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Chegando a Nazaré no ano 2013, depois de ter deixado Jerusalém com tantas amizades, fui acolhido por muitas famílias da nossa paróquia latina, uma acolhida que chamarei de Mariana e Josefina. Gestos, visitas, palavras de boas-vindas com tanta sinceridade e afeto, que me fizeram imediatamente me sentir em casa, acolhido e amado.

Dentre estas famílias, conheci a família Karam, uma família que morava no exterior e que, já há alguns anos, retornara para Nazaré. Uma belíssima família, que chamarei “normal”, mas com um testemunho de fé digno de ser apresentado aqui na nossa escola de Nazaré, na nossa escola do Evangelho. Sempre me impressionou muito o fato de que, quando trazemos testemunhos, muitas vezes, trazemos famílias ou pessoas que fazem coisas extraordinárias, ou pouco acessíveis para a maioria das pessoas normais. Por isso escolhi apresentar-lhes esta família “normal”, que vive a fé no cotidiano aqui de Nazaré, vivendo e crescendo na experiência cristã, na vida de todos os dias: o pai Habib Karam, 51 anos, a mãe Gosayna Karam, 46 anos, e os cinco filhos: Akram Karam (morto aos cinco meses de idade), Christopher Karam, vinte anos, Matthew Karam, dezessete anos, Serene, quinze anos, e Katrina Karam, oito anos.

No dia 15 de outubro de 1993, este casal passou pela dor da perda de um filho, que morreu prematuramente, o pequeno Akram, que os deixou na tenra idade de cinco meses. Este evento marcou profundamente a vida desta família, que experimentou a dor humana da morte de um filho; no entanto, ainda conservam como dom precioso uma das últimas fotografias de Akram, na qual se entrevê a imagem da Virgem Santíssima. A presença de Akram é constante nesta família – na lembrança, na memória de cada um deles –, na qual o significado da sua breve existência foi compreendido e acolhido além das palavras e do entendimento humano.

Depois de 24 anos de matrimônio, o ícone evangélico que ainda introduz esta família Nazarena é o Evangelho de Mateus, o qual fala de José.

Ele levantou-se, com o menino e a mãe, e entrou na terra de Israel. Mas quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Depois de receber em sonho um aviso, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: “Ele será chamado nazareno” (Mt 2,21-23).

Em uma conversa que tive com esta família, Gosayna me contou seu testemunho:

Quando ambos éramos jovens, imigramos para fora do país, fora de Nazaré, mesmo que ambos tivessem nascido aqui. Meu marido imigrou para os Estados Unidos; e eu, para a Austrália. Depois do nosso casamento, fomos viver nos Estados Unidos, e ali nasceram os nossos quatro primeiros filhos. Mas depois de muitos anos longe de Nazaré, foi vontade de Deus retornar à casa, para a nossa cidade, Nazaré, com os nossos filhos, que naquele tempo ainda eram pequenos. O nosso filho mais velho,

Christopher, tinha sete anos; Matthew, quatro anos, Serene tinha um ano e meio, e Katrina já nasceu aqui, veio como um dom do Amor de Deus, como um presente após o nosso retorno. Ainda nos comove a data do nascimento de Katrina, no ano de 2006, na mesma data do nascimento do nosso filho Akram, nascido em 7 de maio de 1993 e falecido cinco meses depois. Não acreditamos que tenha sido uma coincidência; Jesus quis nos dizer algo após a nossa volta aqui para Nazaré. E nós nos sentimos assim, em paz por estar na Terra Santa. Nós a chamamos de terra da paz, não política, “somos uma família que vive em paz, em uma terra sem paz”, porque nós somos assim abençoados por estar em Nazaré. Temos o exemplo perfeito para nós, como família cristã, para seguir na nossa vida cotidiana como marido e mulher, com nossos filhos, no modo no qual nós educamos os nossos filhos na fé.

A família Karam voltou para Nazaré não por motivos políticos, nem mesmo por motivos econômicos, pois, economicamente, eles eram bem-sucedidos nos Estados Unidos, mas sim por um motivo espiritual, ou seja, a espiritualidade de Nazaré, a espiritualidade da Sagrada Família. Sobre este propósito, a mãe continuou:

Sim, sim, e quando se segue o exemplo e se ouve a vontade de Deus, se encontra sempre a paz na vida, qualquer que seja a situação, se encontra sempre a paz, e este é o dom que o Senhor Jesus dá a nossa família, aos nossos filhos. Somos muito abençoados por viver na terra onde Jesus e Maria caminharam; por viver na mesma cidade. É uma graça especial para a nossa família.

