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CONSENSO MACROECONÔMICO” E A ABORDAGEM PÓS-KEYNESIANA

3. O IMPACTO DO RMI BRASILEIRO SOB ALGUMAS VARIÁVEIS MACROECONÔMICAS

3.2 DÍVIDA PÚBLICA

A economia brasileira possui diversas especifi cidades em sua estru-tura fi nanceira/organizacional. A taxa de juros de curto prazo é utilizada ao mesmo tempo para remunerar títulos pós-fi xados e pré-fi xados22, e também é utilizada como instrumento monetário para o alcance da esta-bilidade dos preços.

22 Como os prazos de maturação dos tí tulos pré-fi xados do mercado brasileiro são relati va-mente curtos, a taxa de juros que remunera tais tí tulos aproximam-se da taxa de juros de curo prazo (SELIC).

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Essa especificidade coloca o Brasil em uma posição extremamente vulnerável, pois em períodos de dificuldades conjunturais, a necessidade em se elevar a taxa básica de juros faz com que, automaticamente, o esto-que das dívidas se eleve, impondo dificuldades em rolar as dívidas, em face das expectativas negativas dos mercados.

De acordo com Machado (2007), em alguns casos, as autoridades econômicas terão que resgatar seus títulos, monetizando a economia e, assim, indo de encontro à lógica inicial de elevação da taxa de juros. Além disso, a alta participação das Letras Financeiras do Tesouro no estoque da dívida pode criar um canal perverso de transmissão da política monetária, permitindo que uma elevação da SELIC amplie a demanda agregada ao invés de reduzi-la. Não obstante, a elevação do endividamento público pode induzir o setor público a reduzir seus gastos, em especial, o inves-timento público, com o intuito de alcançar maiores metas de superávit primário, objetivando honrar suas dívidas.

Nesse contexto, a observação da evolução da Dívida Líquida do Se-tor Público Consolidado23 como proporção ao PIB se faz necessária, uma vez que o tamanho da economia expressa a capacidade de pagamento do credor. O gráfico 2 apresenta a trajetória assumida pela DLSP/PIB, entre os anos 2001 e 2019, onde se verifica um pico de 55,84% em 2003, che-gando a 53,49% em 2019.

O aumento do endividamento público afeta diretamente o déficit pú-blico, expresso através da Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP); por sua vez, aumentos no déficit público influenciam diretamen-te o Tesouro Nacional a emitir mais títulos, quer seja para cobrir o déficit, quer seja para refinanciar a dívida pública.

23 Inclui o total de dívidas do governo federal, estados e municípios, o Banco Central, a Previdência Social e as empresas estatais, (DLSP= Dívida Líquida do Governo Geral + Dívida Líquida do BCB + Dívida Líquida das Estatais) (BCB, 2014b, p 13).

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GRÁFICO 2 – Evolução da dívida líquida do setor público (% PIB) 2001-2019

Fonte: Elaboração própria a parti r dos dados do BCB.

Não obstante, as elevações no défi cit público induzem à elevação das metas de superávit primário, no intuito explícito para o pagamento da dívi-da pública. O gráfi co 3 expressa a evolução dívi-da NFSP entre os anos de 2015 e 2019, enquanto o gráfi co 4 apresenta os resultados primário entre os anos de 1999 e 2019. O gráfi co 3 revela que os gastos com juros incidentes sobre a dívida representaram, em 2015, 7,10% do PIB brasileiro; ao passo que o défi cit público nominal representou, no mesmo ano: 7,17% do PIB brasilei-ro. Nos anos subsequentes, percebe-se uma tendência de queda.

GRÁFICO 3 – Evolução da necessidade de fi nanciamento do setor público NFSP (% PIB)

Fonte: Elaboração própria a parti r dos dados do BCB.

ROSÂNGELA TREMEL (ORGS.)

Já o gráfi co 4 mostra que em 2015 o resultado primário foi de 0,06%

do PIB brasileiro, se tornando positivo na série pela primeira vez desde 1999. Esse resultado alcançou a marca de 0,82%, porém voltou a cair para –0,02% em 2019, de acordo com o BCB.

GRÁFICO 4 – Resultado primário do setor público (% PIB)

Fonte: Elaboração própria a parti r dos dados do BCB.

Nesse contexto, é necessário voltarmos à atenção para uma dívida mais específi ca, na qual se concentra a maior parte das relações do merca-do fi nanceiro brasileiro. Nesse cenário, a Dívida Pública Mobiliária Fede-ral Interna (DPMFi) expressa o estoque de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional e pelo Banco Central24 e é dentro desse nicho de dívidas públicas brasileira que a atuação da política monetária promove impactos de forma mais expressiva.

Ao logo dos últimos anos, a DPMFi/PIB apresentou comportamen-to oscilante, assumido o pico de 54,38% em 2016, e mantendo-se em 48,06% ao fi nal de 2019, conforme o gráfi co 5. Embora a DPMFi/PIB tenha se mantido variando entre 45,18% e 54,38%, ao longo dos últimos anos, em termos nominais, sua evolução assumiu trajetória ascendente, onde, em 2000, correspondia a 29,49%.

24 Cabe observar que o arti go 34 da Lei de Responsabilidade Fiscal, de maio de 2000, vedou a emissão de tí tulos da dívida pública pelo BCB a parti r de 2002 (BCB, 2014b, p 15).

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Uma das principais explicações para o crescimento exponencial da DPMFi, refere-se ao fato de que, em 2005, a então gestão presidencial antecipou grande parte do pagamento da dívida externa brasileira ao FMI.

