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CAPÍTULO 2 – A ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO DO ORÇAMENTO

2.2. O EQUILÍBRIO DE PODER ENTRE OS AGENTES QUE PARTICIPAM DA

2.2.2. Divisão partidária do governo

Uma das principais variáveis estruturais domésticas que afetam o equilíbrio de poder entre o Executivo e o Legislativo é a divisão partidária entre os dois Poderes. Essa variável não trata do conteúdo das políticas defendidas (ideologia) especificamente por cada partido, mas entende que, em um governo em que o Presidente é de um partido político e a maioria de ambas as Casas do Congresso é de outro, existe uma forte tendência, nas discussões orçamentárias, de prevalência do Legislativo, que tende a dificultar a aprovação das medidas propostas pelo chefe do Executivo. Ao contrário, se os Poderes são ocupados por membros de um mesmo partido político, o Presidente tende a ver seus interesses prevalecerem.

Sem um amplo apoio do Congresso, um Presidente não tem condições de aprovar as políticas de seu interesse ou de promover grandes alterações orçamentárias. Dessa forma, “a divisão partidária no controle do Congresso ou entre o Congresso e o Poder Executivo pode revelar a fraqueza do processo orçamentário” (REISCHAUER, 1984, p. 386), que prevê uma extensa divisão de responsabilidades entre os órgãos, com o intuito de que o debate intenso aproxime o resultado orçamentários dos interesses do público.

As análises que tratam do apoio bipartidário às demandas presidenciais identificam que, quando o Presidente se posiciona claramente com relação a um tema, a diferença de apoio, no Congresso, de membros do seu e do outro partido, é de cerca de 25%69 (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 298-300). Percebe-se, portanto, que independentemente da posição ideológica do Presidente com relação a um tema específico, seus aliados no Capitólio tendem a apoiá-lo mais do que seus opositores. Em 1981, por exemplo, Reagan teve um apoio médio de 72% dos Republicanos e de 39% dos Democratas na Câmara. Bush, também no primeiro ano de sua Administração, teve um apoio de 71% dos Republicanos e 34% dos Democratas. A tabela abaixo ilustra a questão:

TABELA 3 – APOIO PRESIDENCIAL POR PARTIDO, 1981-199070 (EM

69 Com Bush, porém, o índice de diferença nos apoios de Republicanos e Democratas foi muito

maior, como se observará no capítulo 6 e pode ser comprovado pela tabela 3. Ao fato de que Bush tinha um baixo apoio bipartidário, deve-se adicionar a percepção de que enfrentou um Congresso amplamente democrata, em ambas as Casas. A conjuntura política, em seu mandato, era extremamente desfavorável.

PERCENTUAIS):

Câmara Senado

Ano

Democratas Republicanos Democratas Republicanos

1981 39 72 33 81 1982 30 61 35 72 1983 28 71 39 73 1984 32 66 31 74 1989 34 71 36 77 1990 25 72 31 69

Fonte: tabela elaborada com base no original: (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 299)

Várias hipóteses buscam explicar o apoio bipartidário: a primeira entende que há um sentimento natural de lealdade ao Presidente pelos membros de seu partido; a segunda destaca que membros de um mesmo partido possuem, teoricamente, ideologias semelhantes71; há um sentimento de gratidão dos membros de um partido com um Presidente que se elegeu no mesmo pleito que eles, pois cabe ao Chefe do Executivo, em uma eleição, centralizar as estratégias de campanha e a representação do partido diante do eleitorado, o que ocorre mesmo em eleições de meio-termo, em que o Chefe do Executivo participa como aliado dos candidatos de seu partido; por fim, entende-se que os agentes políticos do mesmo partido têm grupos de apoio semelhantes e, portanto, representam interesses domésticos correlatos no procedimento de tomada de decisão.

A análise da divisão partidária do governo ganhou ainda mais relevância com o fim da Guerra Fria, que “acelerou o declínio do bipartidarismo e acentuou a relevância da perspectiva partidária” (MCCORMICK et al, 1997), o que fez com que a aprovação de políticas propostas pelo Executivo tenha se tornado mais custosa, contribuindo para a ascensão do Legislativo frente ao Executivo.

Essa lógica, porém, não pode ser compreendida em termos absolutos e sua utilização na tese é relativizada por três questões específicas.

