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VOCÊ NÃO SABE QUÃO PRIVADO DE SONO ESTÁ QUANDO ESTÁ PRIVADO DE SONO

A terceira descoberta fundamental, comum aos dois estudos, é a que pessoalmente considero a mais danosa de todas. Ao serem questionados sobre sua sensação subjetiva de seu estado, os participantes invariavelmente subestimaram seu grau de incapacidade de desempenho. Esse tipo de resposta foi um péssimo prognosticador de quão ruim o desempenho deles era de fato e objetivamente. É o equivalente de alguém que bebeu demais pegar as chaves do carro e dizer: “Estou bem para voltar para casa.”

Igualmente problemática é a redefinição do ponto de referência. Após passar meses ou anos com restrição crônica de sono, a pessoa se acostuma com o desempenho prejudicado, o nível mais baixo de alerta e os níveis de energia reduzidos. Essa exaustão de baixo nível se torna a norma aceita, ou o ponto de referência. A pessoa deixa de reconhecer como seu estado perene de deficiência de sono passou a comprometer sua aptidão mental e vitalidade física, o que inclui a lenta acumulação de problemas de saúde. A relação entre causa e efeitos raramente é feita pela pessoa. Com base em estudos epidemiológicos de tempo médio de sono, milhões de indivíduos passam anos sem se dar conta de que estão em um estado de funcionamento psicológico e fisiológico subótimo, nunca maximizando o potencial da mente ou do corpo em virtude da persistência cega em dormir muito pouco.

Sessenta anos de pesquisas científicas me impedem de acreditar em alguém que diz que consegue “ficar muito bem com quatro ou cinco horas de sono por noite”.

Retornando aos resultados do estudo de Dinges, você pode ter previsto que o desempenho de todos os participantes voltou a ser ótimo após uma boa noite de sonho reparador, similar à ideia comum de “compensar” o déficit de sono semanal nos fins de semana. No entanto, mesmo após três noites de sono restaurador à vontade, o desempenho dos analisados não voltou a ser o observado do ponto de referência original, quando eles vinham obtendo oito horas inteiras de sono regularmente. Nenhum grupo tampouco recuperou todas as horas de sono que havia perdido nos dias anteriores.

Como já aprendemos, o cérebro é incapaz de fazer isso.

Em uma perturbadora investigação posterior, pesquisadores na Austrália recrutaram dois grupos de adultos saudáveis, um dos quais foi embriagado até o então limite jurídico para dirigir (0,08% de álcool no sangue), enquanto o outro foi privado de sono por uma única noite. Os dois grupos executaram o teste de concentração para avaliar o desempenho da atenção, especificamente o número de lapsos. Após passar 19 horas acordadas, as pessoas privadas de sono tiveram a cognição tão prejudicada quanto a daquelas que tinham sido embriagadas. Em outras palavras, se você se levanta às sete da manhã e permanece acordado durante todo o dia, depois sai com os amigos e fica acordado até tarde da noite, mas não bebe nenhuma gota sequer de álcool, na hora em que está dirigindo de volta para casa às duas da madrugada sua cognição está tão prejudicada no que diz respeito à capacidade de prestar atenção na estrada e ao que está ao redor quanto a de um motorista embriagado. De fato, os participantes do estudo em discussão começaram a apresentar um rápido declínio em performance depois de passar apenas quinze horas acordados (dez da noite na situação hipotética deste parágrafo).

Na maioria dos países de primeiro mundo, os acidentes de carro figuram entre as principais causas de morte. Em 2016, a Associação Automobilística Americana [AAA, na sigla em inglês] de Washington (DC) divulgou os resultados de um amplo estudo realizado com mais de sete mil motoristas nos Estados Unidos monitorados em detalhes ao longo de dois anos.1 A principal descoberta, representada na Figura 12, revela como a sonolência ao volante é catastrófica em se tratando de acidentes. Tendo dormido menos de cinco horas, o risco de se envolver em uma batida triplica. Ao pegar o volante tendo dormido por até quatro horas na noite anterior, existe uma

probabilidade 11,5 vezes maior de se envolver em um acidente. Observe como a relação entre as horas de sono decrescentes e o crescente risco de mortalidade de um acidente não é linear, mas cresce exponencialmente.

Cada hora de sono perdida amplifica muitíssimo a probabilidade da batida, em vez de aumentá-la aos poucos.

Direção alcoolizada e sonolência ao volante são situações por si mesmas mortais, mas o que acontece quando alguém combina as duas? Essa é uma pergunta relevante, uma vez que a maioria das pessoas dirige embriagada nas primeiras horas da manhã, e não no meio do dia, o que significa que a maior parte dos motoristas bêbados também está privada de sono.

