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CAPÍTULO 2 – A ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO DO ORÇAMENTO

2.2. O EQUILÍBRIO DE PODER ENTRE OS AGENTES QUE PARTICIPAM DA

2.2.6. Distribuição das Informações

A distribuição das informações no processo decisório é uma variável bastante relevante, mas de difícil medição. Os agentes mais bem informados, tanto com relação à quantidade como à qualidade das informações recebidas, tendem a ter capacidade de realizar melhores escolhas entre as opções disponíveis.

De acordo com Milner (1997), autora que utiliza a variável como uma das principais de sua obra, a distribuição de informações se altera de acordo com cada situação específica. Os atores domésticos mais bem informados tendem a ter melhores condições de se posicionar com relação a um tema específico e, portanto, influenciar (no caso de atores societais) ou prevalecer no processo decisório, pois se as informações sobre um determinado tema estiverem concentradas nas mãos de um tomador de decisão específico, ele tem mais liberdade para elaborar suas decisões a partir de suas concepções pessoais, que podem se distanciar dos interesses dos demais atores. As informações, dessa forma, são um instrumento de poder importante no processo decisório e, por isso, os agentes, principalmente do Poder Executivo, buscam manipulá-la, tanto por meio do “tratamento” de dados ou da própria mentira88.

Importante ressaltar, também, que a distribuição de informações não interfere somente na relação entre os tomadores de decisão, mas também entre esses e os atores societais, pois se os grupos de interesse conseguirem reunir informações relevantes acerca do tema de que trata a decisão, podem maximizar sua capacidade de influência, desde que a estrutura doméstica lhes permita o acesso aos governantes e que demonstrem intensidade acerca do tema89.

Dessa forma, além de buscarem reunir, durante o processo decisório, o maior número possível de informações, os atores governamentais procuram, também, controlar o acesso dos demais agentes às informações relacionadas com o

88 A distorção de informações, em alguns governos, é uma prática comum. “A distorção vem em

várias formas. Uma das mais comuns é apresentar estatísticas impressionantes sem entrar em detalhes sobre como elas foram reunidas” (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 118). Essa prática foi adotada, de acordo com os autores, pela Administração Reagan, em vários momentos da gestão. Um dos exemplos em que o Presidente utilizou a manipulação de dados de modo a conduzir os congressistas e a opinião pública estadunidense para que mantivessem o apoio ao aumento dos gastos com defesa foi o discurso sobre Defesa e Segurança Nacional, realizado em 23 de março de 1983, em que diversos dados sobre a capacidade estratégica da URSS foram manipulados e interpretados a partir de um viés bastante peculiar. A manipulação de dados nesse discurso será explorada no capítulo 5 da tese.

processo decisório90.

A princípio, essa variável tende a privilegiar o Executivo em detrimento do Legislativo, pois o primeiro tem uma estrutura muito mais complexa e numerosa, que tem como um de seus principais objetivos a obtenção e concentração de informações. No caso específico do orçamento de defesa, por exemplo, o Executivo conta com uma série de estudos das três Forças Armadas, que constroem suas prioridades a partir da experiência que adquiriram ao longo dos anos de atuação e dos avanços tecnológicos que realizam em conjunto com a iniciativa privada, com a estrutura do Escritório de Gestão e Orçamento – OMB, concebido com o intuito de produzir e interpretar informações acerca do orçamento e da capacidade de gastos em defesa, a partir das estratégias produzidas pela Presidência, e pelos diversos Departamentos que compõem a estrutura do Executivo e participam da elaboração do orçamento presidencial de defesa, como o Departamento do Tesouro e o Departamento de Defesa.

Essa ampla gama de instituições realizam estudos e se complementam na construção do projeto orçamentário que é enviado ao Congresso. O Executivo, portanto, tem uma grande estrutura de apoio para municiar o Presidente com informações que embasem seu requerimento orçamentário ao Congresso. Os legisladores, ao contrário, tradicionalmente sentiam uma grande lacuna com relação à estrutura que possuíam para reunir informações e para formularem seu posicionamento com relação às necessidades de gastos com defesa do país.

