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A distinção fundamental entre beneficiários e não beneficiários da liberdade de circulação ao abrigo do direito da União

O REGIME JURÍDICO DA PASSAGEM DE PESSOAS NAS FRONTEIRAS EXTERNAS E INTERNAS DA UNIÃO EUROPEIA

III. Regras e excepções em matéria de passagem das fronteiras internas

1. A distinção fundamental entre beneficiários e não beneficiários da liberdade de circulação ao abrigo do direito da União

1.1. O artigo 3.º do CFS (que, como se viu, estende o âmbito subjectivo de aplicação deste “a todas as pessoas que atravessem as fronteiras internas ou externas de um Estado-Membro”) salvaguarda expressamente, em formulação prolixa, “os direitos dos beneficiários do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União” [alínea a)]. Em caso de conflito, tais direitos prevalecem sobre as regras do CFS susceptíveis de os pôr em causa11. Com isto, o CFS remete

para uma distinção fundamental entre a categoria de pessoas formada por tais beneficiários, por um lado, e, por outro, aquela que integra os “nacionais de país terceiro” que não beneficiem do “direito à livre circulação ao abrigo do direito da União”.

A primeira categoria, definida pelo artigo 2.º, ponto 5, engloba não só (i) os cidadãos da União na acepção do artigo 20.º, n.º 1, do TFUE, bem como os nacionais de países terceiros membros da família daqueles cidadãos que exerçam o seu direito à livre circulação, identificados pela Directiva 2004/38/CE, mas também (ii) “os nacionais de países terceiros e membros das suas famílias, independentemente da sua nacionalidade, que, por força de acordos celebrados entre a União e os seus Estados-Membros, por um lado, e esses países terceiros, por outro, beneficiam de direitos em matéria de livre circulação equivalentes aos dos cidadãos da União”12.

10 Em consonância com estas disposições, o Anexo II ao CFS determina o registo, “em todos os pontos de passagem de fronteira”, nomeadamente das recusas de entrada, motivos e nacionalidade de que delas foi destinatário, assim como das queixas de pessoas sujeitas a controlos.

11 Para maiores desenvolvimentos, ver STEVE PEERS, EU Justice and Home Affairs Law. Volume I: EU

Immigration and Asylum Law, 4.ª edição, OUP, Oxford, 2016, p. 118.

12 Entre esses acordos contam-se (i) o relativo ao Espaço Económico Europeu, assinado no Porto em 2 de Maio de 1992, ao abrigo do qual “beneficiam de direitos em matéria de livre circulação equivalentes aos dos cidadãos da União” os nacionais da Islândia, da Noruega e do Liechtenstein e os membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, e (ii) o Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de Junho de 1999, ao abrigo do qual os nacionais suíços e os membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, “beneficiam de direitos em matéria de livre circulação equivalentes aos dos cidadãos da União”. Em contrapartida, a Directiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de Novembro, relativa ao estatuto dos residentes de longa duração, apesar de determinar que, “logo que obtenha no segundo Estado-Membro o título de residência (…), o residente de longa duração deve beneficiar nesse Estado-Membro da igualdade de tratamento (artigo 11.º) não pode ser interpretado como fazendo beneficiar os nacionais de países terceiros titulares desse estatuto de “direitos em matéria de livre circulação equivalentes aos dos cidadãos da União”. Isto porque o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que “os Estados-Membros podem limitar às prestações sociais de base a igualdade de tratamento no que diz respeito à assistência social e à protecção social”; para maiores desenvolvimentos, ver o acórdão de 24 de Abril de 2012, Servet Kamberaj, C-571/10, n.ºs 82 e segs. e o comentário de STEVE PEERS in Common Market Law Review, 50, 2013, pp. 529 e segs.

