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CAPÍTULO 1 – ANÁLISES TEÓRICAS SOBRE OS GASTOS COM DEFESA DOS

1.3. OS MODELOS CONCEITUAIS DE GRAHAM ALLISON

1.3.1. Modelo I – o ator racional

O modelo da política racional vê os Estados como atores racionais e unitários. Ao tomarem suas decisões de política externa, os governantes27, em um primeiro momento, estabelecem suas preferências, geralmente ligadas a uma estratégia de inserção internacional definida anteriormente, com o intuito de

26 Bernstein (2000, p. 146) formula uma listagem de todas as principais inovações realizadas por

Allison e Zelikow na segunda edição da obra. Para ele, tais inovações não foram suficientemente profundas.

27 No modelo racional, a figura dos governantes e o próprio Estado se confundem. Os países são

maximizar poder com relação aos demais países. Tendo determinado suas preferências, com base em um cálculo de custo/benefício, traçam a estratégia mais adequada para maximizar os benefícios para o Estado, minimizando os custos.

Como características comuns aos estudos que utilizam o modelo, percebe-se a noção de que as ações dos Estados são calculadas como soluções de problemas estratégicos e as explicações para os processos de tomada de decisão consistem, preponderantemente, em encontrar o objetivo do governo ao procurar determinada ação, de modo a julgar a qualidade da decisão.

Em sua obra mais conhecida, Graham Allison (1971, p. 29-30) apresenta, de forma direta, os principais conceitos do modelo racional. Essa, porém, é a versão mais tradicional do modelo racional, que possuía três presunções principais: em primeiro lugar, as ações dos atores são propositais, guiadas por um comportamento orientado; em segundo, as preferências são consistentes, manifestadas na capacidade dos agentes de ordená-las; por fim, a terceira presunção se refere à maximização da utilidade, o que considera os atores capazes de selecionar as alternativas tendentes a lhes trazer resultados ótimos. Os atores que tomam as decisões, dessa forma, são vistos como maximizadores de valores esperados28.

A extrema simplicidade do modelo fez com que Allison, ao longo das últimas décadas, tenha recebido críticas de autores de diversas áreas (BENDOR; HAMMOND, 199229; BERNSTEIN, 2000) e, além disso, há autores que apresentaram outros modelos, além dos três tipos ideais de Allison (MINTZ; DEROUEN, 2010). O conjunto desses desafios teóricos levou, na segunda edição de sua obra, Allison e Zelikow a relativizarem o alcance do modelo racional.

Uma dessas flexibilizações é a diferenciação entre racionalidade limitada e compreensiva. Para os autores, a racionalidade compreensiva presume que os atores percebem todas as alternativas possíveis em um processo decisório e analisam todas as consequências de suas decisões. Ao contrário, na racionalidade limitada, evidenciam-se as limitações de conhecimento e da habilidade de

28 Expected value maximizers (ALLISON; ZELIKOW, 1999, p. 17).

29 Para os autores, um modelo de escolha racional deveria ilustrar, além de seus conceitos teóricos,

meios de se compreender as interações entre atores. “Nós temos dois pontos principais sobre o modelo de ação racional de Allison. Primeiro, o componente teórico da decisão é muito simples [...] Segundo, o modelo negligencia interações estratégicas” (BENDOR; HAMMOND, 1992, p. 305). A simplicidade excessiva do modelo deve-se, entre outros fatores, ao fato de que não se preocupa em estudar diferentes objetivos do jogador durante o processo decisório e com a pressão do tempo sobre os tomadores de decisão, o que pode afetar resultados. Além disso, o modelo é individualista, não discutindo as características estruturais dos processos decisórios.

compreensão dos agentes. Esse segundo modelo aceita a interferência de variáveis cognitivas, como valores, crenças e estereótipos do tomador de decisão (ALLISON; ZELIKOW, 1999, p. 20)30.

Essa relativização dos conceitos tradicionais de decisão racional deve alterar a interpretação das teorias clássicas de Relações Internacionais, que, como os autores demonstram (ALLISON; ZELIKOW, 1999, p. 26-40), estão fortemente embasadas na premissa da racionalidade dos Estados31. Isso, contudo, não tem sido observado, ainda, em muitas análises brasileiras acerca dessas teses.

Apesar das críticas que tem recebido, o modelo apresenta diversas vantagens. A principal é a parcimônia, pois consegue captar, com grau relativamente alto de poder explicativo, boa parte das decisões de política externa dos Estados, principalmente durante a Guerra Fria (MINGST, 2009, p. 117), quando as relações entre as superpotências podiam ser mais facilmente compreendidas, pois não tinham o alto grau de complexidade característico do período atual. Além disso, Karen Mingst também menciona, ao apresentar o modelo, que continua sendo bastante útil ao estudo de decisões tomadas em meio a crises, quando a centralidade decisória é fator fundamental para operacionalizar políticas eficientes e os interesses em risco se relacionam mais diretamente à sobrevivência do Estado.

Mesmo com essa operacionalidade, a discussão sobre o modelo precisa ser aprimorada, com a adoção de meios que lhe possibilitem compreender as razões que levam diferentes governantes a adotar posturas completamente diversas, mesmo quando diante de decisões e variáveis semelhantes. Uma dessas colaborações mais interessantes é a possibilidade de combinar o modelo racional com modelos cognitivos, que já vêm sendo utilizados em análises de política externa e levam em consideração os altos custos da reunião de informações, de problemas de memória e falhas de percepção, considerando as influências de mudanças nas estruturas organizacionais para a percepção dos tomadores de decisão e os efeitos da pressão do tempo sobre eles, dentre outros fatores (MINTZ; DEROUEN, 2010, p. 8).

Especificamente sobre como o modelo racional se relaciona com a análise do orçamento de defesa dos EUA, duas de suas características são

30 Mintz e DeRouen (2010, p. 59) produziram diferenciação semelhante, concebendo os conceitos de

racionalidade tênue e densa (thin and thick rationality).

31 Os autores citam, em sua obra, o Realismo Clássico, o Neorealismo, o Liberalismo e o

relevantes: a primeira é o fato de que o agente decide com base na sua percepção do ambiente internacional. Um ambiente em que as ameaças são mais intensas tende a levar ao aumento dos gastos. A segunda é o alto grau de centralização da decisão, tomada por um indivíduo, ou em alguns casos, por um pequeno grupo de indivíduos. Apesar de outros agentes poderem colaborar na reunião de informações, a responsabilidade pela decisão final é do Chefe de Estado, que analisa o ambiente e escolhe a opção que considera a mais correta, com base no interesse nacional.

Isoladamente, porém, esse modelo não apresenta respostas completas, precisando ser associado às duas outras construções de Allison:

A análise do modelo I pode servir para prever o fato de que um grande aumento no orçamento de defesa do país A produzirá um aumento no gasto com defesa do país B. Mas o tamanho desse aumento e, ainda mais relevante, as características específicas das armas adquiridas com o aumento são mais bem explicadas ou previstas pelo modelo de política burocrática. Em geral, o modelo I é mais útil para explicar ações em que os interesses de segurança nacional dominam, em que valores compartilhados levam a um consenso sobre o que a segurança nacional requer e em que as ações se originam diretamente das decisões. O modelo de política burocrática é mais útil onde há dados sobre os interesses dos jogadores e sobre as regras do jogo, onde os interesses organizacionais e domésticos predominam e nos casos em que pretende-se tratar dos detalhes da ação (ALLISON; HALPERIN, 1972, p. 58).