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Multiculturalismo, interculturalismo e educação

Capítulo II – Globalização e educação

2.7. Multiculturalismo, interculturalismo e educação

Falar dos jovens é falar também das suas diferenças. Tendo em conta que a escola em estu do tem alunos oriundos de várias coordenadas geográficas, alguns dos quais participam no nosso estudo empírico, importa falar sobre a relação existente entre multiculturalismo, interculturalismo e educação.

Moreira (2006) afirma que o foco na temática da identidade justifica-se, no mundo globalizado em que se vive, em termos teóricos, práticos e políticos. Vivemos em sociedades cada vez mais plurais, onde cresce diariamente a onda de migrações e de fluxos de pessoas e grupos e onde o desenvolvimento tecnológico permite o contato direto entre áreas geograficamente distantes.

Como referi no capítulo anterior, as bases da perspetiva essencialista que entendia a identidade cultural “como fixada no nascimento, como parte da natureza de cada um de nós, como impressa pelo parentesco e pela linhagem dos genes, como constituinte de nosso eu interior” (Moreira, 2006: 12) já não se sustentam no mundo atual. As transformações económicas, políticas, sociais e culturais da contemporaneidade deitaram-nas por terra. O sujeito pós-moderno não é mais um sujeito estável, com uma única identidade cultural. É um indivíduo fragmentado, composto não de uma, mas de várias identidades. Amin Maalouf ilustra esta nova conceção de sujeito, ao falar sobre a forma como sente a sua própria identidade:

Perguntam-me inúmeras vezes (…) se me sinto “mais francês” ou mais “libanês”. Respondo invariavelmente: “Um e outro!” (…), porque se respondesse de outro modo, estaria a mentir. Aquilo que faz com que eu seja eu e não outrem é o facto de me encontrar na ombreira de dois países, de duas ou três línguas, de várias tradições culturais. É isso precisamente que define a minha identidade. Tornar-me-ia mais autêntico se amputasse uma parte de mim mesmo? (Maalouf, 1998: 9).

Como refere este autor, a identidade não se compartimenta, não se reparte em metades nem em terços, nem se delimita em margens fechadas. A identidade é compósita, ou seja, constituída por pertenças múltiplas e é o conjunto de todas essas pertenças que constitui o sujeito. Este não pode ser obrigado a escolher porque “a identidade de uma pessoa não é uma justaposição de pertenças autónomas, não é um patchwork (…); se se tocar numa só das pertenças, é toda a pessoa que vibra” (ibidem: 36). Maalouf designa o sujeito pós-moderno de “ser fronteiriço”, porque o considera atravessado por linhas de fratura étnicas, religiosas,

Esta nova perspetiva sobre as identidades implica mudanças ao nível das práticas educativas e do currículo. Roger Dale, refletindo sobre os tempos educacionais, em Reconfigurações. Educação Estado e Cultura numa época de globalização, afirma que

Estas transformações implicarão não só mudanças significativas ou incrementais no curriculum ou mesmo do sistema educativo, mas também da educação enquanto instituição dentro da sociedade. Indicam também a profundidade da imbricação dessa instituição com a sociedade, que é de tal modo grande que transformar a educação enquanto instituição transformaria a sociedade tal como nós a conhecemos (Dale, 2006: 49).

Como referem Stoer & Cortesão (1999), os professores não podem continuar a ter um “olhar daltónico” em relação às diferenças. A tendência da educação escolar sempre foi para a homogeneização, ou seja, para a indiferença relativamente à diversidade cultural existente no seio das salas de aula. Os alunos pertencentes aos grupos minoritários sempre tiveram que se subordinar ao universo da maioria, sua língua e cultura, resultando tais práticas em situações de insucesso e abandono escolar.

Perante este quadro, têm surgido algumas propostas no âmbito do que se tem designado por educação inter e multicultural, termos que pressupõem conceitos distintos. A expressão “multicultural” refere-se a uma aceitação passiva da diversidade, enquanto, o termo “intercultural” pressupõe a “interação e o intercâmbio entre as culturas ou subculturas” (Leite, 2002a: 147).