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O CONTENCIOSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO RELATIVO A CIDADÃOS ESTRANGEIROS E AO REGIME DA ENTRADA, PERMANÊNCIA, SAÍDA E AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS, BEM COMO DO ESTATUTO DE RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO - 2.ª edição atualizada

O regime jurídico da passagem de pessoas nas fronteiras externas e internas da União Europeia

A este respeito, o 5.º considerando é expresso: “A definição de um regime comum em matéria de passagem de pessoas nas fronteiras não põe em causa nem afecta os direitos em matéria de livre circulação” de que tais pessoas beneficiem. O Tribunal de Justiça (TJ), por seu lado, baseando-se neste considerando e no citado artigo 3.º, alínea a), já teve ocasião de esclarecer que o CFS “não tem por objecto nem pode ter por efeito restringir a liberdade de circulação dos cidadãos da União prevista pelo TFUE”13.

1.2. A segunda categoria da distinção em análise é constituída, nos termos do artigo 2.º, ponto 6, por “qualquer pessoa que não seja cidadão da União na acepção do artigo 20.º, n.º 1, do [TFUE], nem seja abrangida pelo ponto 5 do presente artigo”14.

Ora, só os nacionais de países terceiros, tal como definidos por este último preceito, são os destinatários de princípio do conjunto das normas em matéria de passagem das fronteiras externas da UE, estabelecidas pelos artigos 5.º a 14.º (capítulos I e II do Título II do CFS). No entanto, tal como precisa o já citado artigo 3.º, alínea b), se os nacionais de países terceiros forem refugiados ou requerentes de protecção internacional, tais normas – nomeadamente as relativas à recusa de entrada – não podem ser-lhes aplicadas se puserem em causa o princípio da não repulsão, expressamente garantido pelo artigo 19.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

1.3. O artigo 13.º, n.º 1, segunda parte15, do CFS aponta ainda para uma subdistinção dentro

da categoria dos nacionais de países terceiros não beneficiários da liberdade de circulação ao abrigo do direito da União. Tal subdistinção abrange os nacionais de país terceiro que, apesar de não beneficiarem de tal liberdade nem de “direitos em matéria de livre circulação equivalentes aos dos cidadãos da União”, tenham “direito de residir no território de um Estado-Membro”. Se integrarem este último grupo, designadamente por serem refugiados, titulares de protecção subsidiária, ou titulares do estatuto de residente de longa duração, concedido ao abrigo da Directiva 2003/109, e se atravessarem ilegalmente uma fronteira externa, não deverão ser detidos nem ficar sujeitos a procedimento por força da Directiva 2008/115, de 16 de Dezembro, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados- Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular.

Só ficam, portanto, sujeitos ao artigo 13.º, n.º 1, segunda parte, do CFS os nacionais de países terceiros não beneficiários do direito da União que não tenham, a outro título, o direito de residir num Estado-Membro. Todavia, o artigo 2.º, n.º 2, alínea a), daquela directiva prevê expressamente que os Estados-Membros podem decidir não a aplicar aos nacionais de países terceiros que sejam detidos ou interceptados pelas autoridades competentes quando da passagem ilícita das fronteiras externas terrestres, marítimas ou aéreas de um Estado-Membro

13 Ver o acórdão de 17 de Novembro de 2011, Hristo Gaydarov, C-430/10, n.º 28.

14 A uma ou a outra categoria de nacionais de países terceiros se juntam, consoante o caso, os apátridas, equiparados àqueles por força do artigo 67.º, n.º 2, in fine, do TFUE.

15 Nos termos da qual “quem atravessar ilegalmente uma fronteira e não tiver direito a residir no território do Estado-Membro em questão deve ser detido e ficar sujeito a procedimento por força da Directiva 2008/115/CE”.

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e não tenham posteriormente obtido autorização ou o direito de permanência nesse Estado- Membro.

Em todo o caso, como já se viu, a passagem não autorizada das fronteiras externas fora dos pontos de passagem e das horas de abertura fixadas dá normalmente lugar à aplicação de sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas, de natureza penal ou não, previstas pelo respectivo direito nacional (artigo 5.º, n.º 3). Porém, por força do artigo 31.º, n.º 2, da Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, os Estados signatários comprometem-se a não aplicar sanções penais por entrada ou estada irregulares aos refugiados que, chegando directamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares.

2. As condições de entrada para estadas de curta duração de não beneficiários da liberdade

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