Hoje é possível monitorar os erros de motoristas de uma maneira realística, porém segura, usando simuladores de direção. Com esse tipo de máquina virtual, um grupo de pesquisadores examinou o número de desvios completos para fora da estrada em participantes sob quatro condições experimentais: (1) oito horas de sono, (2) quatro horas de sono, (3) oito horas de sono mais álcool até o limite jurídico para determinar embriaguez e (4) quatro horas de sono mais álcool até o limite jurídico para determinar embriaguez.

Os integrantes do grupo das oito horas de sono cometeram nenhum ou poucos erros de desvios para fora da estrada. Os que dormiram quatro horas (o segundo grupo) cometeram seis vezes mais desvios para fora da estrada do que os indivíduos sóbrios e com bom repouso. O mesmo grau de prejuízo na direção foi constatado no terceiro grupo, que teve oito horas de sono, mas estava bêbado de acordo com a lei. Ou seja, dirigir embriagado ou dirigir sonolento é igualmente perigoso.

Seria razoável supor que o desempenho do quarto grupo refletisse o impacto cumulativo desses dois grupos: quatro horas de sono mais o efeito do álcool (isto é, doze vezes mais desvios para fora da estrada). O resultado foi muito pior: esse grupo dirigiu para fora da estrada trinta vezes mais do que o sóbrio e com bom repouso. O inebriante coquetel de privação de sono e álcool não se mostrou aditivo, mas multiplicativo. Um potencializou o outro, como duas drogas cujos efeitos são nocivos por si mesmos mas que, quando tomadas em conjunto, interagem para produzir consequências verdadeiramente nefastas.

Depois de trinta anos de intensa pesquisa, agora podemos responder a muitas das perguntas que formulamos anteriormente. O índice de reciclagem de um ser humano é por volta de 16 horas. Após 16 horas acordado, o cérebro começa a falhar. Os seres humanos precisam de mais de sete horas de sono todas as noites para manter o desempenho cognitivo.

Depois de dez dias dormindo apenas sete horas por noite, o cérebro é tão disfuncional quanto seria após passar 24 horas sem dormir. Três noites inteiras de recuperação (isto é, mais noites do que há em um fim de semana) não bastam para restaurar o desempenho a níveis normais após uma semana de sono insuficiente. Por fim o ser humano não consegue perceber com precisão quanto está privado de sono quando está sob privação.

Retornaremos às implicações desses resultados nos capítulos restantes, porém as consequências para a vida real da sonolência ao volante merecem menção especial. Na próxima semana, mais de dois milhões de pessoas nos Estados Unidos vão adormecer enquanto dirigem. Isso dá mais do que 250 mil por dia, com um número maior desses eventos ocorrendo durante a semana do que em fins de semana por motivos óbvios. Mais de 56 milhões de americanos admitem lutar para se manter acordados na direção de um carro a cada mês.

Desse modo, 1,2 milhão de acidentes são causados por sonolência todo ano nos Estados Unidos. Em outras palavras: para cada trinta segundos que você passou lendo este livro, houve um acidente de trânsito em algum lugar nos Estados Unidos causado pela falta de sono. É mais do que provável que alguém tenha perdido a vida em um acidente de carro relacionado à fadiga durante o tempo em que você esteve lendo este capítulo.

Talvez você se espante ao saber que o número de acidentes causados por sonolência ao volante excedem o dos causados por álcool e drogas combinados. Sozinha, a sonolência ao dirigir é pior do que dirigir bêbado.

Talvez isso pareça algo controverso ou irresponsável de se dizer, e não quero de forma alguma banalizar o ato lamentável de dirigir embriagado.

Entretanto, minha afirmação é verdadeira por essa simples razão: os motoristas bêbados muitas vezes demoram a frear e a fazer manobras evasivas. Mas, quando adormece ou tem um microssono, o motorista para de reagir por completo. Quem experimenta um evento desse tipo não freia nem tenta evitar o acidente. Por causa disso, acidentes de carro causados por sonolência costumam ser muito mais mortíferos do que os causados por álcool ou drogas. Sendo bem direto: quando alguém dorme ao volante em uma autoestrada, o carro passa a ser um míssil de uma tonelada viajando a cem quilômetros por hora sem ninguém no controle.