Para suprir essa deficiência, o Congresso aprovou a Lei de Orçamento de 1974, que criou diversas estruturas (como o Escritório de Orçamento do Congresso e os Comitês de Apropriação) e procedimentos (baseados na centralização das discussões, de modo a criar um processo que possibilite uma discussão integrada do orçamento) que ampliaram sua capacidade de reunir informações e interpretá-las de modo a criar um procedimento orçamentário que rivalize com o do Executivo. A partir de então, a diferença na qualidade e na quantidade de informações dos dois Poderes foi minimizada, mas o Executivo ainda tem vantagem.

Os grupos de interesse, pelas características institucionais acima

90 Uma técnica para influenciar a opinião pública que é menos direta que apelar para o público é o

controle de informações. Isso surge de várias formas, variando da retenção de informações do público até a mentira. Se o público não conhece a situação ou tem uma visão distorcida dela, então os Presidentes podem ter maior flexibilidade para atingir o que desejam. Comumente, eles desejam a passividade do público tanto quanto desejam seu apoio (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 116-117).

descritas, são atores relevantes no processo, pois têm, como uma de suas funções principais, diminuir a lacuna informacional entre os dois Poderes e, por essa razão, têm uma aproximação muito grande com os legisladores.

Em resumo, os procedimentos e estruturas de obtenção de informações do processo orçamentário estadunidense tendem a beneficiar o Executivo com relação ao Legislativo e aos atores societais que procuram influenciar o processo. Apesar das reformas realizadas pela Lei do Orçamento de 1974, tal prevalência foi pouco reduzida, sendo que as vantagens informacionais da Presidência permanecem. Para minimizar tal problemática, os grupos de interesse podem atuar como provedores de informação aos legisladores, mas tal atuação tende a causar outras distorções.

Na tese, em diversos momentos essa variável será utilizada, principalmente na análise de como informações sobre o emprego de armamentos e sua necessidade foram manipulados pelos tomadores de decisão ou, no caso específico das discussões orçamentárias, quando os Executivos das gestões analisadas manipularam dados macroeconômicos. A utilização dessa variável, ainda, ganhará destaque no último capítulo da tese, quando vários casos de manipulação de informações e produção de conhecimento com relação à aeronave V-22 Osprey serão destacados.

Como se pode deduzir pela observação dessas variáveis, são diversos os fatores estruturais que interferem no equilíbrio de poder entre os tomadores de decisão que atuam no processo decisório do orçamento de defesa estadunidense. Em determinados períodos, prevalece o Presidente, em detrimento do Legislativo, que se torna um simples revisor das políticas presidenciais. Em outras circunstâncias, o Legislativo toma para si o papel de formulador do orçamento, alterando diversos pedidos do Presidente e passando a adquirir, também, o poder de agenda, além de ser o tomador de decisão final.

Em geral, o Presidente tem condições de obter apoio para a ampla maioria de suas políticas (ESHBAUGH-SOHA, 2005, p. 258), mas essa capacidade pode ser minimizada quando o cenário das decisões orçamentárias lhe é muito favorável. Esse contexto, de ausência de ameaças internacionais, de crise econômica interna e de um governo dividido, por exemplo, faria que o Congresso pudesse maximizar suas vantagens e impor sua forma de fazer política, o que traria

uma série de consequências ao produto final do orçamento de defesa, objeto de estudo desta tese.

Por um lado, há, em princípio, uma tendência inicial de prevalência do Executivo no processo decisório, apesar da previsão constitucional de que o Congresso estadunidense detém o “poder da carteira”91, pois cabe ao Presidente a construção inicial da discussão, que pautará todo o debate.

Por outro, a estrutura decisória do orçamento de defesa dos EUA está em constante câmbio, o que se relaciona com variáveis estruturais (abordadas neste capítulo) e agenciais (analisadas no próximo).

Independentemente das alterações no equilíbrio de poder entre Executivo e Legislativo, que dão caráter transformacional ao processo orçamentário, um componente normativo nessa estrutura confere estabilidade ao processo, ao limitar a capacidade dos agentes do processo de impor seus interesses uns sobre os outros. Esse componente normativo da estrutura decisória tem tanta relevância quanto o equilíbrio de poder entre os agentes, sendo também essencial para se compreender como a estrutura condiciona o resultado da tomada de decisão.

2.3. AS REGRAS QUE REGULAMENTAM A DISCUSSÃO DO