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ostaria de iniciar este capítulo rendendo graças ao Pai da misericórdia, que, em Jesus Cristo, nos amou com a Sua Encarnação, morte e ressurreição, e continua a nos amar na obra salvadora pela santidade dos Seus filhos. A Terra Santa, ou melhor dizendo, “A Terra do Santo”, inspira santidade mesmo com as tantas hesitações e com os tantos contrastes da complexa realidade do passado e ainda dos dias de hoje.

Muitos são os beatos e santos que passaram por aqui. Neste ano, comemoramos cinquenta anos da histórica peregrinação do Beato Paulo VI, em coincidência com sua beatificação. Em Nazaré, no lugar da Encarnação, e na casa da Sagrada Família, o Papa peregrino proferiu uma significativa homilia, na qual disse que a casa de Nazaré é a escola onde se começa a compreender a vida de Jesus, a escola da Boa Nova para a vida:

Aqui aprendemos a observar, a escutar, a meditar, a penetrar o significado tão profundo e misterioso da manifestação do Filho de Deus. Aprendemos também, talvez até sem perceber, a imitá-lo. Aqui aprendemos o método que nos fará conhecer quem é Jesus. Aqui descobrimos a necessidade de observar a realidade do seu viver entre nós: os lugares, os tempos, os costumes, a sua língua, os ritos sagrados, enfim, tudo o que o mestre Jesus usou para revelar-se ao mundo. Tudo aqui tem uma voz, tudo tem um significado. Aqui nesta escola aprendemos a ter uma disciplina espiritual, no seguimento de Cristo, no caminho do Evangelho que nos faz seus discípulos. Oh! como seria bom se pudéssemos voltar a ser criança. Quanto ardentemente gostaríamos de começar tudo de novo ao lado de Maria, para aprender a verdadeira ciência da vida e da sabedoria divina. Não podemos deixar este lugar sem ter acolhido, mesmo se rapidamente, algumas breves admoestações da casa de Nazaré. Em primeiro lugar ela nos ensina o silêncio. Como seria belo se renascesse em nós a estima pelo silêncio, que na atmosfera do Espírito, é admirável e essencial. Somos atordoados constantemente por tantos sons e vozes na agitada e tumultuada vida do nosso tempo. Oh! silêncio de Nazaré, ensina-nos a perseverar os bons pensamentos, prontos para entender com mais clareza as mais secretas inspirações divinas. Ensina-nos o quanto é importante e necessário o trabalho da preparação, do estudo, da meditação, da oração que somente Deus vê no segredo. Aqui compreendemos a maneira de viver em família. Nazaré nos lembra o que é a família, o que é a comunhão de amor, a sua beleza austera e simples, que nos faz ver como é doce e insubstituível a educação em família, e que ensina-nos sua função natural na ordem social. Oh casa de Nazaré! Aqui antes de tudo desejamos compreender e celebrar a lei do esforço humano; enobrecer a dignidade do trabalho na maneira que seja entendida por todos. Lembramos, debaixo deste teto, que o trabalho não pode ser fim em si mesmo, mas recebe a sua liberdade por excelência, não somente por aquilo que chamamos valor econômico, mas por aquilo que envolve o seu nobre fim. Aqui enfim queremos saudar todos os operários do mundo e mostrar-lhes o grande modelo, do divino irmão de todos, Cristo nosso Senhor (Alocução de Paulo VI, Papa, em Nazaré, 5 jan. 1964).

O silêncio

Um dos aspectos de grande importância e necessidade da vida humana é o silêncio, mas também é um dos mais difíceis de ser praticado. Existem muitos modos de se fazer silêncio, porém nem todos são úteis, necessários e construtivos.

Já no início da minha vida religiosa e sacerdotal, muitas vezes fui convidado, de livre e espontânea vontade, a fazer silêncio, mas nem sempre pude alcançar aquela profundidade que, interiormente, ajuda na ordem dos inumeráveis barulhos, dos conflitos e de todos os pensamentos tumultuosos. Porém, para um caminho espiritual e de oração, o silêncio se torna um instrumento indispensável. Muitas são as famílias que pedem um acompanhamento espiritual e solicitam para serem introduzidas nesta dimensão do silêncio. Muitos sacerdotes organizam os retiros para as famílias, e ali o silêncio se torna um companheiro.

Na minha experiência, relembro meu primeiro retiro espiritual. Lá, o silêncio suscitava em mim dois sentimentos: o encanto e o medo. Porque é no silêncio que se percebe o sentido do mistério, o despertar de uma presença sublime que nos coloca em um clima de autêntica escuta, no qual é possível saborear a beleza do escutar em profundidade. Mas que, também, ao mesmo tempo, traz muito medo e uma sensação que nos abre progressivamente, mas não definitivamente, um espaço de tontura, um temor que se experimenta ao se ver sozinho, sem aquelas distrações e barulhos que nos impedem de nos encontrarmos com nós mesmos e com Deus. É como uma tempestade marinha: as águas se tornam turvas, e é necessário muito tempo até que todos os grãos de areia e de todas as outras sujeiras parem no fundo, para que a água volte a ser clara.