Carlos Alberto Torres na obra Democracia, Educação e Multiculturalismo (2001), atribui à educação escolar responsabilidades superlativas na construção e na vivência de uma “teoria da cidadania multicultural democrática” (ibidem: 247), aproveitando as diferenças que nela confluem e se manifestam. Tendo em conta esta proeminência, o autor apresenta as virtudes cívicas que aí, bem como noutras instâncias de socialização, devem ser cultivadas:

- “ A virtude da tolerância”;

- “ A epistemologia da curiosidade”; - “ A virtude da esperança”;

- “ A virtude da espiritualidade secular, ou não religiosa do amor”; - “ A virtude da capacidade para o diálogo” (Torres, 2001: 284-288).

Carlinda Leite, por outro lado, realça a importância da interação com as diferenças, dentro de uma lógica intercultural, como oportunidade de evolução e de enriquecimento das sociedades

e como promotora de pontes entre “culturas incompletas” que ultrapassem o mero “multiculturalismo benevolente” (2005: 13).

A proposta de uma educação inter/multicultural encontra ainda bastante resistência nas escolas, devido à existência de várias conceptualizações das diferenças. Stoer & Magalhães (2005) definem quatro modelos: o etnocêntrico, o da tolerância, o da generosidade e o relacional. Segundo estes autores, a primeira parte do pressuposto de que a forma de pensar, de viver e de se organizar da sociedade maioritária é superior à dos grupos minoritários. O “outro” é diferente, porque é inferior em termos de desenvolvimento cognitivo e cultural. Dentro desta perspetiva, a educação assenta “na transmissão de valores e saberes assumidos como indiscutíveis e universais” (ibidem: 139). O processo educativo é encarado como o processo através do qual as crianças e jovens dos grupos minoritários se integram na sociedade de acolhimento através de um processo de assimilação. Este modelo acaba por negar os princípios de uma educação inter/multicultural, uma vez que a sua abordagem é monocultural (Stoer & Cortesão, 1999).

O modelo da tolerância atribui alguma legitimidade à diferença do outro. Parte do pressuposto de que já não é possível colocá-lo fora do nosso convívio e nesse sentido tolera-o, atribuindo- lhe um lugar (Stoer & Magalhães, 2005), o de tolerado. Em termos de educação, este modelo traduz-se pelo multiculturalismo educacional “benigno” (Stoer & Cortesão, 1999), o qual se traduz por uma atitude de mera contemplação das diferenças, aceitando acriticamente a diversidade sem a reconhecer. Em termos do currículo, esta orientação conduz a uma “folclorização” das diferenças (Leite, 2002a), ou seja, a trabalhar esporadicamente e de forma fragmentada, temas da diversidade cultural que promovem um olhar do “diferente” como algo estranho e exótico.

O modelo da generosidade tenta levar mais longe a sua relação com a diferença. Trata -se de “uma proposta para a construção de uma educação inter/multicultural “crítica”, que combate a redução das diferenças à sua componente folclórica e que se opõe, sobretudo, à edu cação inter/multicultural “benigna” (Stoer & Magalhães, 2005: 139). Neste sentido, promove-se o desenvolvimento de dispositivos de diferenciação pedagógica, assumindo-se “a necessidade de construir pontes entre culturas conceptualizadas como “incompletas” (ibidem: 140). É importante que o outro seja conhecido através da educação e não simplesmente reconhecido. O conhecimento assume-se assim como emancipatório (ibidem).

O modelo relacional baseia-se na assunção de que todos somos diferentes. A diferença está no outro, mas também está em nós. Assim, “é a própria alteridade que assume agência, que se

simultaneamente na ponte e nas margens, ou seja, fazer da educação um lugar de encontro/ confronto das diferenças e da sua negociação e, por outro, um lugar ele próprio agenciado pela diferença. Dentro desta perspetiva, o currículo pode assumir-se como contra-hegemónico (Connell, 1999). Não se trata da substituição de uma hegemonia por outra, mas de uma construção curricular, para todos, que tenha em conta o ponto de vista dos grupos minoritários.

A construção deste tipo de escola exige uma mudança de perspetiva social. Rejeita-se o modelo assimilacionista, em favor de um modelo de educação inter/multicultural.