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CAPÍTULO 2 – A ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO DO ORÇAMENTO

2.2. O EQUILÍBRIO DE PODER ENTRE OS AGENTES QUE PARTICIPAM DA

2.2.4. Opinião Pública

Desde o estudo clássico de Lippman (1922) sobre a importância da opinião pública na política estadunidense, o tema é foco de amplas análises. Apesar de que há uma crença de que o público daquele país não se preocupa com questões relacionadas com a política externa, o debate acerca do orçamento de defesa é, claramente, uma exceção a essa lógica: como o nível de gastos com armamentos afeta de modo direto o desempenho da economia dos EUA e, portanto, o cotidiano do eleitor do país, a opinião pública tende a perceber essa relação e a se preocupar com o nível de gastos militares propostos pelos Presidentes (LINDSAY; RIPLEY, 1992, p. 422).

Afirmar que a opinião pública estadunidense influencia as decisões acerca do orçamento de defesa do país, porém, não significa afirmar que essa relação é simples de ser explicada ou que o posicionamento dos eleitores acerca do tema é um fator de importância primordial na análise dos níveis de gastos com armamentos. Para que se possa fazer essas afirmações, qualificações81 precisam ser realizadas, mas é inegável o fato de que o legisladores estão atentos às demandas e percepções do eleitorado, de modo a potencializar possíveis tendências políticas e inclinações eleitorais em seu favor (MILNER, 1997; LINDSAY; RIPLEY, 1992; MAYER, 1995). Não há como desconsiderar a influência da opinião pública na análise de qualquer processo decisório, pois os próprios tomadores de decisão a consideram fator relevante. Os congressistas, principalmente, tendem a se preocupar com o atendimento dos interesses que são manifestados claramente pelo público e, dessa forma, buscam reverter uma visão inicialmente contrária que o público tem acerca das Casas Legislativas (LINDSAY; RIPLEY, 1992, p. 420).

Como não existe consenso entre os analistas políticos estadunidenses com relação à importância da opinião pública, cita-se as teorias principais que procuram compreender a questão, dando maior ou menor ênfase à influência do público sobre os tomadores de decisão: a teoria realista da opinião pública, a teoria dos partidos responsáveis e a teoria da escolha racional.

A primeira tende a partir da opinião pública como variável independente

81 Essas qualificações geraram diferentes teorias que analisam a influência da opinião pública sobre

principal do processo decisório, enquanto as outras duas defendem que os governantes tomam suas decisões com base em sua ideologia (entendendo que a decisão se dá com base em programas partidários consistentes) ou em cálculos dos tomadores de decisão (a decisão é política, tendo por base o interesse do agente político em sua reeleição, que se baseia na configuração que percebe no distrito) e, a partir daí, buscam moldar a opinião pública.

Partindo-se do pressuposto de que a opinião pública é um fator relevante na tomada de decisão, observa-se que a maior dificuldade para os autores que privilegiam essa variável em suas explicações é estabelecer uma relação causal clara entre as inclinações dos eleitores e as decisões políticas de Washington. Como são várias as interferências externas sobre o tomador de decisão, é impossível estabelecer uma relação causal direta entre alterações na opinião pública e o modo como afetam o convencimento do tomador de decisão. Nenhuma das teorias apresentadas acima, portanto, consegue construir uma tese definitiva acerca da importância da opinião pública sobre o processo decisório e sobre o modo por meio do qual alterações na opinião pública provocam mudanças no nível de gastos com defesa.

Na ausência de possibilidades metodológicas para isolar essa variável na análise do orçamento de defesa, a tese trabalhará, quando os dados estiverem disponíveis, com pesquisas de opinião pública como fonte para a construção do orçamento, partindo-se do pressuposto que a opinião pública é uma variável importante para o processo decisório, mas que, isoladamente, não define o posicionamento dos tomadores de decisão.

Além disso, a tese considerou estudos que apresentam respostas diferentes (BARTELS, 1991; HOLSTI, 1992; PAGE et al., 1987; EDWARDS III; WAYNE, 1994; FOYLE, 1999) acerca da influência da opinião pública sobre os governantes. Ao analisá-las conjuntamente, observou-se que essa interferência varia de acordo com o ambiente decisório, o que se aproxima de uma quarta perspectiva acerca da opinião pública e sua influência sobre o processo decisório. Essa perspectiva, que vem ganhando importância nos últimos anos, foi apresentada por Foyle (1999, p. 7-9)82.

