• Nenhum resultado encontrado

Do título da investigação à definição do quadro conceptual e do referencial teórico

Antes de mais, importa ressaltar que a clarificação de conceitos, que estão intim amente ligados à problemática do desenvolvimento pessoal e social e da cidadania no âmbito da educação escolar, não se circunscreve a esta primeira abordagem incipiente, dado que à medida que o estudo se foi desenvolvendo, tornou-se necessário envolver, implicar, e aprofundar novos conceitos.

Contudo, e, em primeiro lugar, convém esclarecer, o que se quer significar com o título atribuído a este trabalho, Desenvolvimento pessoal e social, entre a lei e a cidadania, explicitando que este procura dar conta da intenção de promoção da cidadania pela educação e do real desenvolvimento de emancipação daqueles a quem se destina, no contexto da vida escolar, isto é, nos espaços e tempos da escola. Contudo, a proposta de promoção da cidadania

não se esgota nesse espaço, tanto mais que a sua finalidade aponta para projeções desenvolvimentais multidimensionais, pós escolares. Tal significa que a educação e a aprendizagem são entendidas não apenas como frequência escolar, mas como uma formação que ocorre e percorre a existência de quem a frequenta, numa aprendizagem para a vida. Este é um lugar teórico do pensamento educativo que está, por vezes, longe da realidade das práticas educativas, habitualmente mais preocupadas com resultados massificadores do que com projetos humanizados, subtraindo tendencialmente, ou implicitamente a ideia de pessoa como sujeito em formação. De facto, a instituição escolar pública tem-se orientado, historicamente, pela focalização no desenvolvimento, da dimensão cognitiva e mental, dos saberes daqueles que a têm vindo a frequentar (Guimarães, Sobral & Menezes, 2007; CNE, 2012). Outros aspetos formativos, como a articulação do desenvolvimento pessoal, social, ético, espiritual e de cidadania continuam a ficar secundarizados pela escola pública, atribuindo-se essa responsabilidade prioritária aos contextos da família e da religião, entre outros (Guimarães, Sobral & Menezes, 2007).

As alterações sociais e culturais das últimas décadas determinaram mudanças profundas, quer das funções da escola, como das restantes instituições. A par do decréscimo do impacto das instituições externas à escola, nota-se o aumento de expectativas, relativamente à educação escolar, procurando atribuir-lhe papéis e saberes para além da sua função tradicional específica, sobretudo no âmbito da psicologia e, em consequência, da psicopedagogia (ibidem). Pressupõe-se que o educando não é apenas um aluno, mas uma pessoa em aprendizagem e, como tal, motivo de estimulação de um desenvolvimento, tanto quanto possível integral.

Esta problemática, do desenvolvimento pessoal e social, aliada à educação para a cidadania em contexto escolar, tem sido objeto de investigação, quer no plano da teoria e do desenvolvimento curricular, quer no plano das didáticas específicas, sobretudo a partir da criação da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986). Rocha (1987), Patrício (1992), Abreu (1995), Menezes (1998), Formosinho (1999), Henriques, Loia & Reis (1999), Lima (1998), Beltrão, (2000), Figueiredo, (2001) e Pinto (2005) são alguns dos autores que descrevem e sintetizam estratégias pedagógico-didáticas sobre esta matéria.

Por sua vez, Barata-Moura (1999) e Branco (2007) afirmam que a expressão “educação para a cidadania” tem vindo a assumir um papel crucial nos ideários das sociedades modernas ocidentais, sendo o espaço escola escolhido como o ambiente privilegiado dessa preponderância. No entanto, parece existir um distanciamento entre os ideários de cidadania

propostos e um outro que vai emergindo nos diferentes contextos e espaços, sejam eles nacionais ou internacionais.

Segundo estes autores, torna-se necessária, por isso, uma nova interpretação da escola e, ao mesmo tempo, a capacidade de a própria escola se reinterpretar nas suas especificidades e funções, orientando e favorecendo processos de aprendizagem centrados no desenvolvimento pessoal e social e numa perspetiva de cidadania fundada na autonomia e na responsabilidade. Também a abordagem espartilhada dos termos desenvolvimento/pessoal/social tem, ao longo dos tempos, merecido a atenção de muitos investigadores, de diferentes áreas, nomeadamente nos campos da política, da psicologia, da sociologia, da economia e da cultura. Porém, é sobretudo no âmbito da educação em geral, e da educação escolar em particular que a expressão semanticamente composta “desenvolvimento pessoal e social” tem sido objeto de análise e de interesse pedagógico e disciplinar, nomeadamente, por parte de Carneiro (1988), Marques (1990, 1991, 1998), Praia (1991), Campos (1992), Cunha (1994) e Menezes (1998, 2007). Na perspetiva destes autores, que partilho, o desenvolvimento pessoal e social é entendido como uma possibilidade desejável, e passível de construção efetiva pela educação escolar, pressupondo que, através dessa construção, se poderá proporcionar a emergência de cidadãos conscientes da sua liberdade e autonomia e capazes de intervir, participar e colaborar de forma responsável na vida pública.

