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CAPÍTULO 2 – A ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO DO ORÇAMENTO

2.2. O EQUILÍBRIO DE PODER ENTRE OS AGENTES QUE PARTICIPAM DA

2.2.3. Estado da economia

Apesar de que diversas análises teóricas sobre a relação entre os Poderes e sobre a aproximação entre os grupos de interesse da sociedade e os tomadores de decisão deixam de lado essa variável (WITTKOPF; MCCORMICK, 1990), as diferenças estruturais entre um ambiente de prosperidade econômica e um ambiente em que há déficits orçamentários e pressões inflacionárias e empregatícias são profundas.

Em termos gerais, a maioria das análises que tratam da importância da economia para as discussões orçamentárias considera variáveis específicas em suas observações, sendo que a utilização de um extenso número de autores se fez necessária para que fosse possível a observação mais geral da economia que embasa a tese.

Os indicadores foram obtidos de um grande número de obras sobre o tema, sendo que alguns não apresentam relevância estatística e, portanto, são excluídos da tese. Berry e Lowery (1990, p. 688) por exemplo, apresentam a hipótese de que “os gastos domésticos variam como resultado de padrões demográficos e a atividade de grupos de interesse”, realizando testes acerca da influência do tamanho da população idosa e da população pobre na relação de troca entre “armas e manteiga”. Os autores concluem que os padrões demográficos, especialmente o tamanho da população pobre dos EUA, não afetam, em grande medida, as discussões do orçamento de defesa. Já a atividade de grupos de interesse se mostrou uma variável relevante e, por isso, é utilizada pela tese.

Por outro lado, diversos indicadores econômicos se mostram decisivos para o estudo do orçamento de defesa estadunidense, principalmente no que diz respeito à comparação entre os desempenhos dos governos Reagan e Bush em cada ano dos mandatos estudados, sendo que os seguintes índices serão utilizados: o equilíbrio das contas orçamentárias (déficit ou superávit do orçamento); o nível de

desemprego no país; o índice de preços ao consumidor (inflação) no momento da tomada de decisão; o índice anual de miséria e o índice de crescimento anual da economia dos EUA.

Déficits podem ocorrer quando o orçamento é embasado em critérios políticos e há a decisão de gastar mais do que arrecadar, com o objetivo de injetar recursos na economia do país no curto prazo, para superar uma grave estagnação ou para privilegiar um determinado ator político em um processo eleitoral, ou quando temas diferentes são debatidos em momentos diversos e não há tempo para uma reanálise da necessidade global dos gastos. Erros contábeis, como os ocorridos durante a gestão Reagan (STOCKMAN, 1986, p. 288-299), também podem estar na origem dos déficits, que têm um efeito decisivo sobre a estrutura de poder do processo decisório orçamentário76.

Se o orçamento for superavitário, o Presidente tem mais liberdade para exigir do Congresso políticas que o satisfaçam, pois há maior margem para o direcionamento de gastos no formato que o Presidente pretende para manter as contas equilibradas. Além disso, a pressão econômica doméstica tende a diminuir sobre os congressistas, deixando-os mais livres para atender às demandas de um Presidente que vem, ao menos teoricamente, construindo políticas econômicas equilibradas. Como o Congresso, em termos gerais, direciona os gastos do orçamento para os atores societais que os legisladores entendem que precisam beneficiar, se existe a previsibilidade de superávit no orçamento enviado pelo Presidente, os congressistas tendem a atender todas ou a maioria das demandas do Executivo e, assim mesmo, podem alocar alguns recursos extras para suas necessidades políticas. O agente que detém o poder de agenda tende a ter suas demandas aceitas, pois não há grandes pressões para a redução das despesas.

Ao contrário, se o orçamento enviado pelo Presidente é deficitário ou se há uma previsão de um pequeno superávit, a pressão sobre os congressistas aumenta, pois percebem que não há grande margem para atender as parcelas da sociedade das quais estão próximos e que não foram beneficiadas pelo Chefe do Executivo sem que haja um desequilíbrio das contas globais. Nesse caso, para que esses atores societais sejam atendidos ou para que prioridades importantes para os

76 “Problemas orçamentários, déficits particularmente, são maximizados por uma economia fraca e

minimizados por uma forte. Um déficit grandioso e contínuo pode ter tanto efeitos de curto quanto de longo prazo na economia, como também pode ter um superávit” (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 389).

legisladores sejam contempladas, é necessário cortar gastos requeridos pelo Presidente, o que significa que o índice de demandas do Executivo que não são atendidas pelo Congresso aumenta. O poder, naturalmente, flui para quem tem a competência final de decisão, ou seja, para o Legislativo. Um orçamento deficitário, portanto, retira o poder do Executivo e o transmite aos congressistas (WITTKOPF; MCCORMICK, 1998).