A primeira questão importante acerca da divisão partidária é observada por Mayhew (1991, p. 195-196), que conclui que, em situações de grandes ameaças externas, a importância da variável diminui, havendo pouco espaço para grandes alterações entre ambientes de governo dividido ou unificado. O crescimento das

71 Tal hipótese vem perdendo força nos últimos anos, como se verá a seguir, mas, ainda assim, a

ideologia apresenta importância: como destacam Edwards III e Wayne (1994, p. 300), “membros Republicanos da Câmara têm votado com base em uma linha conservadora muito antes de Ronald Reagan ir a Washington”.

ameaças externas cria um ambiente de forte nacionalismo e, principalmente nos Estados Unidos, isso significa que a opinião pública passa a ver os legisladores que se posicionam em contrário às políticas do Presidente como traidores da nação. O efeito é conhecido como “rally around the flag” e é debatido por diversos analistas políticos estadunidenses (ONEAL; BRYAN, 1985; LEE, 1977; BAUM, 200272). Ocorre em grandes momentos de crise, ocasiões em que a popularidade do Presidente tende a bater recordes, como foi observado com George Bush, depois da Guerra do Golfo, em 1991 (EDWARDS III; WAYNE, 1994, p. 330). Tal efeito demonstra, mais uma vez, que a variável sistêmica anteriormente apresentada se relaciona profundamente com esta e com todas as demais variáveis domésticas discutidas na tese.

A segunda questão se refere, especificamente, à análise da importância dos partidos existentes nos Estados Unidos e à sua real diferença político-ideológica entre si. A existência de partidos políticos não é prevista pela Constituição dos Estados Unidos, pois os Pais Fundadores não percebiam a necessidade de sua criação, havendo, inclusive, posicionamentos contrários aos benefícios que os partidos poderiam ter, pelo risco de estagnarem o cenário político. Porém, como a reunião de indivíduos com ideias semelhantes a respeito de temas diversos foi uma consequência natural do modelo democrático adotado no país, a institucionalização dessas reuniões foi apenas questão de tempo, sendo que os partidos surgiram ainda durante a década de 1790. Os primeiros foram o Partido Federalista, comandado por Alexander Hamilton, que favorecia uma forte aliança com o Reino Unido, e o Partido Democrata-Republicano, encabeçado por James Madison e Thomas Jefferson, que divergiam de Hamilton.

Desde então, o sistema passou por uma grande evolução, mas o modelo bipartidário, originado no início da formação política do país, vem se mantendo, com a prevalência de dois partidos que procuram, apesar de diversas mudanças em suas inclinações ideológicas, oferecer perspectivas diversas e contrapostas ao seu eleitorado. A maior parte da literatura a respeito do tema defende o modelo, pois oferece à população uma clara escolha entre dois formatos alternativos de políticas públicas e porque há uma influência moderadora, já que ambos precisam se

72 Em especial, o estudo de Baum (2002) é interessante para a tese, pois demonstra como o efeito

”rally around the flag” afeta diferentes eleitores, dependendo de condições ambientais e individuais,

aproximar do centro para disputar os eleitores indecisos. As duas alegações são plausíveis, mas contraditórias, de acordo com Lijphart (1999).

Além de realizar essa afirmação, cuja importância demandaria um estudo específico sobre as consequências políticas da existência de apenas dois partidos no cenário político estadunidense, o autor defende que sistemas puramente bipartidários são raros, devendo o analista que se debruçar sobre a questão refletir sobre a contagem de partidos pequenos, que não têm condições de atuar politicamente, sobre a existência de dois partidos com ideologias semelhantes, que podem representar, na prática, somente um partido, ou sobre casos em que há um partido muito dividido, que possa representar duas ou mais inclinações ideológicas73.

Como o aumento da complexidade da atuação estatal fez com que o número de temas acerca dos quais os políticos devem se posicionar, as inclinações ideológicas dentro dos partidos têm aumentado, maximizando a flexibilidade de posicionamentos em seu interior e tornando mais difícil, dessa forma, o cálculo do número real de partidos em um país. Porém, como o objeto dessa tese se refere a um problema específico, o gasto com defesa de um país, as diferenças entre os posicionamentos do Partido Republicano e do Partido Democrata foram mais facilmente identificáveis.