Para tanto, o governo brasileiro adquiriu recursos através de emissões de dívidas internas, que em grande medida aumentaram a onerosidade do setor público brasileiro, que assumiram passivos indexados por taxas de juros mais altas.

GRÁFICO 5 – Evolução da dívida mobiliária federal interna 2002-2019 (% PIB).

Fonte: Elaboração própria a parti r dos dados do BCB.

As observações acerca das principais dívidas brasileiras em relação ao total produzido pela economia expressam também os custos provenientes dessas dívidas, de modo que os encargos sobre a mesma não são irrelevan-tes e a avaliação da composição da DPMFi se faz necessária, no intuito de se identifi car os principais indexadores das dívidas brasileira. Isto porque a análise da composição da dívida e de seus indexadores refl etem em grande medida o nível de vulnerabilidade das contas públicas nacional.

Ao observar os dados do BCB, acerca da composição da DPMFi, entre os anos de 1999 e 2019, verifi ca-se que, em dezembro de 1999, 62,45% da DPMFi era composta por títulos indexados à taxa SELIC, enquanto que ao fi nal de setembro de 2014, essa composição se redu-ziu para apenas 19,28%, elevando-se para 40,82% ao fi nal de 2019. Por outro lado, os títulos pré-fi xados que assumem como referência a taxa

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SELIC, dada a baixa maturação de seus prazos, apresentaram curso ascen-dente na composição da DPMFi, passando de 9% em dezembro de 1999, para 44,25% ao final de 2014, e voltando a decrescer ao final 2019 com 29,56% de participação.

Mesmo diante de uma menor participação de títulos indexados à SE-LIC na composição da DPMFi, as alterações da política monetária inci-dem diretamente sobre as despesas do setor público. Assim, teoricamente, por exemplo, se considerarmos o valor total dos títulos atrelados à SELIC, em setembro de 2014, correspondentes a R$ 400,86 bilhões, observa-se que, quando a taxa SELIC é elevada em 1%, a despesa do setor público se eleva em pouco mais de R$ 4 bilhões.

A utilização da taxa básica de juros como instrumento preponderante desta política, com o objetivo explícito de manter a inflação em patamares baixos, através da contração da demanda agregada, faz com que o endivi-damento público se eleve, tendo em vista que boa parte da dívida pública está atrelada à taxa SELIC, ou mesmo acompanham o movimento desta.

Isso não só induz o governo a restringir suas contas, em prejuízo do in-vestimento público, gerando elevação do inin-vestimento financeiro em de-trimento dos investimentos produtivos e, como consequência geral, como promove a retração da economia.

Esses dados não só chamam a atenção para a baixa sensibilidade da inflação em relação à taxa de juros, mas também revelam significativo im-pacto, tanto em termos fiscais, quanto na dinâmica de crescimento da eco-nomia, somado à expressiva apreciação cambial. Em suma, isso evidencia que o BCB precisaria manter a taxa de juros em níveis demasiadamente elevados para que as metas de inflação sejam minimamente cumpridas, dentro do atual modelo de política monetária baseado no RMI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teve por objetivo analisar os possíveis impactos da estratégia de política monetária, baseada no Regime de Metas de Inflação, sob a in-flação e a dívida pública do Brasil, desde sua adoção no segundo semestre de 1999 até 2019. As evidências conjunturais e as observações teórico/em-píricas abordadas ao longo deste ensaio ressaltam as consequências advin-das da atual política monetária sobre a dinâmica de crescimento brasileiro,

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muito embora a condução da atual política monetária, baseada no RMI, configure apenas um dos fatores que contribuem para o pífio desempenho da economia brasileira.

A inflação brasileira, ao longo dos anos, tem se mantido estável em termos relativos, o que, por sua vez, indica a baixa eficácia da atual política monetária baseada no RMI. Uma possível explicação reside, inicialmente, na questão da baixa sensibilidade-juros da inflação, ou seja, um aumento da taxa SELIC apresenta pequeno impacto sobre as variações de preços, reforçando a hipótese de que a inflação brasileira é influenciada pelos preços administrados, pelos custos e pelos choques externos, e não predominantemente pela demanda, como o modelo de RMI pressupõe.

Por outro lado, averiguou-se que a restritiva política monetária basea-da em altas taxas de juros com o objetivo de conter a demanbasea-da agregabasea-da e, assim, reduzir a inflação, tem mantido efeitos perniciosos sobre a po-lítica fiscal, ao elevar o endividamento público. Adicionalmente, não são desprezíveis os gastos do setor público com o pagamento de juros. Como resultado da elevação do endividamento público, tem-se a redução do in-vestimento público, a elevação do inin-vestimento financeiro em detrimen-to dos investimendetrimen-tos produtivos, e como consequência geral, observa-se uma retração da economia.

A manutenção dessa estrutura tem colocado os objetivos macroe-conômicos (estabilização de preços/crescimento econômico) como algo antagônico, quando na verdade, sob uma perspectiva pós-keynesiana, a conciliação entre estes objetivos é passível de ser alcançada. Para isso, é necessário mudar as prioridades das políticas econômicas nacionais e con-trariar interesses, sobretudo dos agentes que se beneficiam da política an-ti-inflacionária de juros altos.

Por fim, para estudos futuros, sugere-se que os resultados aqui apre-sentados sejam alinhados às perspectivas de orientação do RMI conside-rando cenários que incluem os anos de 2020 e 2021, dado que a pandemia do coronavírus (iniciada em 2020) trouxe diversas consequências socioe-conômicas para o Brasil; consequências que culminaram na necessidade de alterações das modelagens de cenários e previsão feitas pela Secretária de Política Macroeconômica.

ROSÂNGELA TREMEL (ORGS.)

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