregaram ao capitão grego do navio, que sabia que eu não era grego nativo. Ajudei-os a carregar os botes que levariam o saque ao navio.

Navegamos naquela noite e descarregamos nossa carga em outra praia. Os que receberam a carga faziam parte de um bando multirracial composto em sua maior parte de hebreus, alguns negros e até mesmo um ou dois egípcios. Nosso navio, agora vazio, foi rumo à Grécia. Perguntei ao capitão a idade de sua vela. Ele riu e respondeu: “Já esteve no mar, não é?’ Calculei minha partida da Palestina no ano de 81 d.C., quando contava cerca de 20 anos. O Coliseu de Roma foi concluído no ano anterior e descrições dele haviam chegado rapidamente aos confins do império, O imperador Tito morreu posteriormente naquele ano e Dominiciano o substituiu.

Na Grécia arranjei emprego primeiro na construção de navios, depois cortando lenha para construí-los.

Certo outono, quando minha equipe de corte de madeira saiu de uma área, fiquei para trás com um viúvo chamado Scora. Trabalhei tanto como pastor como fabricante de couro. Certo dia acidentalmente me cortei ao raspar uma pele e a ferida infeccionou. Cai de cama com febre e depois de vários dias morri enquanto dormia. O ano era 88 d.C. e eu provavelmente tinha 27 anos.

No documento extraterrestres (páginas 105-108)