• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – OS AGENTES DO PROCESSO DECISÓRIO DE ELABORAÇÃO

3.4. AGÊNCIA3: OS PAPÉIS QUE OS TOMADORES DE DECISÃO OCUPAM NO

3.4.3. Os agentes que influenciam o processo decisório de elaboração do

3.4.3.1. Os grupos de interesse

3.4.3.1.2. Os grupos de interesse da indústria de defesa dos EUA e sua

Três características marcam a participação dos grupos de pressão no processo de formulação do orçamento de defesa dos EUA. A primeira delas é relacionada com a grande propensão do sistema político do país à formação de tais grupos e à sua participação nos processos decisórios. A segunda diz respeito à maior proximidade dos lobbies com os congressistas do que com os membros do

148 A influência é medida pelos efeitos percebidos, pois não há uma forma clara de mensurar os

Poder Executivo. As duas primeiras características já foram analisadas neste capítulo, por se associarem a peculiaridades do próprio sistema político-econômico dos EUA. A terceira, sobre a qual dar-se-á maior ênfase nesse momento, é mais específica e se refere à grande intensidade dos lobbies da indústria de defesa.

Esses grupos têm grande intensidade no ambiente doméstico dos EUA, o que pode ser medido pela alta capacidade das indústrias de armamentos de garantirem sua sobrevivência e a maximização de seus lucros em um cenário extremamente restrito (já que existe somente um cliente em potencial, o governo). Apesar das condições desfavoráveis do mercado de armamentos, a estreita relação simbiótica entre os grupos de pressão da indústria de defesa, os congressistas e os membros das Forças Armadas, conhecida como Triângulo de Ferro (SMITH, 1996) da política estadunidense, é o principal instrumento político desenvolvido pela indústria. Sua força pode ser medida pela riqueza e pelos resultados financeiros positivos que vem obtendo ao longo dos anos (COBB, 1969), independentemente da existência ou não de ameaças externas aos EUA, que, a princípio, deveriam ser a razão principal para a existência de uma indústria de defesa forte no país.

Destaca-se que essa capacidade de garantir a sobrevivência de um número excessivo de indústrias de defesa se tornou ainda mais evidente no pós- Guerra Fria, quando os incentivos estruturais para sua existência foram minimizados e houve a necessidade de fortalecimento das estratégias políticas adotadas pelos lobbies de defesa, o que foi facilitado pela emergência do Congresso na tomada de decisão (GHOLZ; SAPOLSKI, 1999-2000). Para alguns autores, a forte reação dos grupos de interesse da indústria de defesa a um ambiente menos favorável, proveniente da redução das ameaças externas, pode ser mensurada pelo excesso de produtos militares à disposição das Forças Armadas nos EUA, independentemente de sua utilidade nos campos de batalha e no dia-a-dia da atuação dos militares. Gholz e Sapolski (1999-2000) fazem uma análise profunda do excesso de equipamentos das três Forças, mencionando, por exemplo, a quantidade de tanques, helicópteros ou aeronaves com tecnologia deficitária, que se encontram inativos em diversas instalações militares no país, o que é, em grande medida, consequência dos esforços, cada vez maiores, dos grupos de pressão da indústria, que vêm mantendo seus lucros intensos de modo artificial.

Essa força desproporcional que os grupos de pressão da indústria de defesa dos EUA adquiriram com relação ao governo e às outras indústrias do país

vem sendo tema de diversas análises há muitas décadas, como demonstra a literatura utilizada nesta tese e como se pode observar por meio da menção mais notória a respeito do tema, o discurso de despedida149 do Presidente Eisenhower, realizado em 17 de janeiro de 1961, e que chama a atenção para a emergência de um complexo industrial militar que poderia, com facilidade, passar a dominar as decisões do governo estadunidense. Importante salientar que esse discurso foi realizado justamente por um Presidente com uma estreita ligação com os militares, um ex-general que havia comandado as forças dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. Nas palavras do então Presidente, o risco da ascensão do complexo industrial militar era grande e poderia levar a um total desequilíbrio da estrutura decisória do país:

Nós não podemos mais correr o risco de uma improvisação emergencial da defesa nacional; nós fomos compelidos a criar uma indústria permanente de armamentos de proporções vastas. Além disso, três milhões e meio de homens e mulheres estão diretamente engajados na estrutura de defesa. Nós, anualmente, gastamos mais em segurança militar que a renda total das corporações dos Estados Unidos.