Um terceiro ponto importante na questão do bipartidarismo reflete as conclusões da constatação anterior. A simples análise do número de membros de um e de outro partido no Senado ou na Câmara não retrata um governo dividido, pois mesmo a presença de um Presidente Republicano e de uma Câmara com maioria democrata pode representar, na prática, um governo de coalizão com relação ao tema específico.

Isso ocorreu durante a gestão de Reagan, que conseguiu o apoio quase irrestrito de Representantes Democratas do sul do país, ligados a uma linha mais conservadora do Partido, os chamados Bow Weevils. A existência dos Bow Weevils, de início, permitiu a Reagan a construção de um consenso bipartidário em torno do aumento dos gastos com defesa. Tal aliança, porém, durou poucos anos, pois desde o início dos anos 80 já havia alguns sinais de quebra do consenso bipartidário entre

73 Em sua obra, Lijphart (1999), por trabalhar com a comparação de sistemas democráticos em 36

países, utiliza o método quantitativo, incluindo a possibilidade de cálculos com base na ideia da existência de um meio partido. Para Estados em que partidos diferentes possuem ideologias semelhantes ou em que há duas ideologias muito distintas em um mesmo partido, o número de partidos a ser levado em consideração é 1,5. Mas o próprio autor destaca que essa solução não é ideal.

os Poderes (LINDSAY; RIPLEY, 1992).

Por outro lado, o controle unificado do governo por um partido não garante a cooperação entre os Poderes. Apesar de que isso pode significar uma tendência ao apoio às demandas presidenciais, não há uma garantia de aprovação das políticas do Executivo74 (MANN, 1990, p. 303). Dentre outros fatores, isso ocorre porque a importância dos partidos tem declinado ao longo dos anos, pelo aumento da complexidade dos temas com os quais lida o governo estadunidense e pela perda do monopólio dos partidos sobre fatores que foram extremamente importantes à sua existência e ao seu fortalecimento, com a concessão de análises sociais e a indicação de candidatos (SUNDQUIST, 1980, p. 540-541).

A diminuição da identidade dos partidos é reforçada por suas recentes mudanças ideológicas (MCCORMICK; WITTKOPF, 1990, p. 1079-1080), o que confirma o fenômeno identificado por Lijphart (1999) de que existe uma tendência, durante as eleições, de inclinação ao centro para que os partidos possam atrair eleitores indecisos, fazendo com que sua agenda seja dificilmente reconhecida pelo eleitor médio. A partir do momento em que o pleito é decidido, porém, a prática dos partidos têm reforçado o conflito entre os Poderes quando o governo é dividido, de modo a impossibilitar a realização de um bom governo pelo Presidente do partido oposto, independentemente de inclinações ideológicas nas decisões específicas. “A tarefa de governar, especialmente quando as pressões fiscais requerem a imposição de perdas mais do que a distribuição de benefícios75, torna-se mais difícil” (MANN, 1990, p. 303), o que, por consequência, faz com que surja uma tendência à estabilidade das políticas (MANN, 1990, p. 304).

Apesar dessas três relativizações, a maioria dos autores que analisa essa variável como importante a destaca como uma variável binária (dummy), como em Wittkopf e McCormick (1998), o que essa tese considera uma simplificação matemática insuficiente, pelos fatores expostos acima.

Em resumo, a importância central da variável, para este estudo, é indicar que um governo unificado aumenta o sucesso do presidente em termos da substância das legislações (BARRETT; ESHBAUGH-SOHA, 2007, p. 107) e de suas possibilidades de aprovar seus interesses, independentemente de seu partido. Essa

74 Um exemplo importante de que o Presidente pode não obter o que deseja mesmo quando um só

partido controla tanto o Executivo quanto o Legislativo é dado por Mayer (1995, p. 165), com relação ao governo Clinton.

hipótese, porém, quando testada empiricamente, deve ser flexibilizada pelos pontos levantados neste item e depende de uma correlação com outras variáveis, como a ideologia dos tomadores de decisão (analisada mais abaixo), a configuração do cenário internacional e o reflexo de questões contextuais nas diferenças ideológicas entre os partidos em um momento específico da história estadunidense.