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Diagrama que salva vidas

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CAPÍTULO IV – HIPERLOCAL E BIG DATA

1. Compreendendo o Hiperlocal

1.3 Diagrama que salva vidas

O mapeamento de informações tem registros centenários, como por exemplo, a enfermeira britânica, Florence Nightingale, que usou a estratégia de visualização de informações desenhando um diagrama de causas de mortalidade conhecido por

Diagram of the Causes of Mortality para apontar que a doença era uma ameaça maior

que a guerra da Crimeia, que aconteceu na península da Crimeia, no Mar Negro, sul da Rússia e região dos Balcãs entre outubro de 1853 e fevereiro de 1856.

Essa guerra deixou ao menos 700 mil mortos, feridos e presos entre as duas forças de batalha. Florence Nightingale chegou na Turquia em outubro de 1854 com um grupo de mulheres dispostas a trabalhar como enfermeiras voluntárias nos hospitais.

Quando estava trabalho no auxílio dos soldados no hospital, foi percebendo que os soldados estavam morrendo por desnutrição e péssimas condições sanitárias do ambiente hospitalar. A enfermeira trabalhou para melhorar as condições de saúde dos feridos e dos sobreviventes de guerra, como melhorar a limpeza do hospital e começou a desenhar gráficos estatísticos e fazer registros do número de mortos nos hospitais.

Após a guerra, Florence Nightingale voltou à Grã-Bretanha para fazer campanha para melhoria das condições dos hospitais. Ela elaborou diagramas em formatos de coxcombs ou rosas para mostrar que houve mais mortes por causa de doenças do que morte por feridos na Guerra da Criméia.

Após ela apresentar os dados para os membros do Parlamento e funcionários públicos, ela foi eleita a primeira mulher da Royal Statistic Society (Real Sociedade de Estatísticas) e posteriormente tornou-se membro honoraria da American Statistical

Association (Associação Americana de Estatísticas).

Após este diagrama, Nightingale fez um estudo sobre as condições de saúde do contingente do real exército britânico que estava ocupando a Índia, que foi uma colônia inglesa. As péssimas condições de saneamento básico da população, bem como dos soldados britânicos fazia a taxa de mortalidade ser muito elevada.

Figura 25 – ‘Diagrama das Causas de Morte no Exército no Leste’ (1858)66

FONTE: Wikipedia from Notes on Matters Affecting the Health, Efficiency and Hospital

Administration of British Army.

Ela conseguiu implantar uma importante reforma sanitária no país indiano que demorou 10 anos. Após esse período, um novo levantamento foi realizado e chegou- se ao esperado, que é queda da mortalidade dos soldados de 69 para 18 por 1000 habitantes.

66 UNIVERSIDADE DE PRINCETON. Medicine. Disponível em: <http://libweb5.princeton.edu/visual_

materials/maps/websites/thematic-maps/quantitative/medicine/medicine.html>. Acesso em: 3 abr. 2016.

Figura 26 – Diagrama que representa a mortalidade de feridos e mortos por doenças nos hospitais do Exército Britânico no período de abril de 1854 a março de 1856

FONTE: Universidade de Princeton.

1.4 Mapa vence o cólera em Londres

À época, um verão no final da década do ano de 1840, a cidade de Londres era a capital da monarquia vitoriana, na Inglaterra, com um pouco mais de 2,5 milhões de habitantes, que por causa de maus hábitos e falta de saneamento básico sofreu um surto de cólera. Para se ter uma ideia, mais de 500 pessoas morreram em apenas dez dias. Estima-se que 62 mil vidas foram perdidas, entre 1848 e 1849, no primeiro surto e, no segundo surto, entre 1853 e 1854, mais de 31 mil vidas foram ceifadas. A falta de estrutura adequada e de cultura para o saneamento básico foi a grande vilã dessas mortes. A falta de infraestrutura muito crítica, bem como por exemplo, dezenas

de pessoas amontoadas em uma casa pequena ou centenas em um quilômetro quadrado. A sujeira reinou no ambiente interno e externo, pois, os detritos humanos, como fezes e urina eram despejados nas ruas ou em fossas tranquilamente.