Essa conjunção de uma estrutura militar imensa com uma indústria de armamentos grandiosa é nova na experiência americana. A influência total, econômica, política e mesmo espiritual é sentida, em toda cidade, estado e na sede do governo federal. Nós reconhecemos a necessidade imperativa para esse desenvolvimento. Mesmo assim, nós não devemos falhar em compreender suas graves implicações. Nossos esforços, recursos e meios de vida estão todos envolvidos; bem como a própria estrutura de nossa sociedade.

Nos conselhos do governo, nós devemos nos proteger contra a aquisição de uma influência injustificável, proposital ou não, do complexo industrial- militar. O potencial para um aumento desastroso de um poder mal posicionado existe e persistirá (EISENHOWER, 1961).

Como se observa, o temor de Eisenhower, um membro da própria estrutura militar sobre a qual se referia, já era grande em meados do século passado. Desde então, apesar das mudanças de método, os grupos de interesse da indústria militar só ganharam importância, principalmente depois da Guerra Fria (GHOLZ; SAPOLSKI, 1999-2000).

A intensidade dos grupos de interesse da defesa dos EUA é potencializada pelo fato de que tais grupos são formados por um número pequeno de empresas, que têm contratos muitos grandiosos com o governo. Quanto maiores forem os contratos de uma indústria específica, maior sua capacidade de moldar as

149 Denominado de Farewell Address. Disponível, na íntegra, em:

decisões orçamentárias (DOMKE, 1984), pois essa empresa tende a ter maior capacidade de influência sobre o governo devido ao seu número maior de empregados e ao fato de que os empregos da indústria de defesa exigem, muitas vezes, trabalhadores altamente capacitados, considerados formadores de opinião em seus distritos de origem (ELLIS et al., 1993).

Esse domínio, cada vez maior, do processo orçamentário por um número pequeno de contratantes muito poderosos não significa, porém, que o total de empresas envolvidas com a defesa, nos EUA, é pequeno. Ao contrário, o que se observa é que esse número é bastante extenso. O que ocorre, na prática, é que as empresas que obtêm contratos do governo e que influenciam, diretamente, o processo decisório, por interesses políticos, estão, cada vez mais, ampliando o número de subcontratantes que os auxiliam a produzir os grandes equipamentos relacionados com os seus volumosos contratos. Com o intuito de amarrar os políticos aos seus interesses, a subcontratação é uma prática crescente e que cria vínculos em quase todos os distritos eleitorais dos EUA. A quantidade de empresas estadunidenses com algum tipo de associação à defesa, entre 1976 e 1986, dobrou (GHOLZ; SAPOLSKI, 1999-2000, p. 9), o que demonstra o alcance e a intensidade dos lobbies da indústria, apesar de sua vantagem organizacional, relacionada com o pequeno número de empresas que recebem contratos diretos do governo.

Além dessa capacidade de influência, a proximidade entre os congressistas e os grupos de pressão da indústria é outra fonte de vantagem que possuem. Como destacam Stubbing e Mendel (1986, p. 90), esta relação é especialmente próxima na temática de defesa:

Para os membros do Congresso – cujo emprego é representar os interesses dos seus eleitores – o impacto econômico do orçamento de defesa é simplesmente muito grande para ignorar. As pressões são grandes para que os representantes do Congresso “levem o bacon para casa” – pela atração de novos negócios de defesa ou pela proteção dos que já estão lá. Os contratantes de defesa, em particular, são capazes de criar fortes pressões sobre os congressistas e seus staffs por meio de esforços de

lobby caros em Washington. As grandes firmas de defesa mantêm staffs de

20 a 80 pessoas em tempo integral em Washington, que tentam obter acesso à atmosfera política do Congresso e do Pentágono. De fato, muitos dos empregados que agora trabalham para essas firmas de lobby anteriormente serviram ao Congresso [...] Esses exemplos de pessoal de “porta giratória” ilustram a influência de elementos de dentro, que pode ser aumentada por generosas doações de campanha fornecidas por comitês de ação política da indústria de defesa.

