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A Nomeação de Representante legal e a Protecção da Criança: procedimento legal a seguir 1 Diferentes soluções jurídicas

A CRIANÇA MIGRANTE E A SUA PROTECÇÃO A NÍVEL INTERNO

V. A Nomeação de Representante legal e a Protecção da Criança: procedimento legal a seguir 1 Diferentes soluções jurídicas

Simultaneamente com o procedimento acima descrito de análise e decisão do pedido de protecção internacional, a criança, como se disse já, deve ser de imediato acolhida (artigo 26.º, nº 2, da Lei do Asilo) beneficiando de autorização de residência provisória, válida por quatro meses. E os seus direitos fundamentais devem estar a ser exercidos, cumpridos e respeitados: saúde, educação7, assistência…

Existem situações em que a protecção do menor se inicia processualmente com o processo de promoção e protecção. Assim, sempre que o jovem já se encontre em território nacional e se dirige aos serviços ou é localizado em território nacional e a sua situação de desprotecção e desacompanhamento é conhecida por qualquer entidade com competência em matéria de infância ou juventude (entidades de primeira linha ou CPCJP) ou por Órgão de Polícia Criminal (OPC), tais entidades devem comunicar a situação à CPCJP (a qual remeterá o processo de Promoção e Proteção ao Tribunal por impossibilidade de obter os consentimentos, dos pais ou representantes legais, necessários para poder agir) devendo, nesse mesmo processo, diligenciar-se pela representação legal do jovem para que se possa iniciar o pedido de proteção internacional (artigo 79.º, nº 13).

A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo tem legitimidade para representar o menor não acompanhado e apresentar em seu nome pedido de protecção internacional. Já nas situações em que o jovem é detectado nos postos de fronteira é ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que incumbe desencadear o processo descrito (artigo 79.º, nº 2). Na verdade, é ao SEF que incumbe apresentar pedido de nomeação de representante legal junto do tribunal competente, através do Ministério Público, que desencadeará o processo adequado.

A Lei nº 23/2007, de 04/07, prevê uma autorização de residência especial para os menores vítimas de Tráfico de Seres Humanas e Exploração Sexual (artigos 109º e 114º).

Entrado o pedido em tribunal, seja através do SEF, da CPCJP, ou do próprio menor, o Ministério Público intenta a acção adequada à nomeação de representante legal à criança desacompanhada.

Esta acção será da Competência:

− Do Juízo de Família e Menores; ou, não existindo,

− Do Juízo Cível; ou ainda, não existindo nem um nem outro,

7 TEDH, Timishev v. Rússia, nºs 55762/00 e 55974/00, de 13-12-2005 -. 14.º da CEDH, 2.º do Protocolo 1 e 2.º do Protocolo 4, liberdade de movimentos, migrantes, direitos de igualdade, descriminação racial, direito de educação, menores.

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A criança migrante e a sua protecção a nível interno

− Do Juízo de Competência Genérica (artigo 101.º, da LPCJP, artigo 124.º, nº 5, da Lei de Organização do Sistema Judiciário e artigo 8.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível). É na determinação do processo adequado à regularização da situação da criança ou jovem e nomeação de representante legal que se verificam algumas divergências, verificando-se a instauração de Processo de Promoção e Protecção (PPP), com nomeação de representante legal e, noutros casos, a instauração de Tutela a favor da instituição que tiver acolhido a criança.

Analisemos as vantagens e desvantagens de um ou outro procedimento:

O citado nº 1 do artigo 79.º da Lei do Asilo e protecção subsidiária, aplicável aos menores não acompanhados (al. g) do nº 1 do artigo 2.º e artigo 78.º, nº 4, da Lei do Asilo) estabelece relativamente aos menores não acompanhados que “1 - Os menores que sejam requerentes ou beneficiários de proteção internacional devem ser representados por entidade ou organização não governamental, ou por qualquer outra forma de representação legalmente admitida, sem prejuízo das medidas tutelares aplicáveis ao abrigo da legislação tutelar de menores, sendo disso informado o menor”.

