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É uma experiência única quando passo pelos quarteirões dos judeus de Jerusalém ou aqui da Galileia e escuto os cantos nas festas de celebrações dos casamentos hebraicos. Eles recitam e cantam o Salmo 45:

Do meu coração nasce um lindo poema, vou cantar meus versos para o rei. Minha língua é como a pena de um escritor veloz. Filhas de reis estão entre as tuas prediletas; a rainha está à tua direita, vestida com ouro de Ofir. “Ouve, filha, inclina o ouvido, esquece teu povo e a casa do teu pai” (Sl 45,2.10-11).

O casamento simboliza a dedicação do povo de Deus (noiva) e o Rei (o amor do marido). Da mesma maneira que uma noiva deixa os pais para morar com o marido, esta formosa noiva esquece seu povo e entra no palácio do Rei. Nisto, ela mostra a lealdade ao Senhor, deixando para trás as coisas do reino das trevas, habitando com Ele no palácio real. Então, ela é abençoada para sempre.

O versículo 11 diz que o noivo cobiça ou deseja a beleza da noiva, usando a intimidade do casamento para descrever o Amor do Senhor para Seu povo purificado. Esta imagem nos convida a voltar ao pequeno povoado de Nazaré, onde José e Maria, “piedosos judeus”, modelados pela lei e pela espiritualidade da Aliança, tinham a consciência de que o seu casamento, como aquele vivido por todos os outros judeus, tornava-se “um meio da revelação da Aliança de Deus com Israel”.

Esta participação, união e testemunho do casal de Nazaré são transmitidos pelo matrimônio, ou seja, mediante aquele sacro vínculo da caridade que uniu José à Imaculada Virgem Maria. A este propósito, o grande Santo Agostinho é citado na Exortação Apostólica Redemptoris Custos, 7, analisando a natureza deste matrimônio: “Situam-na constantemente na união indivisível dos ânimos, na união dos corações e no consenso; elementos estes, que, naquele matrimônio, se verificaram de maneira exemplar.” Este exemplo foi único e singular, porque foi vivido pelos cônjuges de Nazaré no total estado de “virgindade consagrada”, mesmo que, nos Evangelhos, José seja chamado “o esposo de Maria”; e Maria, “esposa de José” (Mt 1,16.18-20; Lc 1,27;2,5). De fato, reconhecemos que José é o verdadeiro esposo de Maria, e assim é o verdadeiro pai do Filho de Deus. Mesmo que os Evangelhos afirmem que Jesus foi concebido por obra do Espírito Santo, José é chamado o “pai de Jesus”, e por este motivo poderia dar o nome ao menino (Mt 1,21). Este tema irei desenvolver nas próximas páginas.

Os Padres da Igreja e os teólogos, com o passar dos séculos, não deixaram de se ocupar da natureza do casamento entre a Virgem Mãe de Deus e São José, descobrindo cada vez mais sua importância tanto a nível Cristológico quanto sob os aspectos da salvação eclesial. Daí a sua celebração litúrgica, que remonta ao século XV, e sua ampla divulgação entre dioceses e ordens religiosas.

Para a maioria, a data que prevaleceu é 23 de janeiro; a escolha de outras datas somente indica a sua importância, de modo a não coincidir com outras celebrações. O casamento de Maria e José estava bem enraizado na economia da Encarnação: a referência ao casamento ocorre, de um lado, em toda a Escritura; a teologia da Igreja e da vida consagrada faz uso abundante da memória litúrgica do casamento de Maria e José. No entanto, com demasiada frequência, sobretudo no campo teológico e pastoral, nós somos levados a fixar a nossa atenção mais ao tema da virgindade e maternidade de Maria do que ao aspecto do casamento, nos esquecendo de que, quando se realizou o grande evento da Encarnação, o Evangelho já considerava Maria como esposa de José, o qual, sendo o seu verdadeiro esposo, introduziu na sua maternidade virginal o motivo da sua paternidade messiânica, que deveria ser assumida.

O casamento de Maria e José é e será exemplar, mas ao mesmo tempo também é fundamental no que se refere ao despertar da maravilha de sua singularidade. Do ponto de vista legal e social, em primeiro lugar, o matrimônio entre Maria e José, de qualquer forma, foi um vínculo verdadeiro, mas realmente muito singular; em segundo lugar, a particular ação da Virgem Maria, em vez de diminuir o valor do vínculo matrimonial, contribuiu para fortalecê-lo.

São Boaventura de Bagnoregio (1274), que nós amamos chamar de o “grande doutor sutil”, um dos frades menores franciscanos, canonizado logo depois do nosso fundador São Francisco de Assis, afirmava: “O amor de Maria foi regenerado pelo Espírito Santo; e José, obediente ao Espírito, reencontrou a fonte do amor, e foi este amor maior que aquele homem justo podia esperar na medida do mesmo coração humano.” O Espírito Santo encontrou em Maria e José duas pessoas sensíveis e acolhedoras do plano divino, tanto que em Maria se pôde operar o grande dom gratuito da Encarnação do Filho de Deus. Assim, não é pensável que tudo o se refere ao matrimônio com José não tenha sido uma obra particular do “Pneuma do Espírito”, que significa sopro divino.

As palavras do anjo (cf. Mt 1,20) são atuais também para nós, que acreditamos, nos tempos de hoje, que existem pessoas que ainda são céticas sobre o tema do matrimônio entre Maria e José, como dom verdadeiro e virginal. Isso demonstra uma deplorável “escassez de mente”, que em última análise ofende tanto a vontade de Deus Trindade quanto a verdade e fecundidade teologal, ferindo, também, o histórico de salvação de um matrimônio celebrado e vivido com total e recíproca doação de si mesmos na ordem do cumprimento do mistério da Encarnação Redentora do Filho de Deus, que veio entre o Seu povo para ser acolhido também através do evento matrimonial dos Seus pais.

Enquanto “as carências da mente” nos induzem facilmente a crer, com uma suspeita impossível, que no matrimônio de José e Maria o amor verdadeiro poderia ser compreendido, olhando por um aspecto demasiadamente devoto, desencarnado, em vez

de pensar em um modelo de amor “vertical”, que separa Maria de José para outras relações mais espirituais, Ōrigénēs, o grande padre da Igreja nascente do primeiro século, na obra Contra Celsum 1,66, observa:

Era necessário que Jesus Encarnado vivesse de modo humano entre os homens, e se deixasse guiar por aqueles que o acompanharam no seu crescimento humano (a nutritiis) não porque não se pudesse fazer de outro modo, mas sim porque deveria seguir a via ordinária (via et ordine).

A vida cotidiana de Nazaré é a garantia de um amor realmente incorporado na história, no tempo, no espaço e na vida.

José e Maria, esposos da Nova Aliança, inauguram por meio de Jesus, Filho e Senhor, em virtude da indivisível união das vontades, das mentes e das almas, uma totalizante realidade pessoal, que tem como base o amor recíproco, vivido integralmente na experiência do dom de si mesmos, e uma relação simples, fundamentada na liberdade, beleza e virgindade fecunda do “Amor Ágape”, amor incondicional, baseado em comportamentos e escolhas, sem esperar nada em troca.