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De uma sociedade global a uma sociedade organizacional

Capítulo II – Globalização e educação

2.2. De uma sociedade global a uma sociedade organizacional

Ao perspetivar a escola como organização inserida num contexto mais vasto de construção social e política, assume-se que nela estarão também presentes as questões da democracia e da participação, do poder e da autoridade, da pluralidade de identidades e estilos de vida, de cidadanias.

Dado que neste trabalho se intenta o estudo de uma escola do grande Porto, torna-se importante perceber, em racional teórico, o modo como se estrutura a organização escolar nas suas principais dimensões – que modelos e culturas enquadra. Assim, neste ponto, tratam-se alguns dos aspetos globais da organização escolar, como fundamento teórico do trabalho empírico a realizar posteriormente.

Sublinhando a importância das organizações nas nossas vidas, o sociólogo norte-americano Amatai Etzioni escreveu:

A nossa sociedade é uma sociedade organizacional. Nascemos em organizações, somos educados em organizações e a maioria das pessoas consome grande parte da sua vida trabalhando em organizações. Despendemos uma boa parte do nosso tempo de lazer jogando e rezando em organizações. A maioria morrerá numa organização e, quando chega o momento do sepultamento, a maior organização de todas – o Estado – tem de dar permissão oficial (Etzioni, 1964: 1).

Sabemos que uma considerável parte da nossa existência ocorre em contextos organizacionais e que estes são determinantes na forma como vivemos e nos percebemos. A escola é um desses contextos que, pelo tempo que nela passamos, e pelas influências que dela recebemos, adquire centralidade de compreensão e de análise. Ao mesmo tempo, que ela é uma extensão de um sistema organizacional mais complexo e do qual depende e reproduz – o Estado – é também uma organização situada, pelo que o meio envolvente não deve ser subestimado. Na procura de um enquadramento teórico da escola entendida como comunidade organizacional, não podemos colocar de fora a própria definição de organização. Intuitivamente, sabemos o que queremos significar quando utilizamos o termo organização, mas torna-se difícil explicitá-la como definição formal. Remontamos, por isso, a uma definição originária, sustentada por Berelson & Steiner (1964), que nos ajudará a compreender o alcance holístico deste termo. Estes autores referem quatro características de uma organização, que a distingue dos demais agrupamentos:

A primeira é a formalidade. A organização típica apresenta um conjunto de metas, políticas, maneiras de proceder, regras e regulamentos, que lhe dão forma.

A segunda qualidade é a hierarquia, expressa numa qualquer estrutura piramidal.

Em terceiro lugar, a tendência para o grande número de pessoas, “o bastante para que sejam impossíveis relações estreitas”.

Por último, as organizações, normalmente, duram mais do que a vida humana (Berelson & Steiner, 1964: 364).

Tendo em conta este pano de fundo, muitas outras perspetivas de análise e de compreensão dos sistemas organizacionais podem ser encaradas. Por isso, e ainda que de forma sucinta, torna-se necessário perceber os aspetos essenciais da evolução da teoria das organizações nas diferentes tipologias de análise, aceções e configurações (Amitai Etzioni, 1974; Peter M. Blau & W. Richard Scott, 1979; Henry Mintzberg, 1995).

A maior parte dos especialistas desta área inclina-se para uma divisão das teorias das organizações em três tendências gerais (Goldhaber, 1974). A primeira escola, a teoria clássica, assenta no pressuposto de que os membros da organização são instrumentos para serem influenciados e usados pela administração. Ela procura responder a perguntas como as seguintes, formuladas por Goldhaber: “Como está dividido o trabalho? Como está dividida a força de trabalho? Quantos níveis existem de autoridade e controlo? Quantas pessoas existem em cada nível? Quais são as funções específicas do posto de cada pessoa?” (Goldhaber, 1974:24).

A segunda escola, usualmente chamada de relações humanas, assenta em proposições que afirmam serem de importância suprema as atitudes, valores e necessidades pessoais dos indivíduos. Goldhaber apresentou nos seguintes termos as questões fundamentais da escola das relações humanas:

Que papéis as pessoas assumem na organização? Que relações de status existem em resultado de vários papéis? Qual é o moral e a atitude das pessoas? Que necessidades sociais e psicológicas existem para as pessoas? Que grupos informais existem no interior da organização? (Goldhaber, 1974:24).

A terceira escola de pensamento em teoria organizacional pode ser denominada a escola dos sistemas sociais. Esse grupo de teóricos pressupõe que as organizações se baseiam na tomada de decisões e na solução de problemas e a tendência deles é para responderem às seguintes perguntas:

Quais são as partes essenciais da organização? Como se relacionam umas com as outras em termos de interdependência? Que processos na organização facilitam essas relações interdependentes? Quais são as principais metas da organização? Qual é a relação entre a organização e o seu meio ambiente? (Goldhaber, 1974: 24).

Ao evocar estas diferentes dimensões de análise não se procura fazer a genealogia da teoria das organizações, mas antes a perceção de que, na escola entendida como organização, estão presentes algumas das características de qualquer destas tendências de análise, que vêm alicerçando a heterogeneidade das análises mais recentes. Assim, a escola como instituição, e à semelhança do que acontece em outras instituições, vem desenvolvendo e reproduzindo uma cultura específica, ligada à própria origem da escola como instituição.

Entendendo a escola como uma organização socialmente construída, a ação dos que nela convivem torna-se fundamental para percecionar cada contexto específico que, por circunstâncias variadas, o vão reconstruindo por diferentes processos, desde os individualistas, os colaborativos, os negociais e até aos conflituais. Porém, mais do que a construção de um quadro teórico-concetual relativo à análise organizacional da escola, que perpasse cada uma destas perspetivas, interessa neste estudo compreender as bases em que se alicerça o funcionamento da escola portuguesa e as lógicas de ação que nela assentam.

O propósito de estudar a cidadania escolar traduzida no relacionamento intersubjetivo e nas práticas diárias dos seus membros, necessita também deste racional teórico, com que se possa

confrontar o ideário de uma cidadania decretada com a perceção da cidadania praticada, dando corpo ao subtítulo deste estudo – Entre a lei e a cidadania.