Nas próximas páginas, gostaria de compartilhar com você, caro(a) amigo(a), o fruto da minha experiência em meu caminho pessoal, principalmente depois que passei a viver aqui em Nazaré, bem como a graça que tive em guiar alguns jovens e algumas famílias na vida espiritual. Desde já peço perdão se o que eu vier a dizer se tornar algo repetitivo, não adaptado ao seu estado emocional ou ao seu momento de vida. Quero apenas enfatizar que tudo o que irei expor é somente uma partilha de minhas experiências.

O primeiro nível no caminho do silêncio é encontrar coragem para entrar no nosso interior, onde habita a nossa verdade e a nostalgia da presença, aquela presença de Deus. Esta dimensão me preocupa muito, pois, na prática, muitos são os jovens que se preparam para o matrimônio, ou para o caminho do sacerdócio, ou para a vida consagrada religiosa, ou para comunidades de vida, sem antes passar por esta dimensão do silêncio, fazendo muitas das vezes escolhas que levam a tantas insatisfações e rupturas.

se compreende o silêncio. Mas como é possível falar de solidão em um mundo caótico e assim densamente habitado? Se for necessário calar as múltiplas vozes exteriores e interiores que constantemente nos assolam, como é possível colocar-se em uma atitude de escuta? Ainda falando de solidão, quantas pessoas, hoje, no nosso mundo, sofrem com ela? Em todas as faixas de idade, jovens, homens e mulheres sofrem esta espécie de perda, de distância intransponível uns dos outros, mesmo quando o número de pessoas com as quais se relacionam cresce significativamente. Penso que muitos de nós, de uma forma ou de outra, já experimentamos essa sensação. Mesmo existindo pessoas ao nosso lado, as quais têm uma significante importância em nossa vida, não conseguimos nos liberar da solidão que, realmente, não é construtiva.

O íntimo do homem é algo de que não se pode fugir, que não se pode preencher ou substituir; pelo contrário, ele produz frustração e insatisfação. No centro da pessoa humana, de fato, existe um espaço onde somente Ele é hóspede, e onde somente Ele, o nosso Deus, pode habitar. Quando nos advertimos perante esta sensação de angústia e solidão, é possível que se tenha chegado o momento de experimentar a descoberta da saudade de uma companhia e da presença que encontramos somente Nele, no Senhor Jesus. Como diz o Salmo: “Só em Deus repousa a minha alma; dele vem minha salvação”(Sl 62,1). Neste lugar desabitado ou preenchido por pessoas superficiais, em que a presença do Senhor está ausente, não encontramos uma paz perseverante. A solidão, então, amiga e construtiva, se torna um ponto de apoio que abre novos horizontes, até mesmo inesperados. Eu gosto de chamar esta dimensão de “solidão habitada”.

A estas alturas me pergunto para quem estou escrevendo. Para consagrados, religiosos, sacerdotes, seminaristas, ou para pais de família, mães, ou ainda jovens em discernimento? Esta dimensão é comum para todos. Se não fizermos a experiência da “solidão habitada”, correremos o risco de nos tornar mendigos da presença e de passatempos; eternos insatisfeitos e infelizes. Este é o início, ou melhor, a passagem de uma solidão, de um silêncio imposto e forçado, para um silêncio escolhido e abraçado na liberdade. Esta passagem corresponde à autêntica interrogação do significado da própria vida.

Nos espaços de solidão e silêncio escolhidos, até mesmo aqueles pequenos e breves, podemos colocar uma atitude de escuta, sem medo, porque sabemos que, além daquele primeiro impacto com nós mesmos, teremos a presença silenciosa e eloquente de um Deus de amor, que habita no mais profundo do nosso íntimo, fazendo da nossa profundidade um santuário, no qual podemos decifrar, na paz, nosso caminho para a salvação. Ser capaz de estar em silêncio e se colocar na escuta torna-se, assim, uma questão de vida ou morte, porque cada vez que nos afastamos do significado da vida,

construímos um muro entre nós e a nossa felicidade, e mesmo que passássemos apenas um pequeno tempo em contato com o barulho e as distrações geradas pelo mundo exterior, ainda assim, na realidade, estaríamos nos afastando, também, dessas mesmas pessoas e, na superficialidade, deixando de construir as verdadeiras bases para uma relação de amizade e de amor autêntico, restando novamente uma insatisfação.

“Em silêncio, abandona-te ao Senhor, põe tua esperança Nele” (cf. Sl 37,7). Estas palavras podem abrir-lhe o caminho da esperança.