Tal lógica foi, rapidamente, percebida por Reagan. A partir do início dos anos 80, uma verdadeira cultura do déficit (LINDSAY; RIPLEY, 1992) foi inaugurada nos EUA. O foco central das preocupações orçamentárias do Executivo, na gestão, não era mais o equilíbrio das contas, mas o cumprimento de uma revolução orçamentária que a Administração pretendia implementar, o que não foi possível pelo fato de que os profundos cortes que o Executivo propôs não foram realizados pelo Congresso, apesar do grande atendimento às demandas de Reagan com relação ao aumento dos gastos, principalmente em defesa, como será estudado em capítulo posterior. As diferenças entre o atendimento das propostas para a defesa e a desaprovação dos cortes de gastos sociais criaram uma grande pressão sobre as contas, que se tornaram deficitárias. Rapidamente, a pressão do déficit foi um fator decisivo para que, após somente dois anos de mandato, o apoio bipartidário que Reagan possuía no Congresso começasse a ser abandonado.

O nível de desemprego nos EUA durante as discussões do orçamento é também um dos principais indicadores para a análise das condições econômicas estruturais em que o orçamento é discutido, já que influencia, de modo direto e de forma semelhante ao déficit, o posicionamento dos legisladores estadunidenses77 acerca do encerramento de programas de armas.

Quando há um aumento do nível de desemprego, há uma forte tendência de os legisladores protegerem as vagas existentes no mercado de trabalho. Encerrar um programa de armamentos, em um cenário de grande desemprego, torna-se uma medida praticamente impossível. Se, nesse contexto, o Presidente pretender minimizar gastos e cortar investimentos, o Congresso tende a utilizar diversas ferramentas para impedir que o Presidente leve tal decisão adiante. O poder decisório, novamente, flui para as mãos dos congressistas.

77 O fato de que os índices macroeconômicos afetam o Congresso em maior medida que o Executivo

se relaciona com a maior proximidade do Legislativo com parcelas da sociedade estadunidense, o que pode ser explicado pelo modelo político-eleitoral distrital adotado nos EUA.

Essa lógica, claramente, foi percebida por George Bush, que procurou reduzir gastos com defesa, no período pós-Guerra Fria, de modo a minimizar os déficits herdados da Administração Reagan com o intuito de poupar recursos e aplicá-los na melhora do desempenho macroeconômico do país. Quando Bush assumiu, em 1989, o número de empregados relacionados com a indústria de defesa era muito maior do que o número de 1980, quando Reagan chegou ao poder. Em verdade, de 1976 a 1986, esse número dobrou (GHOLZ; SAPOLSKY, 1999- 2000, p. 9), o que foi decisivo para que as mudanças pretendidas por Bush, que significariam perdas no setor, fossem emperradas pelos congressistas.

A situação da economia dos Estados Unidos foi um fator decisivo para a mudança de um processo orçamentário em que as demandas presidenciais eram, em grande medida, atendidas, para uma política setorial clientelista78, após a Guerra

Fria. Pela primeira vez na história dos EUA, não houve uma clara redução dos gastos com defesa após o fim de uma confrontação contra um grande adversário (GHOLZ; SAPOLSKY, 1999-2000), e mesmo os esforços de fusão de empresas realizados, posteriormente, durante a gestão de Clinton, tinham como objetivo o atendimento de interesses paroquiais (a proteção dos empregos locais) e não significaram redução de custos. A racionalização das políticas passou a ser um objetivo cada vez mais distante.

A preocupação dos congressistas com a manutenção dos programas de defesa em um cenário de grande desemprego é traduzida por uma lógica eleitoral. Se uma fábrica for fechada em um determinado distrito, o número de eleitores naquele local tende a diminuir, porque os trabalhadores da indústria, quando ocorre o fechamento de uma planta em uma área, tendem a se transferir para outras regiões em que há empregos semelhantes, o que ocorre tanto com relação aos cientistas quanto aos operadores de maquinários (ELLIS et al., 1993). Outro problema surge quando há o fechamento de uma empresa e não há a possibilidade de transferência dos empregados para outras localidades em que encontrem o mesmo tipo de indústria. Nesse caso, os trabalhadores de mais alto nível conseguem encontrar vagas em outros setores e o seu retorno à indústria de defesa dificilmente ocorre. Na visão dos congressistas, isso significa que um momento de crise, mesmo que passageiro, pode levar ao enfraquecimento permanente da

indústria de defesa devido à falta de pessoal qualificado em um momento futuro de retomada, o que deve ser evitado. Portanto, as crises econômicas não podem ser utilizadas como argumento para minimizar gastos com defesa.

