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BREVE NÓTULA SOBRE AS RECENTES ALTERAÇÕES À LEI DOS ESTRANGEIROS APROVADAS PELAS LEIS N.º 59/2017, DE 31 DE JULHO E N.º 102/2017, DE 28 DE AGOSTO

A) Lei n.º 59/2017, de 31 de julho

Embora não sejam em grande número, as modificações ao regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional são relevantes, incidindo sobre os pressupostos de alguns casos de regularização de situações administrativas ilegais e sobre a importante questão dos limites à expulsão. Importa, pois, atentar nas novidades destas alterações legislativas, as quais vieram responder a algumas necessidades de segurança jurídica e de efetivação da própria lei.

1. Em primeiro lugar, foram alterados os pressupostos de regularização dos imigrantes para efeitos de exercício de atividade profissional subordinada (artigo 88.º) ou independente (artigo 89.º).

1.1. No primeiro caso, referente a exercício de atividade profissional dependente, a alteração visou responder a uma situação já há muito contestada na prática, uma vez que o art. 88.º continha várias contradições que levavam à sua própria inaplicabilidade. De facto, os requisitos exigidos para a regularização, se interpretados literalmente, tornavam pura e simplesmente impossível essa mesma regularização. Entre os mencionados requisitos, exigia- se que o estrangeiro em situação irregular apresentasse prova da relação de trabalho subordinada. Ora, tal exigência era dificilmente compatibilizável com a proibição de emprego de cidadãos estrangeiros em situação irregular e respetiva punição2. A coexistência destas

duas normas no mesmo diploma levava ao conhecido efeito de “pescadinha de rabo na boca”: o estrangeiro que pretendesse regularizar a sua situação administrativa, necessitaria de contrato de trabalho. No entanto, dificilmente conseguiria obter tal contrato, já que o emprego de cidadãos estrangeiros em situação irregular é proibido e sancionado, pelo que dificilmente um empregador se sujeitaria a tal risco. A nova redação da alínea a) do n.º2 do artigo 88.º veio, precisamente, responder à dificuldade exposta, já que passou a ser suficiente a apresentação de promessa de contrato de trabalho, para efeitos de regularização. Este documento é, pois, legitimamente tido como suficiente para comprovar que o imigrante irá desenvolver uma atividade profissional subordinada. Permite-se ainda que os interessados

1 Assessora do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional e membro do CEDIS, Centro de I&D em Direito e Sociedade, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

2 Prevista no atual artigo 198.º-A, correspondente ao artigo 198.º, n.º 2, da versão originária da lei.

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O CONTENCIOSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO RELATIVO A CIDADÃOS ESTRANGEIROS E AO REGIME DA ENTRADA, PERMANÊNCIA, SAÍDA E AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO PORTUGUÊS, BEM COMO DO ESTATUTO DE RESIDENTE DE LONGA DURAÇÃO - 2.ª edição atualizada Breve nótula sobre as recentes alterações à Lei dos Estrangeiros aprovadas pelas Leis n.º 59/2017, de 31 julho e n.º 102/2017, de 28 agosto

consigam procurar emprego de forma eficaz, evitando que os possíveis empregadores incorram em responsabilidade contraordenacional. Em conformidade com a nova possibilidade, o requisito referente à inscrição e descontos para a Segurança Social foi eliminado para os casos em que o interessado apenas dispõe de promessa de contrato de trabalho (al. c) do n.º2).

1.2. As versões anteriores dos artigos 88.º e 89.º (esta última, sobre regularização para efeitos de exercício de trabalho independente) levantavam ainda um outro problema: exigiam, como pressuposto para a atribuição de autorização de residência, não só a entrada legal, mas ainda a permanência legal no território nacional. Se a necessidade de entrada legal se justificava com o interesse de evitar o “efeito chamada” e o incremento da imigração clandestina, já o requisito referente à permanência ilegal carecia de qualquer sentido. De facto, com esse requisito apenas se levaria a uma regularização de imigrantes que se encontrassem, já, em situação regular, muito embora não dispusessem da autorização de residência para efeitos de atividade profissional (podendo dispor, contudo, de um outro estatuto administrativo qualquer). A esmagadora maioria dos cidadãos estrangeiros que se encontrassem à margem da lei, sem qualquer estatuto e, por isso, em situação de carência de acesso a serviços ou de obtenção legal de rendimentos ficava, pois, excluída. Este cenário levou a que a Administração procedesse a uma interpretação abrogatória desse requisito, fazendo-o, porém, num contexto puramente discricionário. Com efeito, muitas vezes recuperava a exigência da permanência legal quando o número de regularizações anuais começasse a ser excessivo.

A nova lei veio eliminar a referida necessidade de permanência legal no território. Tal eliminação constitui uma garantia da eficácia da própria lei, bem como de segurança e certeza jurídicas para os interessados. Os mesmos saberão, assim, que podem ter a situação administrativa regularizada, independentemente de possuírem ou não um qualquer estatuto, ou ainda independentemente da conjuntura migratória do momento.

2. Em segundo lugar, foi alterada a norma referente aos limites à expulsão, prevista no art. 135.º. Esta norma consagra situações em que, por respeito aos direitos fundamentais do cidadão estrangeiro ou da sua família, o mesmo não pode ser expulso do território3.