82 O autor trabalha com quatro perspectivas acerca da influência da opinião pública sobre a tomada

de decisão de um governo. A primeira identifica que, durante a tomada de decisão, a opinião pública recebe pouca, se alguma, atenção dos governantes. Esses tendem a ignorar a opinião pública

De acordo com ele, em momentos em que a opinião pública se posiciona claramente e quando outras variáveis (como as ameaças internacionais e o estado da economia) pouco interferem no convencimento do governante, a opinião do eleitorado pode ser uma variável decisiva, como prevê a teoria realista da opinião pública. Em situações adversas, quando a pressão econômica ou de ameaças internacionais são decisivas, a opinião pública tende a ter menos relevância, sendo que as teorias da escolha racional ou dos partidos responsáveis ganham capacidade explicativa.

Na lógica de Foyle, portanto, as variáveis utilizadas nesta tese estão intimamente relacionadas.

Dessa forma, apesar de que estudos como o de Bartels (1991, p. 466) consideram a opinião pública como a variável mais relevante para a explicação de processos decisórios, sua importância varia de acordo com as demais características estruturais ora discutidas. Mesmo esse autor, que dá peso decisivo à variável, entende que “alterações agregadas da opinião pública na magnitude e saliência das observadas com relação ao tema do gasto com defesa no final dos anos 1970 são raras” (BARTELS, 1991, p. 467), o que faz com que seja necessária a análise de outras variáveis para a compreensão das alterações no comportamento do governo, pois se essa variável não se altera fortemente, outras são necessárias para explicar alterações nos interesses dos tomadores de decisão.

Além da discussão acerca do nível de influência da opinião pública sobre o tomador de decisão, outro ponto importante sobre a opinião pública é a análise de como ela é formulada.

Para Page et al. (1987), três são os agentes que buscam influenciar a formação da opinião pública, obtendo diferentes resultados, sendo que dois deles têm grande capacidade de influência, enquanto o terceiro tende a ter uma interferência negativa. A mídia é uma forte fonte de influência sobre a opinião pública, especialmente quando a opinião é expressada por especialistas, e não por

durante todo o processo decisório ou a ignorá-la de início e, posteriormente à tomada de decisão, tentam convencê-la de que a escolha foi acertada. A segunda perspectiva entende que a opinião pública é considerada no processo decisório somente quando tem a capacidade de eliminar possíveis opções dos tomadores de decisão devido à uma forte oposição popular a uma delas. A terceira estuda o tema a partir de métodos quantitativos e percebe que as elites tentam moldar a opinião pública em alguns momentos e, em outros, os tomadores de decisão cedem aos anseios populares, procurando identificar, em termos percentuais, quando uma hipótese se sobressai sobre a outra. Por fim, a quarta perspectiva é a utilizada nesta tese e entende que diferentes condições ambientais fazem com que a opinião pública possa ter maior ou menor influência sobre o tomador de decisão.

jornalistas e apresentadores, que raramente são bem informados. Um Presidente popular também tem grande capacidade de moldar a opinião pública, o que não ocorre quando a popularidade do líder do Executivo é baixa. Ao contrário, os grupos de pressão têm uma influência negativa sobre a opinião pública em geral, que tende a se sentir desprestigiada quando percebe uma forte influência de um grupo com interesses específicos sobre a tomada de decisão83.

Para o objetivo da tese, a relação do Presidente com a opinião pública foi bastante importante. O primeiro ponto a ser destacado é que essa relação é recíproca. Quando a opinião pública se posiciona de modo claro com relação a um tema, dificilmente o Presidente a contraria. Por outro lado, o Presidente busca influenciar a opinião pública a partir do momento em que formula seu convencimento acerca de um tema, o que só é possível quando o governante apresenta elevados índices de popularidade, já que um Presidente impopular dificilmente tem condições de moldar a opinião pública, mesmo que realize diversos esforços nesse sentido (PAGE et al, 1987, p.36-37), como ocorreu, em muitos momentos, com o governo Bush.