Foi então que, após inúmeros anos de luta pela sobrevivência através das poucas rotas de transmissão a sua disposição, o Víbrio cholerae tirou a sorte grande. Os seres humanos começaram a se reunir em áreas urbanas com densidades populacionais que excediam tudo o que jamais se registrara na história: cinquenta pessoas amontoadas em uma casa de quatro andares, cem em um único quilômetro quadrado. As cidades ficaram esmagadas pela imundice do homem (JOHNSON, 2006, p.47).

E na malcheirosa Londres, existiam trabalhadores que faziam o serviço sujo, dedicados a fazer essa tarefa insalubre de recolher as fezes, ossos e detritos nas sarjetas e nas ruas da cidade vitoriana. Principalmente na região do Soho. Lá era uma ilha de pobreza proletária e de indústrias fétidas, encravada no próspero West End, rodeada pelas formosas casas de Mayfair e Kensington, na área da Berwick St. e

Broad St. (após 1936, foi denominada por Broadwick Street).

Esta é uma história com quatro protagonistas: uma bactéria letal, uma grande cidade e dois homens igualmente talentosos, mas muito diferentes. Em uma semana sombria, há mais de cento e cinquenta anos, suas vidas se defrontaram em meio ao imenso horror e sofrimento humano na Broad

Street, extremo oeste do bairro do Soho (JOHNSON, 2006, p.11).

Esse é o cenário narrado na obra “O mapa fantasma: como a luta de dois

homens contra a cólera mudou o destino de nossas metrópoles", do pesquisador

Steven Johnson, que levantou vários relatos de sobreviventes, registros históricos e informações das investigações conseguidas pelas autoridades meses subsequentes do surto de cólera na Londres do século XIX.

A metrópole inglesa viveu um conflito de ideias e de teorias para tentar descobrir as causas da cólera e o que seria necessário para fazer o combate dessa moléstia. Edwin Chadwick, do Comitê Geral de Saúde Pública, defendia a teoria miasmática. Ele afirmava e acreditava com convicção de que ao respirar o ar mau cheiroso poderia ocorrer a transmissão da doença. O cheiro ruim poderia contaminar qualquer um, isto é, a contaminação passaria entre os humanos que respirassem o mesmo ar de um vetor. A indústria de medicamentos da época não perdeu tempo e tentou embarcar na história para prover a cura. Um classificado do Times londrino tinha a seguinte descrição para a cura da cólera.

FEBRE E CÓLERA – O ar de cada cômodo em que apareceu a doença deve ser purificado com o uso do Fluido Purificador de Ar Saunder. Esse poderoso desinfetante destrói os odores nocivos em instantes e impregna o ar com uma refrescante fragrância. – J. T. Saunder, perfumista, 316B, Oxford-

street, Regent-circus; e todos os boticários e perfumistas. Preço: 1 xelim

(JOHNSON, 2006, p.52).

Do lado oposto, a teoria da transmissão da cólera pela água foi defendida pelo médico anestesiologista John Snow, estabelecido no Soho e que posteriormente tornou-se cirurgião da rainha Vitória. O especialista Snow tinha suspeitas de que a água era o principal vetor de transmissão. Para isso, ele começou um intenso trabalho de investigação. Levantou o histórico de comportamento dos moradores que consumiam água em todas as bombas da cidade, hábitos, rotinas, número e perfil de moradores na residência, características da residência, histórico de contaminação e concebeu os dados em um mapa para levantar onde havia o maior número de mortos.

Quando acontecia uma morte a morte de um morador devido a doença, era feita uma marcação no mapa para apontar a casa da vítima, com um traço e de depois fazia uma nova uma investigação sobre os hábitos dos moradores.

Cada marca correspondia a uma morte registrada. O pastor da comunidade, Henry Whitehead, com seus pouco mais de 28 anos, foi um parceiro do acaso que foi fundamental para o Snow. Whitehead ajudava o médico a fazer o monitoramento do mapa, visitando os moradores, levantando cada história de vida, o comportamento, analisando o perfil das condições de moradia e comportamento cotidiano naquela região. Ele sempre buscava os seguintes dados: nome; idade; posição dos quartos ocupados; instalações sanitárias; água consumida em relação à bomba de Broad

Street; e a hora do começo do ataque fatal.

