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São José, uma paternidade “desafiadora”

Começo com a notícia do Evangelho de São Lucas 2,39, que nos fala que Maria e José retornaram à Galileia, em Nazaré, uma pequena cidade sem fama, mas que acolheu a presença histórica do Filho do Eterno Pai. É neste contexto que se inicia o evento terreno do Filho do Altíssimo: nascer e viver em uma nação, a mais insignificante daquele tempo, o pequeno e submisso Israel, o povo eleito de Deus, submisso ao império romano.

Mas o tema que quero partilhar é a paternidade de São José, cujos conhecimento e consciência desta grande missão foram compreendidos por ele em um caminho progressivo: a Anunciação onírica (Mt 1,18-25); o direito de impor o nome ao menino (Mt 1,21) e de ser constituído pai da Família (Mt 2,13); o reconhecimento de Jesus como “Filho do carpinteiro” (Mt 13,55) e “Filho de José” (Lc 3,23). Mas a tradição sempre atribuiu a São José uma paternidade putativa (jurídica), conforme afirma São Paulo em sua carta aos Efésios, na qual revela que “do Pai recebe o nome toda paternidade no céu e na terra” (cf. Ef 3,15). Deste princípio paulino podemos facilmente assumir que a paternidade sobre Jesus foi confiada a São José diretamente por Deus.

Nesta paternidade está ligada e finalizada a verdade messiânica da Encarnação do Filho de Deus, que emotivamente envolve todos os membros da Sagrada Família, assim como revelou Maria ao se dirigir a Jesus no templo: “Olha, teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura” (Lc 2,48).

A paternidade de José vem explicada no Evangelho de São Mateus através da genealogia e da sucessiva narração da Anunciação, que, além de inserir o Filho de Deus na família humana e vê-Lo descendente de Davi e de Abraão, tem, sobretudo, o objetivo de testemunhar que tudo isso não aconteceu por meio da geração física da parte de José (cf. Mt 1,25). A intenção do evangelista Mateus é muito clara: José não gerou Cristo, que é obra do Espírito Santo. E continuando nos Evangelhos, José é pai de Jesus (cf. Lc 2,27), e enquanto pai, teve o direito de dar o nome ao menino (cf. Mt 1,21) e guiá-Lo, enquanto chefe da Sagrada Família (cf. Mt 2,13). A este ponto poderíamos nos perguntar por que este título de “pai” se José não gerou Jesus. Mateus trata a questão seguindo duas vias: a jurídica e legal; e a pessoal e afetiva. E esta meditação nos ajuda a conhecer melhor esta figura tão esquecida, que é São José, mas de grande importância para a nossa história da Salvação.

A paternidade jurídica é aquela baseada nas exigências da lei hebraica, que dá a José o direito da paternidade enquanto esposo de Maria. Verificamos isso no Evangelho de São Mateus que, frequentemente, coloca em evidência que ele é o pai legal de Jesus porque, antes da Sua concepção virginal, José já estava ligado à Maria no vínculo do

matrimônio; e também, depois do evento da concepção por obra do Espírito Santo, esta paternidade não foi abandonada, pois o anjo o aconselhou a não temer receber Maria como esposa: “Mas, no que lhe veio esse pensamento, apareceu-lhe em sonho um anjo do Senhor, que lhe disse: ‘José, Filho de Davi, não tenhas receio de receber Maria, tua esposa; o que nela foi gerado vem do Espírito Santo’” (Mt 1,20).

Quanto à paternidade afetiva, sempre me edifica a belíssima afirmação de Santo Agostinho: “Da piedade e da caridade de José, nasceu da Virgem Maria o Filho de Deus” (Santo Agostinho, sermão 51). Diante da vontade divina, expressada através das palavras do anjo, José aceitou e acolheu Maria como sua esposa e o fruto da sua maternidade virginal. Diante da lei e dos homens, ele é o pai do menino Jesus. Nos acontecimentos históricos do projeto de Salvação, a paternidade sobre o Filho eterno e humano vem atribuída diretamente por Deus.

Por esse caminho de São José, que eu chamarei de “caminho de fé”, passou também a superação do temor em assumir uma paternidade incomum, que vinha diretamente de Deus. José participa do Amor do Pai e, como consequência, oferece totalmente o seu amor ao serviço do Verbo Encarnado: foi o próprio Pai que o chamou de “filho de Davi”. Exercitar com superabundância tal paternidade o completou do Amor do Pai. O amor paterno de São José atuou no amor filial de Jesus e vice-versa. O amor filial de Jesus só poderia influenciar no amor paterno de José.

Esta relação está fundada no amor conjugal da Sagrada Família, na tarefa de “pai responsável” pelo Filho de Deus. E assim José foi chamado a exercitar também o papel de pai jurídico, como já mencionamos, não somente com a imposição do nome, mas também nutrindo, vestindo, educando na lei, no trabalho, enfim, em todos os deveres que compete a um pai. No que compete à educação, enquanto na experiência humana, ele acompanhou o Filho de Deus na formação educativa, e da sua paternidade educadora surge o caminho que nos mostra que os principais educadores dos filhos são os pais, e eles são chamados a esta missão fundamental.

A passagem evangélica que ainda nos guia ressaltando Maria, José e o Menino Deus é o encontro de Jesus no templo (cf. Lc 2,41-51), nos papéis distintos de pai e mãe. Lucas descreve o encontro no templo, evidenciando a identidade do adolescente Jesus na resposta: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar naquilo que é de meu Pai?” (Lc 2,49). Aqui o divino e o humano são autorrevelados. Jesus não discute a paternidade de José, porque retorna com os Seus pais para Nazaré, dando assim credibilidade, com a Sua atitude, ao fato de que Ele era filho de José e reconhecendo legalmente a paternidade humana: “Jesus desceu, então, com seus pais para Nazaré e era obediente a eles” (Lc 2,51).

relação a Jesus nem sempre foi aceita ou interpretada de modo correto. Há, ainda, dificuldade em entender os termos “filho de José”, como nos vem descrito no Evangelho de Lucas: “Não é este o filho de José?”(Lc 4,22). Ainda hoje, muitos escritores substituem o apelativo “putativo”, porque ele é interpretado como aquilo que é aparente, não verdadeiro, até mesmo interpretado como falso, para que, assim, a ilustríssima e concreta figura de São José não venha a ser esquecida. Assim, outras terminologias – como paternidade adotiva, nutrícia, legal, matrimonial, paternidade vigária do Pai Celeste – são utilizadas. Esta última, talvez teologicamente, de certo modo, é a mais exata. José “representa” o Pai celeste, de modo que esta é a base da paternidade Josefina, paternidade espiritual e virginal; e se torna a referência para toda a paternidade humana, porque São José soube, como nenhum outro, de modo livre, responsável e consciente, fazer da sua paternidade um verdadeiro serviço a Deus, e em Deus, toda a humanidade necessitada da Família Trinitária e de seu Filho (cf. Is 9,5). É a partir desta verdadeira paternidade que todos os pais podem ter consciência de que toda autoridade paterna pertence a Deus.