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Um discernimento decisivo entre “celibato pelo Reino e Matrimônio”

Certamente, se estamos nesta reflexão fazendo-nos guiar pela escola do Evangelho, quando falamos em “vocação” temos que citar os passos evangélicos do chamado ao seguimento de Cristo, no qual se pede a mudança de vida e a conversão, mas que não se interpreta junto ou contrário ao chamado para viver a fé na condição cristã geral, que é o chamado para a maioria dos fiéis seguidores de Cristo.

A realidade a ser entendida é a relação fundamental da visão dos modos de vida, que nós interpretamos como fundamentos na história da Igreja, de modos diferentes, e com uma qualificação da vida segundo os conselhos evangélicos. Aquilo que queremos expressar neste subcapítulo pode ser introduzido da seguinte forma: é evidente que uma vida em obediência e pobreza, como aquela expressada por quem vive no celibato, se antepõe por si ao modo de viver de todos os batizados e de todos os homens e mulheres que se sentem livres. Assim, o celibato, a vida religiosa e a vida presbiterial parecem uma antítese à vida matrimonial. Na realidade, o contraste é somente aparente, já que o celibato e o matrimônio, entendidos no núcleo teológico e bíblico, são duas formas do único amor esponsal, aquele expresso pela reciprocidade indissolúvel entre Cristo Esposo e a Igreja Esposa, Virgem e Mãe.

A virgindade cristã, de fato, aparece originariamente conexa na diferença entre “homem e mulher”, e se constroem assim as “núpcias do Cordeiro” (cf. Ap 19,6-9). Deste modo, podemos afirmar que o celibato pelo Reino, a virgindade cristã, nos mostra o significado profundo e último da vida esponsal. Aqui se coloca a base da reciprocidade entre a virgindade pelo Reino e o matrimônio. De fato, podemos compreender como certamente o celibato e o matrimônio se fundem diretamente na cruz, no mistério eucarístico e Pascal que toca o coração e o íntimo de cada homem e cada mulher; e da fecundidade que, somente a partir de Cristo, do Seu amor, é realmente possível e nos faz compreender e viver a doação e a reciprocidade.

No mistério da “fecundidade corporal”, Cristo infunde novamente do Alto o mistério da fecundidade espiritual da fé, do amor e da esperança e, como consequência, o espírito de pobreza, castidade e obediência; por isso o matrimônio se torna o sublime sacramento dentro da Igreja cristã. Tudo isso se concretiza somente com a participação no sacrifício de Cristo. Deste modo, se a relação entre o homem e a mulher, nas diferenças que os caracterizam, na dedicação e fecundidade, vincula o seu significado ao sacrifício de Cristo, então o matrimônio cristão pode ser compreendido se nós não o consideramos somente como um instinto natural, como uma determinada forma de amor natural, mas sim como instituto elevado ao sublime nível da graça.

Esta é a reflexão que queremos propor-lhe, caro irmão e cara irmã: a realidade do matrimônio cristão é a relação entre Cristo e Sua Igreja, que se coloca definitivamente no mistério Pascal. Mas é justo explicar que a impostação que mantemos até agora não pretende em algum modo descrever uma teologia do matrimônio ou uma reflexão do aspecto esponsal da vida de celibato e virgindade pelo Reino. O que queremos aprender, essencialmente, é como o matrimônio e o celibato pelo Reino estão relacionados entre si e como são, de um certo modo, interdependentes a partir da vida de Cristo, que na casa de Nazaré viveu a experiência humana do amor, e na Sagrada Família, o exemplo do amor esponsal e virginal.

Partindo destas afirmações, podemos recuperar definitivamente a essencial e mútua relação entre as formas vocacionais na Igreja; a complementaridade entre virgindade e matrimônio, tornando a modalidade histórica em que afirmamos o nosso tornarmos “filhos da ressureição”, conforme afirmava o grande teólogo Von Balthasar. Somente a complementaridade destas formas de vida afirmam na história a verdade cristã do amor. As duas formas, portanto, se entrelaçam e, juntas, manifestam o significado pleno do amor humano transfigurado por Cristo crucificado e ressuscitado.