Será a terminologia deste nº 1 (“medidas tutelares”) que leva à opção pela Tutela.

Prescreve o artigo 1.º da Lei 147/99, de 1/09 (Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo – LP ou LPCJP) que “A presente lei tem por objecto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral”, determinando o seu artigo 2.º que a mesma se aplica “às crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em território nacional”.

Ora, o menor desacompanhado que se encontre em território nacional está, de harmonia com a referida LPCJP, em situação de perigo (como se verifica do artigo 3.º, nº 2, al. a), “está abandonada ou vive entregue a si própria”).

Apesar de a criança, quando o tribunal analisa a sua situação já se encontrar acolhida enquanto aguarda a decisão do seu pedido, a verdade é que a mesma não deixa de se encontrar numa situação de perigo.

A criança não se encontra com os seus pais, representantes legais ou guardiões de facto, estando − por isso − face à lei, numa situação de abandono ou entregue a si própria. A instituição que a acolheu não é pai, nem mãe, nem representante legal da criança em termos de o seu projecto de vida se encontrar definido.

Enquanto a criança ou jovem se encontrar acolhido é porque a situação de perigo se mantém. O perigo só se mostra afastado com a definição do seu projecto de vida, o qual poderá passar pela sua entregue aos pais, através da reunificação familiar, ou aplicação de uma providência tutelar cível como Tutela, adopção ou apadrinhamento civil.

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A criança migrante e a sua protecção a nível interno

A situação da criança que se encontra em território nacional desacompanhada e entregue a si própria preenche a previsão do artigo 91.º da citada Lei de Protecção, que respeita à adopção de procedimentos de urgência quando uma criança se encontra em situação de perigo actual ou iminente para a vida ou de grave comprometimento da sua integridade física ou psíquica, e na ausência de consentimento dos detentores das responsabilidades parentais ou de quem tenha a sua guarda de facto.

Aliás, o acolhimento efectuado, apesar da emissão da autorização de residência provisória, estando a criança ou jovem desacompanhado, enquadra-se e é feito com base nesta previsão legal (pois este procedimento pode ser realizado por qualquer das entidades referidas no artigo 7.º da LPCJP, ou através das comissões de proteção que tomam as medidas adequadas para a sua proteção imediata e solicitam a intervenção do tribunal ou das entidades policiais, aqui se incluindo o SEF).

Enquanto não for possível a intervenção do tribunal, as autoridades policiais retiram a criança ou o jovem do perigo em que se encontra e asseguram a sua protecção de emergência em casa de acolhimento, nas instalações das entidades referidas no artigo 7.º ou em outro local adequado (nº 3 do artigo 91.º da LPCJP), após o que devem comunicar ao Ministério Público as diligências que realizaram, a quem compete requerer ao tribunal competente procedimento judicial urgente nos termos do artigo 92.º da mesma LPCJP.

Requerido o procedimento nos termos do artigo 92.º, o Ministério Público deve:

− Requerer igualmente o prosseguimento da acção de protecção com vista à aplicação de uma medida de protecção uma vez que a criança continua em situação de perigo (a situação só deixará de existir quando e se a criança for reunificada à sua família ou se a família aparecer, ou se − beneficiando de medida de autonomia − venha a autonomizar-se com sucesso);

− Requerer a nomeação de representante legal à criança para que a mesma possa, querendo, apresentar pedido de Asilo ou Protecção Subsidiária.

Esta nomeação de representante legal no âmbito do processo de promoção e proteção levanta algumas dúvidas, pois tem-se discutido se as instituições de acolhimento (meras executoras da decisão judicial que determina o acolhimento residencial da criança - artigo 49.º, nº 1, da LPCJP), têm ou não poderes de representação.

