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IMIGRANTES E DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

4. Jurisprudência do Tribunal Constitucional e dos organismos internacionais sobre o gozo de direitos a

prestações por parte de estrangeiros e apátridas

4.1. Apoio judiciário

4.2. O direito a uma existência mínima condigna 4.3. Outros direitos sociais stricto sensu a. Jurisprudência constitucional

b. Jurisprudência internacional e europeia 5. O acesso de imigrantes a direitos sociais na lei 6. Conclusão

O presente estudo visa caracterizar os princípios constitucionais que são a base para o reconhecimento do acesso de imigrantes a direitos fundamentais sociais, bem como os que regulam as restrições a que tal acesso pode estar sujeito. Para o efeito, importa caracterizar os princípios que presidem ao tratamento do estrangeiro ou apátrida na Constituição Portuguesa, ao que se seguirá uma breve exposição dos vários casos já decididos pelo TC e pela jurisprudência internacional nesta matéria. Por fim, teceremos breves considerações sobre alguns diplomas legais que regulam o acesso a direitos sociais.

1. O estrangeiro na Constituição da República Portuguesa

A Constituição não usa o termo “imigrante”, à exceção de uma norma inscrita, precisamente, no catálogo dos direitos fundamentais sociais (artigo 74.º, n.º2, al. j), referente ao direito de acesso ao ensino por parte dos filhos dos imigrantes). Naturalmente, isso não significa que a Constituição não reconhece outros direitos fundamentais a imigrantes. Simplesmente, usa preferencialmente o termo “estrangeiros ou apátridas” e, em segundo lugar, ao invés de enumerar os vários direitos da titularidade destes, enuncia princípios gerais destinados a estender os direitos da titularidade dos cidadãos nacionais aos estrangeiros.

Comecemos pelo primeiro aspeto, referente à terminologia usada na Constituição. De facto, importa referir que os termos “estrangeiro” e “imigrante” não são equivalentes. A Organização Internacional para as Migrações define “imigrante” como aquele que se desloca de um país a outro com o fim de aí se estabelecer, e que não possui a nacionalidade do país de destino3. A

1 O presente texto corresponde à comunicação realizada à ação de Formação em Migrações, organizada pelo Centro de Estudos Judiciários, 11 de novembro de 2016.

2 Assessora do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional e membro do CEDIS, Centro de I&D em Direito e Sociedade, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

3 Cf. I

NTERNATIONAL ORGANISATION FOR MIGRATION, Glossary on Migration Richard Perruchoud & Jillyanne Redpath-Cross (ed.), 2nd Edition, IOM, 2011, p. 31.

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O CONTENCIOSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO RELATIVO A CIDADÃOS ESTRANGEIROS E AO REGIME DA ENTRADA, PERMANÊNCIA, SAÍDA E AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS, BEM COMO DO ESTATUTO DE RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO - 2.ª edição atualizada

Imigrantes e Direitos Fundamentais Sociais

noção de imigrante não se confunde com a noção de estrangeiro, pois existem estrangeiros que nunca imigraram – tome-se como exemplo os erroneamente chamados “imigrantes de segundas e terceiras gerações”, nascidos no país de acolhimento, descendentes de imigrantes. A noção de estrangeiro é, por isso, mais ampla que a de imigrante4.

Do texto constitucional resulta que estrangeiro é aquele que não possui a nacionalidade portuguesa, sendo ou não detentor de outra nacionalidade5. No entanto, para além da

situação particular dos apátridas, a Constituição Portuguesa consagra uma variedade de soluções quanto ao tratamento dos não portugueses, em função do país de origem e dos acordos que com o mesmo Portugal tenha celebrado6. Merecem especial referência os

cidadãos estrangeiros lusófonos7, os cidadãos de Estados-Membros da UE, cujo estatuto

depende prevalentemente do Direito da União Europeia, e os restantes, cujo estatuto pode ser também diversificado, já que a CRP permite a atribuição, por lei, de determinados direitos em condições de reciprocidade8.

No que toca aos cidadãos de Estados-Membros da UE, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de confirmar o seu estatuto privilegiado no contexto de um aresto sobre prestações sociais. No recente Acórdão n.º 296/2015 afirmou que "adquire, aliás, especial relevância no que respeita a estas categorias de cidadãos, tendo em conta que vigoram, no quadro do direito da União, os princípios da não discriminação em razão da nacionalidade e do tratamento nacional, e que o artigo 34.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia prevê expressamente que “todas as pessoas que residam e se desloquem legalmente no interior da União têm direito às prestações de segurança social e às regalias sociais nos termos do direito da União e das legislações e práticas nacionais”. Conjugada com o disposto no artigo 45.º, n.º 1, da mesma Carta, nos termos do qual “qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros”, torna-se 4 V., sobre este ponto, ANA RITA GIL, Imigração e Direitos Humanos, Petrony, 2017, p. 42 e ss.

5 CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA, A Jurisprudência Constitucional sobre Cidadãos Estrangeiros, Relatório apresentado no encontro trianual dos Tribunais Constitucionais de Portugal, Espanha e Itália, em Madrid, 26 e 27 de setembro de 2008, p. 1, ANA RITA GIL,op. cit., p. 35.

6 GOMES CANOTILHO refere que a CRP consagra a existência de “quatro círculos subjetivos”: o da cidadania portuguesa, formado pelos direitos fundamentais exclusivamente pertencentes aos cidadãos portugueses, e três grupos distintos de estrangeiros. Cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina, 2015, p. 417.

7 ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS fala inclusivamente de um «princípio fundamental do ordenamento jurídico português em matéria de direito dos estrangeiros, por força do qual os cidadãos dos países lusófonos são, em Portugal, objeto de uma discriminação positiva em relação aos outros estrangeiros». Cfr. “Quem manda mais – a residência ou a nacionalidade, Coimbra Editora, 2000, p. 49. Essa distinção encontra-se fundamentada em várias disposições constitucionais, em particular o art. 7.º, n.º4 da CRP, nos termos do qual «Portugal mantém laços privilegiados de amizade e cooperação com os países de

língua portuguesa», bem como o art. 9.º, que considera como uma das tarefas fundamentais dos Estado

assegurar a valorização permanente da língua portuguesa.

8 CARLOS PAMPLONA DE OLIVEIRA, op. cit., p. 1. V. ainda MARIA JOSÉ RANGEL DE MESQUITA, Os Direitos

Fundamentais dos Estrangeiros na Ordem Jurídica Portuguesa: uma Perspetiva Constitucional, Almedina,

2013, p. 136,WLADIMIR BRITO, “Cidadania Transnacional ou Nacionalidade Lusófona", Direito e Cidadania, ano VI, n.º 19, 2004, p. 215 e ss, J.J. GOMES CANOTILHO & VITAL MOREIRA, Constituição da República

Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª Edição Revista, Coimbra Editora, 2007, p. 359 e JORGE PEREIRA DA SILVA,

Direitos de Cidadania e Direito à Cidadania, Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas,

2004, p. 68 e ss.

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Imigrantes e Direitos Fundamentais Sociais

evidente que esta categoria de cidadãos estrangeiros goza de um estatuto especial, tendencialmente equivalente ao dos cidadãos nacionais, tendo em conta o quadro jurídico- constitucional e o direito primário da União Europeia".

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