2.1. Os casos em que tais proibições ocorrem têm-se mantido os mesmos desde a versão originária da lei, consistindo nos seguintes:

a) Estrangeiros que tenham nascido em território português e aqui residam (visando-se, neste ponto, o respeito pela sua vida privada, nela inserido o respeito à manutenção da multiplicidade de laços entretecidos com o país da residência);

b) Os estrangeiros que tenham efetivamente a seu cargo filhos menores de nacionalidade portuguesa a residir em Portugal (visando-se, neste ponto, a proteção da unidade familiar e a garantia de proibição de expulsão indireta de crianças de nacionalidade portuguesa);

3 Sobre este ponto, v. o nosso Imigração e Direitos Humanos, Petrony, 2017, p. 468-484, 515-527 e 543.

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c) Os estrangeiros que tenham filhos menores, nacionais de Estado terceiro, residentes em território português, relativamente aos quais assumam efetivamente responsabilidades parentais e a quem assegurem o sustento e a educação (visando-se a garantia do superior interesse da criança e da unidade familiar); e, finalmente,

d) Aqueles que se encontrem em Portugal desde idade inferior a 10 anos e aqui residam (visando-se, mais uma vez, a proteção da vida privada dos estrangeiros fortemente “integrados” na comunidade portuguesa). A nova lei veio apenas alterar a redação referente ao caso de estrangeiros com filhos menores de nacionalidade portuguesa: contrariamente à versão anterior, basta agora que os estrangeiros tenham os filhos a seu cargo, não sendo necessário exercerem as responsabilidades parentais. Essa eliminação é de aplaudir, já que, ainda que não titular das referidas responsabilidades, o progenitor pode exercer o direito de visita e assegurar o sustento da criança. O superior interesse desta exige que aquele progenitor permaneça em território nacional, de forma a manter contacto com ela. Note-se, porém, que o mesmo argumento valeria para o caso de crianças estrangeiras4. No entanto,

como não se levanta, em relação a essas, um argumento de índole constitucional tão premente como a proibição de expulsão de cidadãos nacionais, o legislador continua a exigir que apenas os estrangeiros que efetivamente exerçam as responsabilidades parentais fiquem impedidos de ser expulsos.

2.2. Para além desta alteração, foram novamente modificados os casos de exceção aos limites à expulsão. I.e., em determinados casos mais graves, e ainda que se verifiquem os casos de limite à expulsão, o estrangeiro pode, mesmo assim, ser expulso.

Neste contexto importa, antes de mais, fazer um breve resumo das várias alterações que o artigo 135.º sofreu desde a sua versão original.

Na primeira versão, os limites à expulsão encontravam-se definidos de forma absoluta. Assim, verificada uma das hipóteses mencionadas, o estrangeiro não poderia ser expulso em caso algum. A Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, aprovada num contexto de generalização de preocupações securitárias na Europa, veio prever as primeiras exceções às impossibilidades de expulsão. Assim, mesmo nos casos em que um dos analisados direitos fundamentais do estrangeiro clamasse pela sua permanência no território, este sempre poderia ser expulso em casos tidos como excecionalmente graves. Tais casos eram os seguintes: atentado à segurança nacional ou à ordem pública, ameaça aos interesses ou à dignidade do Estado Português ou dos seus nacionais ou a existência de “sérias razões para crer que cometeu atos criminosos graves ou que tenciona cometer atos dessa natureza, designadamente no território da União Europeia”. Tivemos ocasião de criticar a relativização da proibição de expulsão assim feita, sobretudo pela inserção de diversos conceitos indeterminados, com prejuízo para a segurança jurídica quando em causa está a preservação de direitos fundamentais dos envolvidos5. Mais

reforçámos que os interesses públicos em causa teriam de ser sempre ponderados caso a caso 4 Assim, jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direito Humanos tem desenvolvido o entendimento de que todas as famílias – nacionais ou estrangeiras – são merecedoras, neste caso, de proteção. Sobre este ponto, v. Ana Rita Gil, op. cit., p. 363 e ss.

5 “A Nova Lei de Estrangeiros: as inevitabilidades e as desnecessidades”, in Pontos de Vista, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, http://www.fd.unl.pt, 29 de outubro de 2012.

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com os referidos direitos fundamentais, e que apenas dessa ponderação podia resultar a possibilidade ou impossibilidade de expulsão6.

A nova lei veio alterar os casos de exceção dos limites à expulsão, de uma forma que merece o nosso acolhimento. Prevê-se que apenas nos casos de suspeita fundada da prática de crimes de terrorismo, sabotagem ou atentado à segurança nacional ou de condenação pela prática de tais crimes se poderão expulsar os estrangeiros que tenham direitos fundamentais de permanência no território. Eliminaram-se, assim, alguns dos conceitos indeterminados que se encontravam na versão anterior, como “ato criminoso grave” ou “atentado à ordem pública”, conferindo-se, assim, maior segurança jurídica e configurando tais exceções como verdadeiros casos de ultima ratio. Ainda assim, importa repetir que, mesmo nesses casos (v.g., de suspeita de sabotagem), apenas se pode efetivar a expulsão após uma ponderação dos vários valores em conflito no caso concreto (direitos fundamentais do estrangeiro vs. interesses públicos em causa).

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