Em nosso entender, tendo em conta a redacção do nº 2 do artigo 49.º (onde se determina que o acolhimento residencial tem como finalidade “contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efectivo exercício dos seus direitos8, favorecendo a sua integração em

contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral”), as entidades que acolhem a criança podem exercer todos os actos tendentes ao efectivo exercício dos direitos das crianças colocadas à sua guarda e cuidados, aqui se

8 Sublinhado nosso.

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A criança migrante e a sua protecção a nível interno

incluindo os poderes de representação necessários à prática do pedido de Asilo ou Protecção Subsidiária.

É conveniente, todavia, que a decisão judicial, ainda que provisória, seja clara relativamente ao exercício da representação legal, nomeando-se expressamente a entidade de acolhimento como representante legal da criança ou jovem.

O instituto da Tutela tem sido utilizado para se alcançar e satisfazer a necessidade de representação legal, uma vez que cabe nas funções do Tutor a representação do Pupilo (artigo 1935.º do Código Civil).

Contudo, em nosso entender, o mesmo não protege a criança ou jovem de forma global como o faz o processo de promoção e protecção, quer pela natureza dos institutos em confronto, quer porque o conteúdo do instituto da promoção e protecção é maleável e adaptável às necessidades de cada criança, quer ainda por se tratar de um processo urgente (artigo 102.º da LPCJP), o que não se verifica com a Tutela.

A Tutela é um meio de suprimento das responsabilidades parentais (artigo 124.º e 1921.º e seguintes do Código Civil), vigora apenas durante a menoridade e só deve ser decretada quando a criança não careça ou já não careça de medida de promoção e protecção.

Se por um lado a Tutela à instituição de acolhimento resolve de vez a situação jurídica da criança, permitindo que ela se mantenha na instituição e o Director desta (enquanto seu tutor), possa praticar todos os actos necessários à satisfação das suas necessidades e representá-la, por outro lado deixa-a mais desprotegida.

Na verdade, com o decretamento da Tutela (enquanto Providência Tutelar Cível que é), cessa a medida de promoção e protecção decretada a favor da criança (artigo 63.º, nº 1, al. e), da LPCJP), impedindo-a de beneficiar de uma medida de autonomia de vida que não só pode, como é saudável e aconselhável que se siga a uma medida de acolhimento residencial.

Por outro lado, enquanto meio de suprimento das responsabilidades parentais, cessa automaticamente quando o pupilo atingir a maioridade civil - 18 anos de idade.

As medidas de promoção e proteção de apoio para autonomia de vida e de colocação (como o são as de acolhimento residencial ou acolhimento familiar artigo 35.º, nºs 2 e 3) que a criança refugiada (ou qualquer outra que se encontre em território nacional, portuguesa ou estrangeira) careça em função da sua situação de perigo, podem prolongar-se até aos 21 anos de idade, e a partir da entrada em vigor do próximo Orçamento de Estado, podem prolongar- se até aos 25 anos de idade (artigo 2º, Lei nº 23/2017, de 23/05, e artigos 5.º, al. a) e 60.º, nº 3, da LPCJP, na redacção que lhes foi dada pela Lei nº 23/2017, de 23/05), permitindo que o jovem continue os seus estudos e não se veja compelido a sair da instituição de acolhimento após a maioridade.

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A criança migrante e a sua protecção a nível interno

O jovem beneficiário de uma medida de promoção e proteção tem mais possibilidades de ser acompanhado e beneficiar de uma autonomia progressiva de harmonia com a sua personalidade e necessidades específicas de desenvolvimento, do que um jovem a quem foi aplicada uma Tutela.

Não poderemos deixar de notar que o ideal, contudo, será que a criança ou jovem seja integrada numa família, quer seja inicialmente através de uma medida de acolhimento familiar (artigo 35.º, al. f), da LPCJP), quer após a medida de promoção e protecção de uma providência tutelar cível de adoção ou apadrinhamento civil, pois integram os jovens de forma duradoira numa família, garantindo o direito da criança a uma família.

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