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Seu julgamento rápido como um raio de que Jessica estava dormindo provavelmente estava correto. E talvez você o tenha confirmado sem querer ao derrubar algo e acordá-la. Com o tempo, todos nós nos tornamos incrivelmente bons em reconhecer vários sinais que sugerem que alguém está dormindo. Esses sinais são tão confiáveis que hoje existe um conjunto de características observáveis consideradas pelos cientistas indicadores da presença de sono em seres humanos e outras espécies.

A cena de Jessica ilustra quase todas essas pistas. Primeiro, organismos adormecidos adotam uma posição típica. Em animais terrestres, ela é muitas vezes horizontal, como a posição de Jessica no sofá. Segundo, e relacionado a isso, organismos adormecidos têm tônus muscular diminuído, o que se evidencia sobretudo no relaxamento dos músculos esqueléticos posturais (antigravitacionais) — os que nos mantêm em pé, impedindo-nos de desabar no chão. Quando a tensão desses músculos relaxa no sono leve e depois no sono pesado, o corpo se deixa cair. Um organismo adormecido fica jogado sobre qualquer coisa que o sustente, o que se mostra extremamente evidente

na cabeça virada de Jessica. Terceiro, indivíduos adormecidos não dão nenhuma demonstração evidente de comunicação ou capacidade de reação.

Jessica não mostrou nenhum sinal de se voltar na sua direção quando você entrou na sala, como teria feito se estivesse acordada. A quarta característica definidora do sono é o fato de ser facilmente reversível, o que o distingue do coma, da anestesia, da hibernação e da morte. Lembre-se de que Jessica acordou assim que o objeto foi derrubado na sala. Quinto, como estabelecemos no capítulo anterior, o sono adere a um padrão temporal confiável ao longo de 24 horas, guiado pelo ritmo circadiano ditado pelo marca-passo do núcleo supraquiasmático do cérebro. Os seres humanos são diurnos, por isso preferimos permanecer acordados durante todo o dia e dormir à noite.

Agora permita que eu lhe faça uma pergunta um tanto diferente: como você, você mesmo, sabe que dormiu? Você faz essa autoavaliação com ainda mais frequência do que avalia o sono dos outros. Cada manhã, com sorte, você retorna ao mundo desperto sabendo que dormiu.1 Essa autoavaliação do sono é tão sensível que é possível ir mais além e discernir quando o sono foi de boa ou de má qualidade. Essa é outra maneira de estimar o sono: uma avaliação fenomenológica em primeira pessoa, distinta de sinais utilizados para determinar o sono em outrem.

Também há aqui indicadores universais que permitem uma conclusão cabal sobre o sono — na verdade, eles são dois. O primeiro é a perda de percepção externa — você deixa de notar o mundo exterior. Não está mais consciente do que o cerca, pelo menos não explicitamente — na realidade, suas orelhas ainda estão “ouvindo”; seus olhos, embora fechados, ainda conseguem “ver”. Isso também vale para os outros órgãos sensoriais como o nariz (olfato), a língua (paladar) e a pele (tato).

Todos esses sinais chegam em grande quantidade ao centro do cérebro, mas, enquanto você dorme, essa viagem termina na zona de convergência sensorial. Os sinais são bloqueados por uma barricada perceptual erguida em uma estrutura chamada tálamo. Liso, oval e pouco menor do que um limão, o tálamo é o portão sensorial do cérebro — é ele que decide quais sinais sensoriais têm permissão de passar. Caso consigam passagem privilegiada, os sinais são enviados para o córtex na parte superior do cérebro, onde são conscientemente percebidos. Ao trancar suas portas no

início do sono saudável, o tálamo impõe um blecaute, impedindo o avanço desses sinais até o córtex. Desse modo, você não fica mais consciente dos programas informativos transmitidos a partir dos órgãos sensoriais externos.

