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CAPÍTULO 2 – A ESTRUTURA DO PROCESSO DECISÓRIO DO ORÇAMENTO

2.2. O EQUILÍBRIO DE PODER ENTRE OS AGENTES QUE PARTICIPAM DA

2.2.1. Estrutura internacional

A análise da tese acerca da configuração da estrutura internacional e sua influência sobre a relação entre Executivo e Legislativo está embasada, como já afirmado, nos conceitos de ameaça internacional68 (STRANGE, 1999) e de estabilidade internacional (WALTZ, 2002).

Importante observar que, por meio do recurso às molduras teóricas concebidas por esses dois autores, não se espera desenvolver uma imagem que explique o alto grau de complexidade do ambiente internacional, mas apenas relacionar as principais variáveis utilizadas pelas teses sistêmicas para discutir os gastos com defesa dos Estados Unidos. As análises que buscam encontrar as razões para esses investimentos e como são afetados por alterações no ambiente internacional defendem que, quando as ameaças internacionais são potencializadas ou há um desequilíbrio de poder entre os principais países do meio internacional, surge uma tendência para o aumento dos gastos.

Berry e Lowery (1990, p. 688), por exemplo, concordam com Strange, ao afirmar que a demanda por gastos com defesa aumenta em períodos de maior ameaça internacional e em situações de conflito militar, pois o equilíbrio das contas

68 Apesar de que a tese parte da noção de que as ameaças internacionais percebidas pelo governo e

pela opinião pública dos EUA eram maiores durante a Guerra Fria do que no período posterior a ela, três ressalvas devem ser feitas. A primeira é a de que a medição exata do nível das ameaças internacionais, em um determinado momento histórico, é algo bastante complexo e, portanto, impossível de ser esgotado pelos instrumentos teórico-conceituais desenvolvidos em uma tese, já que nem mesmo a evolução teórica da disciplina de Relações Internacionais, até o presente, criou um modelo definitivo para a medição do nível das ameaças. A segunda ressalva é embasada na análise de Domke (1984, p. 372), para quem a comparação dos gastos militares entre períodos de guerra e paz não é suficiente para que se possa considerar períodos de maior ou menor ameaça, pois a existência de conflitos naturalmente aumenta o gasto com defesa. Porém, para a tese, isso se dá justamente porque a contribuição de Strange (1999) acerca da relação entre aumento das ameaças e dos custos com defesa é acertada. A grande dificuldade de Strange se refere ao fato de que essa lógica não é perfeita no sentido oposto, já que grandes decréscimos nesses gastos deveriam ser observados ao final dos conflitos, o que não ocorreu depois da Guerra-Fria. Por fim, apesar de que as situações de conflito signifiquem um aumento das ameaças, há um nível constante de percepções elevadas de ameaças nos EUA, como demonstram Thrall e Cramer (2009), que destacam que o governo estadunidense adquiriu, ao longo das últimas décadas, uma capacidade singular de potencializar riscos internacionais à sobrevivência daquele país, mesmo em momentos em que as ameaças reais eram mínimas. Desse modo, a variação das ameaças reais no meio internacional pode ser, em alguns casos, pouco relevante, pois o governo dos EUA criou uma cultura de gastos armamentistas elevados, que encontra respaldo no eleitorado, devido a essa noção de ameaça constante com a qual a população passou a estar habituada. O declínio da União Soviética, porém, certamente tornou o esforço de criação de ameaças externas uma missão mais difícil para a elite do país. Com o fim da URSS, a pressão da opinião pública, como se observou na tese, foi por gastos com defesa cada vez menores.

orçamentárias, nessas situações, fica em segundo plano. Para esses autores, a configuração do ambiente internacional é mais importante que as pressões domésticas no momento de tomada de decisão acerca do orçamento de defesa.

Como o período sobre o qual esta tese se debruça se refere ao primeiro mandato de Ronald Reagan (1980-1984) e ao mandato de George H. W. Bush (1988-1992), ou seja, ao final da Guerra Fria, que está relacionado com o declínio da União Soviética, as diferenças no meio internacional durante as duas Administrações são facilmente identificáveis.

Durante o primeiro mandato de Reagan, os Estados Unidos percebiam uma ameaça constante e claramente identificada no meio internacional: a ascensão do comunismo. A esse temor natural, somava-se o fato de que a ameaça foi potencializada, na visão dos governantes estadunidenses e da opinião pública do país, pela invasão ao Afeganistão, em 1979, pela Revolução Islâmica do Irã, ocorrida no mesmo ano, e pelo posterior sequestro de diplomatas estadunidenses no mesmo país, como será observado na segunda parte da tese.

Ao contrário, o mandato de George H. W. Bush já se iniciou com a noção de que a União Soviética se retirava da confrontação, o que ficou evidente desde 1985, quando medidas de abertura político-econômica foram colocadas em prática por Mikhail Gorbachev. Desde então, os gastos com defesa dos soviéticos passaram a ser fortemente reduzidos, o que, ao menos teoricamente, poderia fazer com que os orçamentos militares estadunidenses também caíssem.