Pretendo com tal significar que, ao ligar as expressões de desenvolvimento pessoal e social e de cidadania, numa perspetiva educativa, focalizo a atenção na realização humana, no âmbito do contexto escolar. Contudo, ao estabelecerem interações entre si, os diferentes atores educativos estruturaram, influenciam e/ou modificam modos de aprendizagem, de pensamento e de ação, podendo esses modos, ao mesmo tempo refletir e arquitetar estilos de vida e do exercício da cidadania, para além da esfera e do tempo escolar.

Neste propósito, considera-se a existência de uma simbiose entre a educação escolar, o desenvolvimento pessoal e social e o exercício da cidadania. Por outro lado, a aportação da pluralidade de perspetivas e de modelos de inovação em educação, próprios do âmbito escolar, poderão propor novas práticas educativas e, consequentemente, novos projetos escolares e de vida social.

A preponderância dada a esta área denota o interesse na promoção de uma ponte entre as políticas e as práticas educativas, para que, através da educação formal e não formal, se estabeleçam planos de operacionalização e programas de educação para a cidadania democrática. Paralelamente, a educação escolar adquire centralidade nos discursos e programas governamentais, e torna-se num dos temas preferidos do debate político.

Esta dimensão de análise assenta num referencial teórico de Stoer & Magalhães (2005), o qual procura compreender os modelos de cidadania – representativa/atribuída e participativa/reclamada. Segundo estes autores, a estrutura da cidadania atribuída pela regulação estatal, no âmbito do contrato social moderno, começa a ser abalada por fatores pessoais, locais, étnicos e por modos de vida alternativos, que reivindicam, a resolução do contrato social moderno, e formas renovadas de cidadania pensadas a partir das diferenças. Acresce referir que esta cidadania reclamada tem a sua origem no “caráter incompleto da cidadania atribuída (…), de ser intrinsecamente incapaz de traduzir o reconhecimento em cidadania participada” (Stoer, Magalhães & Rodrigues, 2004: 93).

Transpondo este referencial teórico para o domínio da educação escolar, importa saber em que medida estes modelos de cidadania estão presentes nas práticas pedagógicas e nos quotidianos das nossas escolas. De facto, a educação escolar, reclamada pelos diferentes grupos e indivíduos, já não está delimitada pela estrutura política do Estado-nação moderno, mas por contextos mais complexos, que vão desde as opções pessoais por certos estilos de vida até à transnacionalização da estrutura do mercado de trabalho, passando pela comunidade (Stoer, Magalhães & Rodrigues, 2004).

A dificuldade geral em lidar com esta nova realidade, transporta para o espaço da escola a necessidade de criar novas competências (pedagógicas e didáticas) e novas responsabilidades, obrigando-a a repensar, prevenir e atuar, em conformidade com estas mudanças. Ao assumir- se o referencial teórico das cidadanias atribuídas e reclamadas, pretende-se articulá-lo com outro referencial, o do desenvolvimento pessoal e social (Campos, 1991; Menezes, 1998), ou seja, pretende-se encarar a educação para a cidadania como a possibilidade de construção de identidades, que possibilitem a participação ativa e democrática, em todas as vertentes da vida social, e em que se perspetive a formação de novas competências. Neste contexto, entende-se a educação para a cidadania não apenas como uma disciplina ou momento de escolaridade, mas como algo que decorre na escola e perpassa o percurso existencial de cada um, isto é, o seu desenvolvimento pessoal e social.

Subscreve-se a ideia de que a escola é um espaço privilegiado de educação marcante da vida das sociedades e, por isso, com funções de desenvolvimento pessoal e social. Numa sociedade em que se espera que a escola seja mais do que um mero instrumento do Estado regulador, enquanto segmento reprodutor formativo e de estilo taylorista, orientado para a mecanização da vida social massificada, através da atribuição de diplomas ou certificações, importa saber qual a capacidade em lidar com esta nova ontologia social, que cada vez está mais presente na

Tal como Paulo Freire (1997a), assume-se uma visão otimista da educação escolar, onde é possível promover a emancipação humana através de novas práticas escolares.