São José, pai da Sagrada Família, pode ser um modelo para todos nós como é para Habib e como também é para todas as famílias, como no exemplo do caminho da emigração para retornar à própria terra. O exemplo de José pode ser considerado de ajuda, pois estava sempre por trás, cuidando, protegendo. Neste momento de nossa conversa, espontaneamente, Habib tomou a palavra:

Quando disseste que retornamos… foi uma decisão que levou muito tempo, uma decisão que tomamos juntos. Quando disseste que São José está por detrás, me sinto sim com a missão de estar por detrás às vezes, mas certamente com a responsabilidade de transmitir o dom da fé aos nossos filhos. E tudo vem do nosso estar aqui; penso que isto tem a ver com o estar aqui. Quando vivíamos fora do país, a nossa fé não era tão forte, e penso que, quando voltamos para Nazaré, reforçamos a nossa fé. Realmente, é um privilégio viver aqui, onde viveu a Sagrada Família.

Este exemplo da família Karam se constata todos os domingos com a sua presença na Missa paroquial, aqui em Nazaré, mas não somente nas missas, como também em vários eventos: todas às quintas-feiras, na adoração Eucarística, em frente à casa de Nossa Senhora; nos rosário das terças-feiras, meditando os mistérios de Nazaré; e na procissão das velas, todos os sábados à noite. Uma presença discreta, humilde e silenciosa junto aos peregrinos. A beleza de vê-los unidos na oração me faz contemplar a Santa Família de Nazaré, mas ainda mais me edifico em vê-los sempre na primeira fila nas obras sociais e de caridade da Paróquia e da Basílica da Anunciação.

Dialogando ainda sobre a presença das famílias na vida eclesial, Habib continuou:

É verdade! Aquilo que encontramos, e de que as pessoas muitas vezes não são conscientes, é que a família é uma pequena igreja; e quando você se torna consciente de que a sua família é uma pequena igreja, começa a olhá-la de um modo completamente diferente. Porque esperamos que todos, um dia, estejamos frente a Deus, e Ele nos perguntará o que fizemos na nossa pequena igreja. A primeira missão para nós é cuidarmos dos nossos filhos, eles, primeiramente, são “filhos de Deus”, porque foi Ele quem nos deu, e se os tratamos bem, e os fazemos crescer bem, amando-os do melhor modo possível, então nós estamos somente restituindo o dom que Deus nos deu. Também descobrimos que, apesar de todos os desafios que enfrentamos em viver em Nazaré, a nossa fé é a fonte e a força para superarmos todos os obstáculos que podemos encontrar, e isto é muito importante: podemos abrir a Bíblia em qualquer parte e encontraremos sempre a resposta para os obstáculos e desafios que estamos enfrentando, sabendo que Maria, José e Jesus encontraram dificuldades também. A vida deles não era simples, e isto equilibra as nossas expectativas, porque a nossa vida não será fácil, como cristãos, mas nós temos a fonte justa, temos a força que vem da Sagrada Família.

A este propósito, Gosayna completou:

Penso que são diversos os desafios que as famílias estão enfrentando, não importa em qual parte do mundo. Há tanta pressão nos dias de hoje para que a família não seja família. A quantidade de marketing e mídia que influenciam e dividem a família é muito grande. Portanto, o que precisamos é que a Igreja alce a sua voz e diga às famílias: “Vocês são uma igreja e devem prestar atenção ao que isto significa”. As pessoas e os casais são chamados a tomar consciência do que significa o Sacramento do matrimônio e a beleza em vivê-lo. Se entenderem isto, se entenderem que os filhos são realmente um dom de Deus, que os temos somente por um período de tempo limitado, e ainda se rezarem juntos, experimentarão a força que vem do Alto, vivendo como uma família e não simplesmente como pessoas que vivem sob o mesmo teto.

E quando falamos do exemplo da Sagrada Família como escola do trabalho, Habib pediu a palavra:

Eu trabalho todo o dia, mas minha mulher trabalha meio período, dedicando, assim, mais tempo aos filhos, e com a sua fé passa mais tempo com eles. É neste modo concreto e ordinário que transmitimos a nossa fé a eles. Isto ajuda a nossa família a viver em harmonia e em uma plenitude de felicidade... Outra coisa que quero acrescentar é que somos uma família que reza junto, que vai à igreja junto, e isto nos ajuda a nos manter como família, porque, como se diz: “Família que reza unida permanece unida”. Isto é o que fazemos.

O segundo filho, Christopher, estudante universitário em Tel Aviv, e que por duas vezes fez experiência missionária no Brasil, me fez o seguinte pedido: “Ajude-me, frei, ensine-me como posso estudar em Tel Aviv e servir a Jesus... eu quero ser um servo do Senhor”. Fiquei edificado em escutar tal frase pronunciada por um jovem de apenas vinte anos, aqui de Nazaré, que deseja ser cristão na vida laica, namorando, estudando,

trabalhando, seguindo o exemplo da Sagrada Família de Nazaré e da sua própria família de Nazaré, o pai Habib e a mãe Gosayna, na vida “Ordinária” e “Cotidiana” de Nazaré.