Depois de tantas importantes afirmações, é imprescindível deixar claro, mesmo que rapidamente, a uma dimensão decisiva, tudo o que meditamos até agora: “o mistério da paternidade e da maternidade”, a que tanto os esposos quanto os consagrados pelo celibato, virgindade e presbitérios são chamados, mesmo que em modalidades diferentes. Todas essas vocações são expressões concretas e têm o propósito último de gerar no corpo e no espírito.

A escolha do celibato e da virgindade, incluindo a do presbítero, nos diz o significado da verdadeira paternidade e maternidade. É a expressão da gratuidade e da comunicação do significado da existência ao filho ou à filha espiritual. A paternidade e a maternidade se tornam essencialmente formas de expressão da paternidade e maternidade de Deus. Na procriação, de fato, elas não encontram o seu centro, na comunicação biológica da existência, mas no testemunho de Cristo, no qual toda paternidade recebe o nome (cf. Ef 3,15). E, assim, na afirmação gratuita do outro, na mais sublime acolhida um do outro, se torna o vibrante significado do amor trinitário.

Chegando ao momento de concluir este pensamento que com alegria compartilhei com você, consideramos o quanto é necessário, nos tempos de hoje, formar os jovens a fazerem escolhas definitivas. Normalmente tal decisão é a escolha do matrimônio, na luz do mistério Pascal de Cristo, ao qual a maioria dos batizados é chamada; ou a decisão ao celibato, à virgindade, na qual não menos implica a vida esponsal. O sim da promessa matrimonial e o sim do voto religioso, do celibato, correspondem àquele que Deus espera de cada homem e de cada mulher.

No estado de celibato pelo Reino, o cristão dá a Deus a sua alma e o seu corpo, e Deus distribui o fruto do sacrifício aos seus irmãos e irmãs por meio daqueles que se ofereceram a uma missão no interno da Igreja. No estado matrimonial, o cristão doa, com o seu “sim” sacramental, o seu corpo e a sua alma ao cônjuge, mas em Deus, pela fé, na esperança e na fidelidade Dele, tanto o matrimônio quanto o celibato pelo Reino dos Céus exprimem o dom da graça e a presença operante do Espírito Santo. Mas surge liberalmente uma pergunta: como entender, como saber para qual vocação sou chamado(a)? Para respondê-la necessito lembrar que se trata de tipos de coração; peço permissão para usar uma analogia um tanto simples. Um carro, que tem espaço para quatro ou cinco pessoas, seguindo viagem em uma autoestrada. Assim é o amor de uma pessoa vocacionada ao casamento, um sentimento exclusivo, que se sente completa com quantos estão ali, viajando na intimidade daquele carro. Já o sentimento de um celibatário pelo Reino dos Céus, de um presbítero católico romano, é como um ônibus, tem sempre lugar para mais uma pessoa subir e, durante a viajem, uns descem, outros sobem, mas está sempre cheio. E é feliz de ser Ônibus, não se sente usado, mas se realiza no servir. E o mais importante é que no final dessa autoestrada nós encontraremos a Cristo.

Todos os carros e todos os ônibus chegam à meta. Uma pessoa que tem coração de carro nunca vai conseguir ter um coração de ônibus, pois vai querer sempre ser exclusivo, e quem tem coração de ônibus nunca vai conseguir se prender e ser exclusivo, vai querer ter sempre um lugar para um outro, mesmo se em pé, para quem necessita do seu amor, da sua paternidade e maternidade. Nas páginas que se seguem, vamos ter testemunhos vivos desse amor esponsal ao qual todos somos chamados e o qual podemos viver seguindo o exemplo sublime da Família de Nazaré.

O amor esponsal na vida celibatária pelo Reino dos Céus e