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Os Distritos Eleitorais como condicionantes da Relação entre os

CAPÍTULO 3 – OS AGENTES DO PROCESSO DECISÓRIO DE ELABORAÇÃO

3.4. AGÊNCIA3: OS PAPÉIS QUE OS TOMADORES DE DECISÃO OCUPAM NO

3.4.2. O Poder Legislativo como local de práticas posicionadas e a importância

3.4.2.2. Os Distritos Eleitorais como condicionantes da Relação entre os

A segunda questão com relação às características desse local de práticas posicionadas se relaciona com a configuração do sistema político estadunidense, que divide a representação política do país em distritos, regiões delimitadas com base no tamanho das populações em áreas localizadas no interior dos estados137. O Representante estadunidense é eleito para a Câmara, para representar um distrito específico, que, comumente, apresenta características bastante delimitadas. Assim que é eleito, portanto, tem condições de conhecer, com elevado grau de profundidade, os interesses que representa e pode identificar, também, os atores mais poderosos com os quais precisa contar no momento de tentar a reeleição. Porque devem se concentrar no atendimento dos interesses que representam, o foco dos Representantes, por vezes, deixa de ser o interesse do eleitor médio dos EUA no momento em que formula suas decisões. O resultado dessa lógica foi o surgimento de “uma máquina política que, frequentemente, serve os propósito públicos mais gerais somente como um produto incidental dos seus objetivos políticos” (SHEPSLE; WEINGAST, 1984, p. 345).

A forte ligação entre legisladores e atores politicamente muito relevantes em seus distritos eleitorais faz emergir dois princípios básicos nas políticas estadunidenses com relação à aquisição de bens ou serviços pelo governo federal: o princípio da ineficiência produtiva e a tendência distributiva.

O primeiro está relacionado com o fato de que os gastos aprovados por um legislador tendem a objetivar o benefício dos atores que operam em seu distrito

137 Os eleitores estadunidenses estão divididos em distritos eleitorais, sendo que cada distrito elege, a

cada dois anos, um Representante para a Câmara. A divisão entre distritos se dá com base no tamanho da população, apurado por recenseamento realizado a cada 10 anos, sendo que o número de distritos total, nos EUA, é 435.

eleitoral: “os programas de gastos são, como conseqüência, enviesados e se afastam dos métodos de produção menos custosos para favorecer os métodos que provejam maior apoio eleitoral” (SHEPSLE; WEINGAST, 1984, p. 355). Os fins a que o programa se destina e a eficiência do processo produtivo não são os fatores que fundamentam as escolhas dos legisladores, que procuram, constantemente, meios de transformar custos econômicos em benefícios políticos. “A menos que, coincidentemente, haja uma correlação entre as escolhas que maximizem as retribuições políticas e as que forem economicamente mais eficientes, esse viés distorcerá os insumos de produção” (SHEPSLE; WEINGAST, 1984, p. 357).

O segundo se refere ao fato de que os programas que tendem a ser aprovados pelo Legislativo são os que mais têm condições de fornecer ganhos políticos ao maior número possível de congressistas. Tal fato aumenta a importância da prática de subcontratação pelas indústrias de defesa, analisada com maior grau de profundidade no capítulo 7 desta tese. A partir do momento em que um contrato para o desenvolvimento de um armamento é outorgado, a empresa passa a recorrer a subcontratantes que produzem partes específicas e componentes do equipamento. O principal fator que leva à seleção desses fornecedores é sua localização geográfica, que não é fruto de decisão econômica: financeiramente, o ideal seria que todos os fornecedores de equipamento para um determinado programa estivessem próximos; politicamente, o ideal é que estejam representados no maior número possível de distritos eleitorais, o que potencializa as chances de manutenção do equipamento no tempo.

A lógica distrital interfere no posicionamento dos congressistas com relação ao orçamento de defesa ainda quando o projeto orçamentário está sendo elaborado pelo Executivo. Antes mesmo de receberem o orçamento do Presidente, os congressistas já encomendam dos seus assessores uma lista com todos os programas de armamentos e instalações militares que são importantes em seus distritos. Quando recebem o documento do Executivo, de início já comparam o que está sendo atendido e o que não é mantido pelo próximo orçamento. A reação do Congresso ao documento é “rápida, forte e partidária. Há poucos tímidos na Câmara e no Senado e os membros, que, por sua natureza, são mais prolixos e articulados que os cidadãos ordinários, não hesitam em reagir nem escondem suas opiniões” (SHUMAN, 1992, p. 63), iniciando o trabalho de proteção dos interesses específicos que considerem essenciais à sua sobrevivência política.

Essa lógica é muito mais visível na Câmara dos Representantes do que no Senado, pois o eleitorado dos Senadores é maior, já que compõe o conjunto de indivíduos de todo o estado que o Senador representa (COBB, 1969; MAYER, 1995). Ainda assim, os Senadores têm condições de identificar os atores mais poderosos em seus estados de origem e, pela mesma ótica apresentada com relação aos Representantes, estão muito mais próximos do eleitorado que o Presidente. Além disso, outra questão importante é que o Senado é dominado pelos estados pequenos (SHUMAN, 1992, p. 60), pois é composto por dois representantes de cada estado e os pequenos são muito mais numerosos que os estados populosos. A importância do Senado no processo orçamentário, e o fato de que essa Casa é dominada pelos estados pequenos, é outro incentivo para que as indústrias de defesa realizem um amplo processo de subcontratação, aumentando sua capacidade de influência sobre o Senado.

Por fim, deve-se mencionar que a existência dos distritos eleitorais não interfere somente na relação entre Executivo e Legislativo e no convencimento dos congressistas, mas também na sua proximidade com agentes da sociedade que procuram influenciar o resultado das decisões orçamentárias138. Como tais grupos são provenientes de parcelas específicas da população, a proximidade do agente político com o eleitorado é diretamente proporcional à sua proximidade com os grupos de interesse (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 296). O sistema político do Congresso estadunidense é especialmente aberto aos lobbies (BENNEDSEN; FELDMANN, 2002). Outro autor que concorda com essa assertiva é Mann: “a base eleitoral independente dos legisladores e a estrutura interna da Câmara e do Senado naturalmente empurra os membros do Congresso para servir aos interesses organizados e buscar benefícios aos seus próprios eleitores” (MANN, 1990, p. 302).

Os Senadores estão menos conectados com os grupos de interesse do que os Representantes, mas são mais vulneráveis às pressões desses grupos que os membros do Executivo, que estão concentrados no atendimento aos interesses de todo o eleitorado do país. Por esse papel intermediário, o Senado tende a dar mais suporte às políticas presidenciais que a Câmara dos Representantes (MCCORMICK; WITTKOPF, 1990), mas não pode deixar de considerar a pressão

138 Essa aproximação entre congressistas e grupos compõe dois vértices do que foi definido, no

último capítulo, como Triângulo de Ferro da política de defesa dos EUA, que tem como consequência o fato de que os congressistas, muitas vezes, privilegiarão interesses específicos, independentemente dos custos que isso pode trazer ao eleitor médio do país (BARTELS, 1991).

dos grupos de interesse.

Como se observa, portanto, as características desse local de práticas posicionadas favorecem uma tomada de decisão que beneficie interesses específicos, o que afasta o pensamento dos legisladores do que prevalece no Executivo. Dessa forma, a emergência de um ou de outro, na decisão, tende a alterar seu resultado, como se verá a seguir.

3.4.2.3. A importância do Legislativo no processo de elaboração do