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As situações dos divorciados recasados também exigem um discernimento atento e um acompanhamento de grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que os façam se sentir discriminados, promovendo, assim, a sua participação na vida da comunidade. Cuidar deles não é, para a comunidade cristã, uma debilidade da sua fé e do seu testemunho em relação à indissolubilidade matrimonial, mas, ao contrário, precisamente neste cuidado ela exprime a sua caridade. Mas certamente o divórcio é uma fratura, um “vulnus” (ferida), no que se refere ao respeito à promessa de união feita perante Deus. Um sentimento de rompimento que habita em cada uma dessas pessoas e que se torna ainda mais insuportável quando encontram a incompreensão e, em alguns casos, até a condenação. É triste quando isto acontece nos âmbitos paroquiais, entre fiéis ou até em homilias, que, em vez de fazerem explodir o anúncio da Salvação e da misericórdia de Jesus, se transformam em expressões moralistas incapazes de suscitar esperança ou de provocar em quem escuta o desejo de um novo caminho.

Como já mencionei, estas são ocasiões para provar o nosso sentimento empático (envolvimento emotivo) com o sofrimento que estes irmãos e irmãs levam consigo. E daqui surge o questionamento de que se o pecado que cometeram com o divórcio e uma segunda união seja assim tão grave que eles devam ser separados da comunidade cristã até o fim da vida. Eles devem ser considerados uma classe a parte, restando somente a aceitação de estarem às margens da comunidade eclesial? Certamente estes questionamentos não são fáceis de serem respondidos, e, como já tinha esclarecido na introdução do capítulo, esta não é a solução para estas situações tão complexas. Mas uma coisa podemos afirmar: estes nossos irmãos e irmãs, graças ao Batismo, são “filhos e filhas de Deus”; podem se aproximar da Palavra de Deus e podem desejar a união com Deus.

Alguém teria a coragem ou o direito de negar-lhes isso? Certamente não podemos percorrer as várias fases nas quais a Igreja, na história, se pronunciou sobre estas situações complexas. Encontramos notícias históricas de grandes pecados cometidos que não podiam ser absolvidos, como apostasia e homicídio, e entre eles também o adultério. A posição da Igreja no cânone 8 do Concílio de Niceia (325 d.C.) declara que estes três pecados podiam ser absolvidos depois de um caminho penitencial; e depois do percurso penitencial, podiam ser readmitidos à comunhão sacramental.

Do ano de 1200 em diante, foi interpretado pela Igreja, no Ocidente, que estas pessoas não seriam consideradas como adúlteras, como fala o Evangelho, mas sim viúvas recasadas (cf. G. Cerete, Divorzio, nuove nozze e penitenza nella Chiesa primitiva, pp. 283-299). Hoje, temos como base o que foi estabelecido pela Familiaris

Consortio do ano de 1981, que sublinha a impossibilidade, da parte dos divorciados recasados, de colocarem-se em comunhão, confirmando o pronunciamento da Congregação da Doutrina da Fé do ano de 1973, que reitera a indissolubilidade do matrimônio, podendo participar da Eucaristia somente os divorciados recasados que vivem como “irmãos e irmãs” na mesma casa.

E aqui respeitamos as indicações da Igreja de que os divorciados recasados não recebem a comunhão Eucarística. Porém, de alguns anos para cá, em algumas dioceses, é presente o pão abençoado no final das missas e das celebrações para aqueles que, por muitas situações, não podem participar da comunhão Eucarística. Estas práticas devem ser analisadas com cuidado, porque podem ser interpretadas como uma simulação do sacramento. Mas é realidade que muitos destes irmãos e irmãs divorciados-recasados, participando em tudo na vida das comunidades eclesiais, e em algumas realidades, participam com entusiasmo nas “lectio divina”, impulsionando reflexões em torno da Palavra de Deus.

Esta é a espiritualidade de Nazaré a nos iluminar, em que Jesus, na Encarnação, veio falar sobre a humanidade ao homem; e foi exemplo daquilo que o homem é segundo aquela imagem querida por Deus. Mesmo que não tenhamos a pretensão de indicar soluções, queremos afirmar que todos os filhos de Deus, mesmo com suas incoerências e dificuldades, podem acolher esta mensagem de libertação e de Salvação que Jesus traz constantemente ao homem (humanidade). Então, Deus tem para o homem o projeto de Salvação não somente naquele tempo escatológico, mas que parte da vida cotidiana aqui nesta terra. Uma vida que no coração de Deus é a felicidade e o amor.

Tudo o que Deus colocou na terra foi por amor ao homem, e isso é narrado e testemunhado com a nossa vida. Esta é a mensagem que a Igreja deve irromper, anunciado-a acima de todas as coisas. É a mensagem que o Papa Francisco exprimiu, direta e claramente, na qual chama toda a comunidade cristã à misericórdia e fala do risco de perder o perfume do Evangelho, lembrando ainda que a proposta evangélica deve ser mais simples, profunda e irradiante.

Ainda, se possível, temos que analisar, chamando a atenção das pessoas para isso, as muitas realidades constatadas em situações de “nulidade” do matrimônio. Aqui a necessidade de tornar mais acessíveis e céleres, se possível totalmente gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade. Entre as propostas, a Igreja hoje nos indica: a superação da necessidade da dupla sentença; a possibilidade de determinar um percurso administrativo sob a responsabilidade do bispo diocesano; a iniciação de um processo sumário nos casos de nulidade notória.

É necessário ainda reiterar que, em todos estes casos, é preciso averiguar a verdade sobre a validade do vínculo. Em conformidade com outras propostas, também seria

preciso considerar a possibilidade de dar relevância ao papel da fé dos noivos em ordem à validade do sacramento do matrimônio, conscientes de que, entre os batizados, todos os matrimônios válidos constituem um sacramento. A propósito das causas matrimoniais, a simplificação do procedimento se intenta além da preparação de suficientes agentes, clérigos e leigos com dedicação prioritária, mas requer que se realce a responsabilidade do bispo diocesano, que na sua diocese poderia encarregar consultores devidamente preparados, para aconselhar gratuitamente as partes interessadas sobre a validade do próprio matrimônio.

E depois dessa densa reflexão, continuamos ainda na proximidade das famílias frágeis, com o tema dos matrimônios mistos, realidade não somente presente nos nossos países aqui do Oriente Médio, mas também na Europa e nos países da América Latina, onde o fenômeno da imigração dos povos é uma realidade a ser considerada.