A partir deste mapa e das entrevistas e informações colhidas dos moradores da região e de transeuntes levantadas por Whitehead, Snow percebeu a concentração de casos em determinados locais até chegar ao problema que era a bomba de água instalada na Broad Street, esquina com a Cambridge Street. Doentes vindos da região do Soho sobrecarregavam os hospitais de Middlesex, Guy, St. Thomas, São Bartolomeu, Charling Cross, Universitário de Londres e de Westminister. John Snow conversou com centenas de pessoas que citavam sempre a bomba de água. Os frequentadores que consumiam a água daquela bomba consideravam o líquido com bom paladar e limpa. Era considerada uma fonte de água confiável e límpida. Com

um agradável toque de gás carbônico, era mais fresca que a água encontrada nas bombas com que rivalizava (JOHNSON, 2008, p, 37).

A bomba suspeita instalada tinha oito metros, estendia-se por baixo da camada de três metros de lixo e entulho, chegava até o Hyde Park. O equipamento foi lacrado em meio aos protestos. Quando foram feitas escavações, foi constatado que o poço foi de fato contaminado por uma fossa onde era lançado os excrementos das pessoas com cólera.

Figura 27 – Mapa completo de John Snow: por meio do mapa ele descobriu a origem do vetor da cólera. O mapa serviu também como registro das mortes

Fonte: JOHNSON, 2006, p. 175

Com o mapa de mortos, Snow levantou um novo mapa com a circulação dos vivos no entorno da bomba da Broad Street e de outras três bombas que atendiam a

região. Foi a partir deste mapa estruturado, aconteceu um controle epidemiológico e os casos da doença começaram a ser registrados e documentados.

“O mapa de Snow – animado pelo conhecimento direto da realidade do bairro – era algo completamente distinto: era uma autorrepresentação do bairro, que, ao delinear seus próprios padrões em um mapa, transformava-os em uma verdade mais profunda. O mapa era, sem dúvida, um brilhante trabalho de informação e de epidemiologia. E também a representação de certo tipo de comunidade, representando as vidas densamente interligadas de um bairro metropolitano [...]” (JOHNSON, 2006, p. 181).

Após o fim desta epidemia, em 1865 o governo vitoriano construiu um sistema de esgoto e elevatórias para o rio Tâmisa.

Figura 28 – Mapa de Snow aponta a bomba de água (Pump) problemática. O poço foi contaminado por uma fossa com excrementos de infectados por cólera

Fonte: JOHNSON, 2006, p. 175

Novamente, outro surto de cólera foi registrado e mais mortes foram registradas. Então, depois deste novo episódio, a teoria de John Snow foi considerada relevante e importante pelos especialistas médicos londrinos. Este trabalho árduo levou John Snow ao patamar de inovador e apontado como um dos pais da epidemiologia moderna. Desde 1992, no local próximo a antiga bomba, existe uma réplica da bomba de água problemática e um memorial dedicado ao médico inglês.

Esta técnica pode ser usada nos dias atuais e é considerada uma forma de informação profunda de uma área geograficamente pequena. Snow aplicou de forma ‘inconsciente’ técnicas de hiperlocal para conseguir contornar o surto de cólera na cidade de Londres.

Figura 29 – Réplica da bomba problemática, próximo ao local da antiga bomba.

Fonte: Wikimedia Commons

Por isso, é necessário refletir: se naquela época, um trabalho investigativo feito por duas pessoas – um médico e um pastor –, a quatro braços, batendo perna, de porta em porta, corpo-a-corpo, com muita conversa, entrevistas, raciocínios e trabalho investigativo, foi possível salvar milhares de vidas. Assim foi possível modificar radicalmente a rotina e a cultura sanitária de uma metrópole global e de aprimorar as práticas de saúde usadas até os dias atuais.

Imagina o que pode ser feito nos dias atuais com outras ferramentas digitais de

web e de redes sociais, usando apenas um computador, um notebook, um smartphone e algumas outras tecnologias que estão ao nosso alcance? As

ferramentas citadas são apenas uma pequena fração de alguns meios que de maneira geral afetam a relação entre jornalismo e leitor.

Sendo assim, o jornalismo tem que seguir fora da tangente e também começou a se aprimorar, para buscar novas formas de transmitir a informação, fugindo do tradicional artigo, áudio e imagem, que com a chegada da web, se tornaram um complemento informacional (SQUIRRA, 2012, p. 107). Com este complemento informacional é possível dar novas perspectivas e prismas a uma informação jornalística ao público e a sociedade.

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