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O advento do motor a jato foi uma revolução para o trânsito em massa de seres humanos pelo planeta. No entanto, criou uma calamidade biológica inesperada: os aviões a jato conseguem se deslocar através de fusos horários em velocidades tais que nossos relógios internos de 24 horas jamais poderiam acompanhar ou se ajustar. Esses jatos causam um atraso — ou lag

— biológico: o jet lag. Desse modo, sentimo-nos cansados e sonolentos durante o dia em um fuso horário distante porque nosso relógio interno pensa que ainda é noite. Ele ainda está atrasado. Como se isso não bastasse, em geral à noite não conseguimos iniciar ou manter o sono já que o relógio interno acredita que ainda é dia.

Tomemos como exemplo o meu recente voo de volta para casa de São Francisco para a Inglaterra. Londres está oito horas à frente de São Francisco. Quando cheguei à Inglaterra, apesar de o relógio digital no Aeroporto Heathrow de Londres indicar que eram nove da manhã, meu relógio circadiano interno estava registrando uma hora bem diferente — a da Califórnia, onde era uma da manhã. Eu deveria estar em sono profundo. Tive de arrastar meu cérebro e meu corpo defasados ao longo do dia de Londres em um estado de profunda letargia. Cada aspecto de minha biologia exigia sono; estado no qual a maioria das pessoas lá na Califórnia estava mergulhada àquela hora.

Contudo, o pior ainda estava por vir: à meia-noite pelo horário de Londres, eu estava na cama, cansado e querendo dormir. Mas, diferentemente da maioria das pessoas da cidade, eu não conseguia cair no sono. Apesar de ser meia-noite em Londres, meu relógio biológico interno achava que eram quatro horas da tarde. Como costumo estar bem desperto nesse horário, assim estava, deitado na cama em Londres. E lá se passaram cinco ou seis horas antes que minha tendência natural a adormecer chegasse... exatamente quando Londres começou a despertar e tive de dar uma palestra. Que desastre.

Isto é jet lag: você se sente cansado e sonolento durante o dia no novo fuso horário porque o relógio corporal e a biologia associada ainda “pensam”

que é noite. À noite, você em geral não consegue dormir bem porque o ritmo biológico ainda acha que é dia.

Felizmente meu cérebro e corpo não permaneceram nesse limbo descombinado para sempre. Fui me habituando ao horário de Londres por meio dos sinais de luz solar obtidos na nova localização. Entretanto, o processo de reajuste é lento. Para cada dia que se passa em um fuso horário diferente, o núcleo supraquiasmático só consegue se reajustar em cerca de uma hora. Portanto, levei cerca de oito dias para me reajustar ao horário de Londres, oito horas à frente do de São Francisco. Para o meu azar, após os esforços hercúleos do relógio de 24 horas do meu núcleo supraquiasmático para se arrastar no tempo e se acomodar em Londres, ele depara com uma notícia desalentadora: preciso voar de volta para São Francisco após nove dias. Meu pobre relógio biológico tem de passar por toda essa provação de novo na direção inversa!

Talvez você tenha notado que parece mais difícil se aclimatar a um novo fuso horário quando se viaja para leste do que quando se voa para oeste. Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, a direção leste exige que você durma mais cedo do que o habitual — uma baita façanha biológica para a mente. Em contrapartida, a direção oeste requer que você permaneça acordado até mais tarde, o que é uma perspectiva consciente e pragmaticamente mais fácil. Em segundo lugar, como você deve lembrar, quando isolado de todas as influências do mundo exterior, nosso ritmo circadiano natural é inatamente mais longo do que um dia — cerca de 24 horas e quinze minutos. Por mais modesto que seja, esse fenômeno faz com que seja um pouco mais fácil prolongar artificialmente um dia do que encolhê-lo. Quando se viaja para oeste — na direção do relógio interno inatamente mais longo —, esse “dia” tem mais do que 24 horas para você e é por isso que parece um pouco mais fácil se adaptar. Já a viagem para leste, que envolve um “dia” mais curto para você do que 24 horas, vai contra a tendência natural do seu ritmo interno inatamente longo para começar, razão por que é muito mais difícil fazê-la.

Tanto na direção oeste quanto para leste, o jet lag submete o cérebro a uma torturante tensão fisiológica e as células, órgãos e sistemas importantes do corpo, a um profundo estresse biológico. E isso tem desdobramentos:

cientistas estudaram tripulações de avião que costumam percorrer rotas de longa distância e têm poucas oportunidades de se recuperar. Foram identificados dois resultados alarmantes. O primeiro foi o de que partes de seu cérebro — especificamente as relacionadas com o aprendizado e a memória — tinham encolhido fisicamente, sugerindo a destruição de células cerebrais causada pelo estresse biológico da viagem através dos fusos horários. O segundo foi o de que sua memória de curto prazo estava prejudicada de forma significativa: eles se mostraram consideravelmente mais esquecidos do que indivíduos de idade e antecedentes semelhantes que não viajavam com frequência através de fusos horários. Outros estudos envolvendo pilotos, membros de tripulação e pessoas que trabalham em turnos apontaram outras consequências inquietantes, incluindo índices muito mais altos de câncer e diabetes tipo 2 do que os registrados na população geral — ou até entre indivíduos semelhantes cuidadosamente controlados que não viajam tanto.

Tendo em vista esses efeitos deletérios, dá para entender por que algumas pessoas que enfrentam o jet lag com frequência, incluindo pilotos de companhias aéreas e pessoal de bordo, gostariam de limitar esse tormento.

Na tentativa de sanar o problema, elas costumam tomar comprimidos de melatonina. Lembre-se do meu voo de São Francisco para Londres: após chegar naquele dia, tive dificuldade de adormecer e permanecer dormindo à noite. Em parte, porque não estava havendo liberação de melatonina durante a minha noite em Londres. A minha elevação de melatonina ainda estava a muitas horas de distância, no horário da Califórnia. Mas imaginemos que eu tivesse usado um legítimo composto de melatonina ao chegar a Londres. Eis como ela teria funcionado: por volta das sete ou oito da noite no horário de Londres eu tomaria um comprimido de melatonina, provocando uma elevação artificial na melatonina circulante que imita o pico natural que estaria ocorrendo naquele momento na maioria dos moradores da cidade.

Desse modo, meu cérebro seria enganado e levado a acreditar que era noite e, com esse truque quimicamente induzido, viria o momento sinalizado da corrida do sono. Ainda seria uma luta gerar o evento do sono propriamente dito nessa hora irregular (para mim), porém o sinal de que estava na hora aumentaria significativamente a probabilidade de haver sono nesse contexto afetado pelo jet lag.