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Para a construção de uma escola democrática

Capítulo III – O papel do DPS e da educação para a cidadania numa sociedade de tensões,

3.7. Para a construção de uma escola democrática

Entendendo a cidadania como algo que está inerente à natureza da pessoa humana, e neste sentido aberta a acolher a colaboração na sua construção e aperfeiçoamento, através de contextos concretos, importa ponderar nas condições de promoção do seu desenvolvimento. Doutra forma, como alerta Gimeno Sacristán,

De que serve a liberdade de expressão se não temos nada que expressar ou se os meios para o fazer se encontram monopolizados? Ou de que serve a liberdade de pensamento se não temos ideias pessoais para expressar, se não somos capazes de sairmos daquilo que todo o mundo pensa, do que dizem os meios de comunicação homogeneizados ou o que dita o pensamento único? (Sacristán, 2003:221-222)

A possibilidade de ultrapassar estas interrogações de Gimeno Sacristán, passará certamente pelo estabelecimento de uma ampla correlação entre desenvolvimento pessoal, educação e cidadania e participação – o que constitui a construção do fio condutor idealizado. Efetivamente, o desenvolvimento pessoal e social das pessoas será tanto mais sólido quanto maior for a sua capacidade científica, educacional, económica e cultural e a sua capacidade de participação na vida social. Barata-Moura reforça esta ideia ao afirmar que

Um povo culto, realmente culto, não sofrerá sem combate a persistência pegajosa de formas pobres de afirmação cidadã, até porque do cultivo da sua humanidade faz certamente parte um enriquecimento das suas exigências cívicas de emancipação (Barata-Moura, 2003: 97).

Esta cultura torna-se necessária para que se promova e desenvolva um espírito empreendedor, onde as vozes singulares e a iniciativa redundem em escolhas informadas e conscientes. A sustentação das sociedades, das economias e da cultura está, do mesmo modo, ligada às possibilidades de aprendizagem e ao acesso à informação que os cidadãos possuam. Ora, isto transporta para a educação em geral e para a escola em particular uma responsabilidade de promoção do espírito criativo, livre e empreendedor, identificado com a projeção cidadã livre e responsável.

A perceção desta realidade levou a que, um pouco por todo o mundo, sobretudo nos países mais desenvolvidos, se tenha ampliado o número de anos de escolaridade obrigatória. Como referem Magalhães & Stoer,

Em grande parte do mundo ocidental, e não só, a educação escolar, na sua forma de “escola para todos”: quase que se universalizou e se tornou a pedra de toque dos discursos sobre o próprio desenvolvimento nacional. A equação mais educação igual a mais desenvolvimento, embora matizada ao longo dos últimos três séculos, acaba por ser a chave de interpretação da importância dada pelos diferentes Estados aos seus sistemas educativos (Magalhães & Stoer, 2006: 29).

Também em Portugal, a passagem de nove para doze anos de escolaridade obrigatória, decretada em 27 de agosto de 2009 (pela Lei n.º 85/2009) corresponde a essa equação a que António Magalhães se refere, supondo ser um passo bastante importante para o

desenvolvimento das pessoas/cidadãos, bem como para o incremento de sociedades mais justas e democráticas. Porém, o mero aumento do número de anos de escolaridade obrigatória, por si só, não vislumbra a resolução das apatias de cidadania nem as exclusões sociais, nem a ausência de criatividade ou de empreendedorismo. Como refere este autor

Interessantemente, não é na fragilização deste pressuposto que a educação escolar parece fazer assentar a sua crise, mas antes na modificação de dois dos seus suportes centrais. Isto é, 1) a natureza “pública” desta forma de escolarização está a ser colocada em causa e 2) a atitude dos cidadãos, em relação aos quais ela foi pensada como um direito imediatamente atribuído, mostra importantes sinais de alteração (ibidem: 29-30).

Por isso, a par deste avanço, afigura-se como essencial a ponderação da qualidade das aprendizagens e das metodologias, que se desenvolvem nos espaços educativos, bem como a consideração dos diferentes posicionamentos dos seus constituintes, “que vão desde as opções pessoais por dados estilos de vida até à transnacionalização da estrutura do mercado de trabalho, passando pela comunidade, tantas vezes reinventada” (ibidem: 30-31).

Considera-se, assim, que a educação para e na cidadania deve constituir-se como um eixo transversal e essencial a toda a vida na escola, e não “um não lugar ou lugar branco” (ibidem:28) possibilitando o desenvolvimento pessoal, da comunidade escolar e da própria sociedade. Mas também não pode deixar de se considerar que, “num momento em que a Educação para a Cidadania – em Portugal como noutros países europeus – parece ser atirada para o fundo das gavetas ministeriais pelas piores razões” (Menezes & Ferreira, 2012: 7), este é um

Trabalho de resistência que as escolas, a/os professora/es e a/os aluna/os insistem em fazer no seu quotidiano, assumindo os seus direitos a uma cidadania ativa e participatória nas escolas e nas comunidades, muito para além, como nos lembraria António Sérgio, dos pequenos decretos e daquilo que pode ser decretável (ibidem).

É precisamente por causa dessa constante reinvenção (Magalhães & Stoer, 2006), a par de um constante trabalho de resistência (Menezes & Ferreira, 2012), que a educação escolar adquire relevância e centralidade de expressão democrática, não como reprodutora das ondas massificadoras ou das tendências políticas governamentais, mas antes como promotora de vivências cidadãs e democráticas, capazes de promover o desenvolvimento pessoal e social dos sujeitos que a integram/incluem.

Também, no espaço escolar, a expressão da cidadania nas vivências mais diversas, brota de um estatuto de pertença e de identidade pessoal e comunitária que possibilita a cada um dos seus membros direitos e deveres partilhados. O exercício da cidadania, no ambiente educativo escolar, não pode pois cingir-se ao conhecimento da orgânica das instituições do sistema educativo, nem tão pouco a votações esporádicas, participação em protestos, manifestações, debates, comemorações festivas e ao cumprimento das regras estipuladas nos regulamentos internos. Para além disso, e tal como no âmbito das vivências sociais diárias, o exercício da cidadania, na vida da escola, manifesta-se sempre que irrompe a dignidade de cada pessoa que aí vive, nas vozes e atitudes quotidianas conscientes, que possibilitam o desenvolvimento pessoal, da comunidade escolar e da própria sociedade.

A cultura da cidadania e da democracia torna-se, assim, no valor superlativo da vida da escola e da educação escolar, sempre que, muito para além dos saberes disciplinares, se aposte na centralidade das pessoas, pois, em última análise, são elas que abarcam a noção de escola. Assim, e tal como sintetiza Paulo Freire,

A vida da escola deve tornar-se num espaço acolhedor e multiplicador de certos gostos democráticos e certas exigências éticas (…) onde todos possam ser ouvidos, onde se respeite a maioria e a expressão da sua contrariedade, e se promova a crítica e o debate (Freire, 2003: 89).