A relação do Presidente com a opinião pública é ainda mais complexa porque depende da percepção do tomador de decisão acerca da importância do posicionamento dos eleitores: “a influência da opinião pública [sobre um tema determinado] é mediada largamente pela crença de um Presidente com relação à influência que a opinião pública deve ter sobre um tema de política externa” (FOYLE, 1999, p. 2). Baseado nessa pressuposição, Foyle (1999, p. 11) divide a percepção dos Presidentes com relação à importância da opinião pública em quatro grupos. Os delegados entendem que a aprovação da opinião pública é necessária e desejável para a implementação de uma política externa. Os executores percebem que o apoio da opinião pública é desejável, mas não necessário. Os pragmáticos o percebem como necessário, mas não desejável. Por fim, os guardiães entendem o apoio da opinião pública como desnecessário e indesejável para o sucesso de suas políticas.

Para o autor, o Presidente Reagan era um típico guardião, enquanto Bush mostrou-se um Presidente pragmático, pois entendia que seguir a opinião pública,

83 Essa opinião é corroborada por Gable (1958), que observa que a propaganda não garante o

convencimento dos eleitores, apesar de que a associação entre grupos das elites e o público é importante.

em alguns casos, poderia levá-lo a más decisões, mas tentava moldá-la a partir do momento em que estavam tomadas. Nenhum dos dois, portanto, dava uma importância fundamental para a opinião pública durante a formulação das decisões.

Apesar de os atores políticos tentarem, constantemente, influenciar a opinião pública, uma de suas características mais fundamentais é a sua tendência à estabilidade, pois, na maioria dos processos decisórios, como na elaboração do orçamento de defesa, há pouco tempo para que o público aprofunde seu pensamento acerca de um determinado tema e altere seu posicionamento, a não ser que ocorram acontecimentos excepcionais (PAGE et al, 1987, p. 24), como graves crises ou a emergência de uma séria ameaça. A capacidade da mídia de alterar o posicionamento do público, particularmente, somente é potencializada quando diversos especialistas se posicionam em um mesmo sentido. O Presidente, da mesma forma, somente terá forte capacidade de influência se o seu posicionamento estiver pautado em critérios que sejam claros para o público e acerca dos quais já houver um convencimento prévio, o que é raro em um sistema bipartidário em que uma importante parcela dos eleitores tem uma inclinação prévia para um ou outro lado da esfera política, como o estadunidense.

Especificamente com relação à importância da opinião pública nos períodos que foram analisados na tese, é relevante a opinião exposta por Bartels (1991), para quem, percentualmente, a influência da opinião pública foi mais importante que outras variáveis, como a inclinação partidária, para o buildup de Reagan.

Apesar das colocações do autor, porém, é importante ressaltar a posição da tese, de que a importância da opinião pública não é fixa, mas depende de outras variáveis estruturais. Além disso, mesmo que Bartels (1991) estivesse correto com relação ao crescimento dos gastos durante o mandato de Reagan, claramente a opinião pública não teve a mesma importância em outros processos orçamentários, o que pode ser percebido durante a mesma Administração, pois o público deixou de apoiar o aumento dos gastos com defesa brevemente após a eleição de Reagan que, mesmo assim, continuou solicitando mais recursos para a compra de armamentos (STUBBING; MENDEL, 1986). Bartels (1991), dessa forma, sobrevaloriza a importância dessa variável, buscando estabelecer matematicamente sua relevância, mas entende-se que sua análise é pautada em uma simplificação profunda, o que esta tese pretendeu evitar.

O fato é que, mesmo tendo maior ou menor importância, a opinião pública nunca deixa de ser considerada pelos governantes. Apesar de a maioria dos Presidentes negarem, todos se utilizam de pesquisas de opinião pública ao tomarem suas decisões. Mesmo que a opinião pública não seja considerada como relevante o suficiente para influenciar a decisão, em alguns casos específicos, será importante na construção da justificativa política da decisão depois de ela ser tomada. Tanto Reagan quanto Bush possuíam assessores que realizavam consultas à opinião pública e auxiliavam suas tomadas de decisão (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 94).