Os motoristas de carro não são as únicas ameaças: os caminhoneiros sonolentos são ainda mais perigosos. Nos Estados Unidos, cerca de 80% dos caminhoneiros estão acima do peso e 50% são clinicamente obesos. Esse quadro os coloca sob um risco muito mais alto de sofrer de um transtorno chamado apneia do sono, em geral associado a roncos intensos e que causa privação de sono crônica e severa. Desse modo, os caminhoneiros são de 200% a 500% mais propensos a se envolver em um acidente de trânsito. E ao perder a vida em um acidente provocado por direção sonolenta, em média um caminhoneiro leva consigo outras 4,5 vidas.

Na verdade, eu gostaria de salientar que não há nenhum acidente causado por fadiga, microssonos ou adormecimento. Absolutamente nenhum. O que acontece são colisões. O Oxford English Dictionary define acidentes como eventos inesperados que ocorrem por acaso ou sem causa aparente. Mortes por sonolência ao volante não são nem casuais, nem sem causa — elas são previsíveis e o resultado direto de não se dormir o suficiente. Desse modo, são desnecessárias e evitáveis. Vergonhosamente, os governos da maioria

dos países desenvolvidos gasta menos de 1% de seu orçamento educando o público sobre os perigos da sonolência ao volante comparado ao que investem no combate à direção sob o efeito do álcool.

Mesmo propagandas de saúde pública bem-intencionadas podem se perder em uma torrente de estatísticas. Muitas vezes é preciso recorrer à trágica narrativa de relatos pessoais para tornar a mensagem real. Há milhares desses eventos que eu poderia descrever. Permita-me falar apenas de um na esperança de salvá-lo dos danos da sonolência ao volante.

Union County, Flórida, janeiro de 2006: um ônibus escolar transportando nove crianças parou de repente em uma placa de parada obrigatória. Um carro Pontiac Bonneville com sete passageiros freou atrás do ônibus e também parou. Foi então que um caminhão de dezoito rodas veio disparado pela estrada atrás dos dois veículos. Só que o caminhão não parou. Ele bateu no Pontiac, passou por cima dele e, com o carro transformado em sanfona por baixo, atingiu em seguida o ônibus. Todos os três veículos atravessaram um fosso e continuaram se movendo, ponto em que o Pontiac destruído foi consumido pelas chamas. O ônibus escolar girou no sentido anti-horário e continuou avançando, agora do lado oposto da estrada, de trás para a frente.

Fez isso por cem metros até que saiu da estrada e colidiu com um denso arvoredo. Com o impacto, três das nove crianças no ônibus foram ejetadas pelas janelas. Todos os sete ocupantes do Pontiac morreram, assim como o motorista do ônibus. O caminhoneiro e todas as nove crianças sofreram lesões graves.

O caminhoneiro era um motorista qualificado e habilitado. Todos os testes toxicológicos do seu sangue deram negativo. Contudo, veio à tona mais tarde que ele passara 34 horas ininterruptas acordado e dormira ao volante. Todas as sete vítimas do Pontiac eram crianças ou adolescentes.

Cinco das sete eram da mesma família. O ocupante mais velho era um adolescente que estava dirigindo legalmente o carro. O mais jovem era um bebê de apenas 1 ano e 8 meses.

Há muitas coisas que espero que os leitores extraiam deste livro. Esta é a mais importante: se você se sentir sonolento ao dirigir, por favor, por favor, pare. Dirigir com sono é letal. Carregar nos ombros o ônus da morte de outra pessoa é terrível. Não se deixe enganar pelas muitas táticas ineficazes que as pessoas lhe recomendarão para combater a sonolência ao volante.2 Muitos

de nós achamos que podemos superá-la por meio da pura força de vontade, mas infelizmente isso não é verdade. Acreditar no contrário pode pôr em risco a sua vida, a de sua família e amigos no carro com você e a dos outros usuários da estrada. Algumas pessoas têm apenas uma chance de adormecer ao volante antes de morrer.

Se você notar que está se sentindo sonolento ou até adormecendo enquanto dirige, pare para pernoitar. Se realmente tiver que seguir viagem — e fez esse julgamento levando em consideração o contexto ameaçador para a vida que ele de fato apresenta —, então saia da estrada para um acostamento seguro por um tempo. Tire uma breve soneca (de vinte a trinta minutos). Ao acordar, não dirija imediatamente — você estará sofrendo de inércia do sono, os efeitos remanescentes do sono sobre a vigília. Espere mais de vinte a trinta minutos, talvez depois de tomar uma xícara de café caso necessário, e só então pegue de novo no volante. Todavia, isso só o levará até certo ponto estrada adiante antes que precise de outra recarga, e os retornos são cada vez menores. Em última análise, fazer isso simplesmente não vale a sua vida.