No Executivo, especificamente com relação ao período analisado pela tese, houve uma mudança na relação entre os governos Reagan e Bush com os grupos de interesse da indústria de defesa. Enquanto o primeiro tinha laços com grupos mais específicos, formados por conservadores, que auxiliavam Reagan a elaborar seus projetos orçamentários e suas decisões de política externa, George Bush mantinha laços com grupos de diversas ideologias, que utilizava com o intuito de buscar a legitimação de suas decisões frente à opinião pública (PETERSON, 1992). Apesar dessas diferenças, ambos mantinham relações estreitas com os grupos150.

A lógica observada no período pós-Guerra Fria ampliou uma realidade que já era conhecida, pois os grupos de interesse da defesa continuaram a obter auxílios do Estado, mesmo após o encerramento de um grande conflito e a consequente redução abrupta da demanda por seus produtos (FORDHAM, 2003, p. 585). Para o autor, observação de variáveis econômicas relacionadas com essa indústria também demonstra os benefícios que a forte pressão que exercem sobre os governantes vem rendendo. O fato de que os preços das ações das companhias de defesa, no período posterior à Guerra Fria, eram mais altos que durante o confronto, é um indicativo de que os investidores consideravam o mercado menos arriscado, mesmo em um momento de menores lucros potenciais, o que é, no mínimo, curioso.

Como se observa, o ambiente de discussão do orçamento de defesa é um claro exemplo de desequilíbrio entre os grupos da sociedade diante do governo. Há uma representatividade desproporcional de um número reduzido de indústrias muito organizadas e financeiramente poderosas, que pressionam os governantes, principalmente do Poder Legislativo, a responder às suas demandas,

150 O primeiro Presidente do pós-Guerra Fria que tentou minimizar essas relações no processo de

elaboração do orçamento de defesa foi Clinton, que lançou uma ampla campanha de fusões das indústrias de defesa, com o objetivo de minimizar seu número e de diminuir a capacidade ociosa da indústria. De imediato, os grupos de interesse foram contrários ao planejamento elaborado pelo Executivo e, para que seguissem adiante com as fusões, o governo precisou conceder-lhes incentivos grandiosos (GHOLZ; SAPOLSKI, 1999-2000, p. 24). Apesar de que Clinton acabou por dar origem a uma política que levou a várias fusões, como a ocorrida entre as empresas Lockheed e Martin, que foi encerrada em 2005, após o seu governo, esse processo não levou a uma racionalização das plantas. O número de empresas diminuiu, mas o número de plantas continuou, praticamente, o mesmo, o que foi possibilitado pelos extensos incentivos financeiros proporcionados pelo governo. Os autores GHOLZ e SAPOLSKI (1999-2000) fazem uma ampla análise do processo de fusões desencadeado por Clinton, trazendo, inclusive, listagens de todas as plantas de indústrias de defesa existentes nos EUA durante e após a Guerra Fria. Como observam os autores, as reformas da indústria, no período, foram mínimas.

independentemente da necessidade estratégica de gastos com defesa. A indústria de defesa, nesse sentido, destaca-se pela sua forte capacidade de moldar as preferências dos legisladores (BOLT et al., 1995; GAILLARD, 2010; JONES, 2004; LINDSAY, 2004), o que está em consonância com o que é enfatizado pela teoria transacional sobre esses grupos (OLSON, 1999).

Deve-se ressaltar, porém, que as indústrias de defesa não se tornaram extremamente poderosas pela sua atuação isolada, mas pela consolidação de uma relação próxima com os legisladores e com as Forças Armadas, cuja atuação será analisada a seguir.

3.4.4. As Forças Armadas como local de práticas posicionadas e sua