Seu cérebro perde contato desperto com o mundo exterior ao seu redor. Em outras palavras, agora você está dormindo.

A segunda característica que orienta seu julgamento autodeterminado sobre o sono é uma sensação de distorção do tempo experimentada de duas formas contraditórias. No nível mais óbvio, você perde a noção consciente do tempo quando dorme, o que equivale a um vazio cronométrico. Considere a última vez que dormiu em um avião. Ao acordar, você provavelmente consultou o relógio para saber por quanto tempo dormiu. Mas por que fez isso? Porque seu monitoramento explícito do tempo foi perdido enquanto você dormiu. É a sensação de um buraco temporal que, analisado ao despertar, faz com que você tenha certeza de que esteve dormindo.

Todavia, embora seu mapeamento consciente do tempo seja perdido durante o sono, em um nível não consciente o tempo continua a ser catalogado pelo cérebro com incrível precisão. Tenho certeza de que você já teve que despertar na manhã seguinte a uma hora bem específica — talvez precisasse pegar um avião logo cedo. Antes de dormir, você programou diligentemente o alarme para as seis da manhã. Mas, por um milagre, você despertou às 5h58, sem auxílio, antes do alarme. Pelo visto, seu cérebro consegue registrar o tempo com notável precisão enquanto dorme. Como ocorre com tantas outras operações que ocorrem nele, você simplesmente não tem acesso explícito a esse conhecimento preciso do tempo durante o sono. Tudo isso voa abaixo do radar da consciência, emergindo apenas quando necessário.

Uma última distorção temporal merece destaque aqui — a da dilatação do tempo em sonhos, além do próprio sono. O tempo não é exatamente tempo nos sonhos. Na maioria das vezes ele é alongado. Pense na última vez que você acionou o botão soneca do despertador, tendo acordado de um sonho. Misericordiosamente, você está se dando mais deliciosos cinco minutos de sono e logo volta a sonhar. Depois do acréscimo de cinco minutos, o alarme toca de novo, mas essa não é a impressão que você tem.

Durante os cinco minutos de tempo real, você pode ter tido a impressão de que esteve sonhando por uma hora, talvez até mais. Diferentemente da fase do sono em que não está sonhando, na qual perde toda a consciência do

tempo, nos sonhos você continua a ter uma noção do tempo, ela só não é muito precisa — na maioria das vezes, o tempo onírico é estendido e prolongado em relação ao real.

Apesar de os motivos para essa dilatação do tempo não serem de todo compreendidos por nós, registros de experiências recentes realizadas com células cerebrais de ratos fornecem pistas interessantes. No experimento, ratos tiveram permissão para correr em um labirinto. À medida que eles assimilavam a disposição espacial, os pesquisadores registraram padrões característicos de excitação das células cerebrais. Registraram também a atividade das células de impressão de memória depois que os roedores adormeceram. Continuaram a “escutar” o cérebro sub-repticiamente durante os diferentes estágios do sono, incluindo o sono de movimentos oculares rápidos (sono REM, do inglês rapid eye movement), o estágio em que os seres humanos sonham.

O primeiro resultado notável foi que o padrão característico de excitação de células cerebrais ocorrido quando os roedores estavam aprendendo a disposição espacial do labirinto reapareceu depois durante o sono, reiteradamente. Isto é, as memórias foram repetidas no nível da atividade das células cerebrais enquanto os ratos dormiam. A segunda descoberta, ainda mais notável, foi a da velocidade desse “replay”. Durante o sono REM, as memórias foram repetidas muito mais devagar: em apenas metade ou um quarto da velocidade aferida quando os ratos estavam acordados e aprendendo a geografia do labirinto. Esse lento reconto dos eventos do dia é o melhor indício que temos até hoje para explicar a experiência do tempo alongada no sono REM humano. Essa enorme desaceleração do tempo neural pode ser o motivo para acreditarmos que nossa vida onírica dura muito mais do que o nosso despertador diz.

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