• Nenhum resultado encontrado

Até agora, discutimos o poder do sono após o aprendizado para melhorar a recordação e evitar o esquecimento. Todavia, a capacidade de esquecer pode, em certos contextos, ser tão importante quanto a necessidade de lembrar, tanto na vida cotidiana (por exemplo, esquecer o local onde deixou o carro na semana passada em vez do de hoje) quanto clinicamente (por exemplo, ao extirpar memórias dolorosas e incapacitantes ou ao eliminar a ânsia em transtornos de adição). Além disso, o esquecimento não é benéfico apenas para apagar informações armazenadas de que não precisamos mais.

Ele também reduz os recursos cerebrais requeridos para recuperar as memórias que queremos conservar, assim como é mais fácil encontrar documentos importantes em uma mesa cuidadosamente organizada, livre de desordem. Dessa maneira, o sono nos ajuda a conservar somente aquilo que necessitamos, aumentando a facilidade com que nos lembramos das coisas. Em outras palavras, esquecer é o preço que pagamos para lembrar.

Em 1983, o ganhador do prêmio Nobel Francis Crick, que descobriu a estrutura helicoidal do DNA, decidiu voltar sua mente teórica para o tópico do sono. Ele sugeriu que a função do sonho do sono REM era remover cópias indesejadas ou sobrepostas de informação no cérebro: o que ele chamou de

“memórias parasíticas”. Era uma ideia fascinante, porém, ficou restrita a isso

— uma ideia — por quase trinta anos, não recebendo qualquer exame formal. Em 2009, um jovem estudante de pós-graduação e eu testamos a hipótese. Os resultados revelaram mais do que algumas surpresas.

Elaboramos um experimento que mais uma vez recorreu a sonecas durante o dia. Ao meio-dia, os analisados estudavam uma longa lista de palavras apresentadas uma de cada vez em uma tela de computador.

Contudo, depois que cada palavra tinha sido exibida na tela, aparecia um grande “R” verde ou um grande “F” vermelho, indicando para o participante que ele deveria lembrar a palavra anterior [R, de remember] ou esquecê-la [F, de forget]. Não é diferente de estar em uma aula e, depois de receber uma informação, o professor frisar que ela é importantíssima para a prova ou, em vez disso, que na verdade ela está errada ou que não cairá na prova, de modo que você não precisa se preocupar em se lembrar dela. Nós fizemos a mesmíssima coisa com cada palavra logo após o aprendizado, marcando-as com o rótulo “para ser lembrada” ou “para ser esquecida”.

Após a apresentação das palavras, metade dos participantes tinha permissão para tirar uma soneca de noventa minutos, enquanto a outra metade permanecia acordada. Às seis da tarde, testamos a memória com todas as palavras. Dissemos aos participantes que, apesar do rótulo anteriormente associado a uma palavra — para ser lembrada ou para ser esquecida —, eles deveriam tentar se lembrar do maior número de palavras possível. Nossa questão era esta: o sono melhora igualmente a retenção de todas as palavras ou ela obedece ao comando recebido na vigília de só se lembrar de alguns itens, ao mesmo tempo esquecendo outros, com base nas etiquetas relacionadas a cada uma?

Os resultados foram claros. O sono estimulou muitíssimo, ainda que de maneira bem seletiva, a retenção das palavras marcadas antes como para serem lembradas, porém evitou de forma ativa o fortalecimento das memórias marcadas para serem esquecidas. Os participantes que não tiraram a soneca não mostraram essa impressionante análise e salvamento diferencial das memórias.9

Tínhamos aprendido uma lição sutil, porém importante: o sono é muito mais inteligente do que imaginávamos. Contrariando suposições feitas nos séculos XX e XXI, foi constatado que o sono não oferece uma preservação

geral, não específica (e por isso prolixa) de toda a informação aprendida durante o dia. Em vez disso, ele oferece uma ajuda muito mais sagaz na melhora da memória: uma ajuda que escolhe preferencialmente qual informação será reforçada. O sono leva isso a cabo usando etiquetas significativas que são penduradas nessas memórias durante o aprendizado inicial ou potencialmente identificadas durante o próprio sono. Muitos estudos identificaram uma forma similarmente inteligente de seleção de memórias dependente do sono realizada através de sonecas durante o dia ou de uma noite inteira de sono.

Quando analisamos os registros do sono dos indivíduos que tiraram uma soneca, fizemos outra descoberta. Ao contrário do que Francis Crick previra, não é o sono REM que examinou a lista de palavras anteriores, separando as que deviam ser retidas das que deviam ser removidas. Na verdade, foi o sono NREM, e sobretudo os fusos de sono mais rápidos que ajudaram a separar as curvas de lembrança e esquecimento. Quanto mais desses fusos um participante tinha durante uma soneca, maior era a eficiência com que o sono reforçava itens marcados para serem lembrados e eliminava ativamente os destinados ao esquecimento.

Ainda permanece um mistério como exatamente os fusos de sono executam esse engenhoso truque de memória. O que descobrimos foi um padrão bem revelador de atividade em circuito no cérebro que coincide com esses fusos de sono rápidos. A atividade circula entre o local de armazenamento da memória (o hipocampo) e as regiões que programam a decisão de intencionalidade (no lobo frontal), como “Isto é importante” ou

“Isto é irrelevante”. O ciclo recursivo de atividade entre essas duas áreas (memória e intencionalidade), que ocorre de dez a 15 vezes por segundo durante os fusos, talvez explique a influência da memória discernidora do sono NREM. Tal como a escolha de filtros em uma busca na internet ou em um aplicativo de compras, os fusos oferecem um benefício refinador à memória, permitindo ao local de armazenamento do hipocampo fazer contato com os filtros transportados no sagaz lobo frontal, permitindo a seleção somente daquilo que é preciso guardar ao mesmo tempo que descarta o que não é necessário.

Estamos agora explorando maneiras de utilizar esse notável serviço inteligente de recordação e esquecimento seletivo com memórias dolorosas ou problemáticas. A ideia talvez evoque a premissa do filme ganhador do

Oscar Brilho eterno de uma mente sem lembranças, em que as pessoas podem ter memórias indesejadas deletadas por uma máquina especial de escaneamento do cérebro. A minha esperança no mundo real é desenvolver métodos precisos para enfraquecer ou apagar de forma seletiva certas memórias da biblioteca de um indivíduo quando há uma necessidade clínica confirmada, como no caso de traumas ou abuso de substâncias.