Por outro lado, apesar de que o declínio soviético significou uma diminuição das ameaças internacionais aos Estados Unidos, o momento pode ser visto, pelo conceito de Waltz (2002), como um período de aumento da instabilidade internacional, o que poderia levar a uma ascensão dos gastos com defesa. O declínio da União Soviética deixou os EUA na clara posição de único Estado capaz de estabilizar o sistema, sendo que o debate passou a girar em torno da postura que o país deveria adotar para reequilibrar o sistema. Os neoconservadores, que pertenciam a uma das principais correntes políticas do período, ligada ao Partido Republicano e que ganhou muita evidência durante o governo de Reagan, acreditavam que a estabilidade deveria se pautar pela construção de uma era unipolar (KRAUTHAMMER, 1990/1991), o que levaria a gastos com defesa ainda maiores que os realizados durante a confrontação com a URSS, pois precisariam impor seus interesses pela força. Outra opção, mais modrada, seria a manutenção

da estabilidade internacional por meio de um comportamento mais cooperativo e pautado pela utilização da moldura institucional construída ainda no pós-Segunda Guerra Mundial, mas que poderia ser fortalecida, tornando-se mais efetiva (AARON, 1990). Essa solução criaria um sistema internacional em que a responsabilidade pela manutenção da estabilidade seria dividida pelas principais potências, sendo que os Estados Unidos liderariam o processo.

A escolha do governo de George H. W. Bush foi por uma terceira via, de cunho realista, pois o governo optou pela redução dos investimentos militares, mas não adotou uma postura de fortalecimento dos instrumentos de cooperação internacionais. Esse posicionamento foi amplamente criticado por autores neoconservadores (KRISTOL; KAGAN, 2000). Apesar dessa iniciativa, Bush não conseguiu uma redução efetiva do orçamento de defesa dos EUA.

Em resumo, apesar de que as alterações internacionais percebidas entre 1980 e 1992 poderiam/deveriam levar, de acordo com a teoria de Waltz (2002) e as teses políticas de autores neoconservadores (KRISTOL; KAGAN, 2000; KRAUTHAMMER, 1990/1991), a um aumento dos gastos internacionais, a inclinação do Executivo estadunidense foi no sentido de reduzir os custos militares do país, devido ao declínio das ameaças percebidas no meio internacional, postura que pode ser compreendida pelas premissas realistas de Strange (1999) ou de Berry e Lowery (1990).

Além da razão sistêmica decorrente do declínio da principal ameaça internacional aos EUA, a decisão da Administração Bush de reduzir os gastos com armamentos também era relacionada com a necessidade de recuperação econômica do país. A economia estadunidense, quando Bush assumiu, vinha passando por um momento de retorno ao crescimento, mas alguns índices ainda precisavam ser aprimorados. Os recursos poupados com a redução dos investimentos militares, dessa forma, possibilitariam a mudança nas prioridades dos gastos do país, que poderiam ser concentrados na reestruturação da economia e no reequilíbrio das contas, extremamente prejudicadas pelos longos anos de déficit da gestão Reagan. Porém, o fim da Guerra Fria trouxe, consigo, uma diminuição do poder relativo do Executivo com relação ao Legislativo, pois a necessidade de respostas eficientes e mais imediatas, tipicamente utilizadas em situações de crises e grandes ameaças, deixou de existir, o que diminuiu o nível de consenso (bipartidarismo) no governo (MCCORMICK et al, 1997, p. 135).

A urgência na tomada de decisões estratégicas propiciada pela existência de uma ameaça clara e contundente cessou e isso, além de ter diminuído as possibilidades de consenso entre os órgãos governamentais, alterou a balança de poder entre eles. O ambiente da tomada de decisão deixou de ser pautado pela necessidade de lidar com uma ameaça constante e outros temas flexibilizaram a agenda política, o que trouxe, também, consequências para o processo decisório.

Assim, apesar de que a variável causal dessas transformações está relacionada, em parte, à estrutura internacional, suas consequências somente podem ser compreendidas pela análise do ambiente doméstico. Nesse sentido, o resultado das alterações estruturais provenientes do declínio da URSS para o montante dos gastos militares dos EUA é importante na medida em que tais mudanças provocarem uma série de respostas no ambiente estrutural doméstico do país.

Em um momento de grandes ameaças, o poder decisório tendia a privilegiar o Executivo, visto como o órgão capaz de produzir respostas rápidas às demandas do Estado diante de distúrbios internacionais. Ao contrário, o declínio das ameaças externas e uma reestruturação das forças domésticas possibilitaram a ascensão do Legislativo como força preponderante nas discussões orçamentárias, pois os interesses nacionais vitais não estavam mais tão em evidência, o que abriu espaço para a discussão política conectada aos interesses domésticos.

A hipótese levantada pela tese, portanto, está relacionada com o fato de que, durante a Administração Reagan, as características da estrutura internacional privilegiaram a posição do Presidente diante do Congresso. Ao contrário, durante o mandato de Bush, o processo de retomada do poder decisório pelo Legislativo, iniciado ainda nos anos 70, atingiu seu ápice, o que foi possibilitado pelo declínio das ameaças internacionais e pela ascensão dos EUA à posição de principal potência do meio internacional, minimizando as preocupações dos tomadores de decisão com o cenário internacional.

Essa variável foi extremamente importante, mas não suficiente, como defendem as teses sistêmicas, para a compreensão dos resultados das discussões orçamentárias analisadas. Faz-se necessário, portanto, a complementação da variável sistêmica pela observação de variáveis estruturais domésticas, que serão discutidas a seguir.