A importância do índice geral de preços para o equilíbrio de poder entre Legislativo e Executivo no processo orçamentário é identificada por Wittkopf e McCormick (1998, p. 453): “quanto maior o crescimento do índice de inflação na economia estadunidense, menor será o nível de votação bipartidária no Congresso”, o que acarretará em perda de poder relativo do Presidente. Como o Chefe do Executivo terá diminuída sua capacidade de obter apoio nas Casas Legislativas, seu poder de agenda é inferiorizado. Esses autores também avaliam a importância de índices sociais para o equilíbrio de poder entre os órgãos governamentais, concluindo que o índice de miséria é um indicador importante para a discussão orçamentária. Quando a miséria aumenta no país, a pressão pela manutenção de empregos e para o aumento dos investimentos estatais na economia é potencializada, o que torna praticamente impossível o corte de empregos, independentemente do equilíbrio das contas orçamentárias. Nesses casos, aparentemente, questões sociais se sobressaem às macroeconômicas.

A influência do índice de crescimento anual da economia estadunidense sobre as discussões orçamentárias também é importante, na medida em que se tornou, após a adoção internacional de padrões neoliberais, um dos mais importantes dados para mensurar o sucesso do desempenho econômico de um país (JACKSON, 2009). A partir daí, os próprios governantes dos EUA passaram a adotá- lo como medida de prosperidade e, portanto, o nível de crescimento interfere na visão dos congressistas acerca do sucesso das políticas macroeconômicas do Presidente.

Em geral, pode-se afirmar que, quando a economia apresenta más condições, a tendência é a manutenção de programas armamentistas, mesmo que considerados desnecessários pelos estrategistas militares estadunidenses ou pelos membros do Executivo79. Isso se deve ao fato de que os congressistas passam a dar maior ênfase, em um ambiente econômico desfavorável, ao atendimento dos interesses paroquiais dos eleitores de seu distrito, deixando de lado preocupações

79 Como se observará no capítulo 6, em que serão analisados os debates orçamentários da gestão

Bush, essa lógica se relaciona, principalmente, com os programas convencionais, que têm maior capacidade de gerar empregos e distribuí-los entre os diferentes distritos eleitorais dos EUA.

genéricas com a construção de uma política de defesa coerente e racional. Em um cenário de crise econômica, a máxima de que “levar o crédito pela proteção, expansão ou o início de um programa é eleitoralmente mais rentável que uma análise difusa da política” (ART, 1985, p. 242) é potencializada. Ao contrário, encerrar programas militares e, consequentemente, cortar empregos com eles relacionados, tem um peso político que a maioria dos legisladores não está disposta a pagar.

Em situações de crise, a tendência, portanto, é a ascensão do Congresso como principal ator do processo decisório, pois o Presidente tende a ver sua popularidade diminuída e, naturalmente, os legisladores tomam as rédeas do processo decisório, protegendo interesses que considerem politicamente importantes para seu sucesso nas urnas.

Essa lógica comprova o que percebeu Bledsoe (1983 apud ART, 1985)80,

que analisou milhares de decisões de quatro comitês orçamentários na Câmara e no Senado acerca do orçamento de defesa. Para o autor, a ampla maioria das decisões dos legisladores acerca de mudanças nas apropriações de armamentos se referiram a questões fiscais, e não a questões estratégicas. Isso ocorreu porque, aos olhos dos congressistas, o andamento da economia e a situação de empregabilidade em seus distritos de origem são mais importantes que a adequação de um determinado programa aos propósitos militares a que se presta.

Da mesma forma, o artigo de Adams e Cain (1989) demonstra que as decisões relacionadas com o orçamento de defesa não se baseiam em análises estratégicas, mas em critérios pautados pela racionalidade de consumo e investimentos, o que, em grande medida, amarra as decisões orçamentárias no longo prazo.

Em resumo, quando as pressões econômicas aumentam, as preocupações dos legisladores com a importância de um armamento para a estratégia de defesa dos EUA, que já são naturalmente pequenas, passam a ser ainda mais irrelevantes. O foco passa a ser o interesse paroquial do congressista, que nesses ambientes, tem seu poder decisório maximizado.

80 O autor analisou decisões relacionadas com mudanças nos gastos e na pesquisa e

desenvolvimento dos comitês de Serviços Armados e de Apropriações da Câmara e do Senado entre os anos de 1976 e 1983. De acordo com Bledsoe, que dividiu as decisões em três categorias (políticas, fiscais e de gerenciamento), as decisões fiscais (que se pautavam por preocupações com o equilíbrio das contas e não com o desempenho das Forças) foram as mais comuns entre as milhares pesquisadas.