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PERDA DE SONO E O SISTEMA REPRODUTIVO

Caso você tenha esperança de êxito, aptidão ou proeza reprodutiva, seria bom dormir a noite inteira todas as noites. Tenho certeza de que Charles Darwin apoiaria facilmente esse conselho se tivesse revisado os indícios que apresento agora.

Uma equipe de pesquisa da Universidade de Chicago pegou um grupo de jovens do sexo masculino esbeltos e saudáveis na metade da casa dos vinte anos e limitou seu sono a cinco horas a cada noite por uma semana. Quando foram analisadas as amostras dos níveis de hormônio circulando no sangue desses participantes cansados foi constatada uma queda acentuada da testosterona em relação aos níveis de referência registrados quando eles estavam plenamente repousados. O grau do efeito de atenuação hormonal é tão grande que chega a “envelhecer” um homem em dez a quinze anos em termos de virilidade da testosterona. Os resultados experimentais corroboram a descoberta de que homens que sofrem de transtornos do sono,

sobretudo apneia do sono associada ao ronco, têm níveis de testosterona significativamente mais baixos do que indivíduos de idade e histórico similares que não sofrem de transtorno do sono.

Expor os resultados desses estudos muitas vezes cala quaisquer machos (alfa) convictos que encontro em minhas palestras. Como você pode imaginar, a ardorosa posição antissono deles se torna um pouco vacilante após receber essa informação. Com uma genuína falta de malícia, eu então lhes conto que homens que relatam dormir muito pouco — ou ter uma má qualidade de sono — têm uma contagem de esperma 29% mais baixa do que os que obtêm uma noite de sono completa e repousante, fora o fato de que o esperma deles apresenta mais deformidades. Em geral, concluo meu argumento com um golpe baixo, observando que esses homens que dormem pouco têm também testículos significativamente menores do que seus pares bem repousados.

Raros embates em palestras à parte, testosterona baixa é um assunto clinicamente preocupante e que gera impactos na vida cotidiana. Homens com baixa testosterona costumam se sentir cansados e fatigados durante todo o dia. Eles têm dificuldade em se concentrar nas tarefas do trabalho, pois o hormônio aguça a capacidade do cérebro de focar. E, é claro, sua libido fica embotada, dificultando que a vida sexual seja ativa, satisfatória e saudável. De fato, o humor e o vigor autorrelatados dos rapazes descritos no estudo citado decresceram progressivamente em sincronia com o crescente estado de privação de sono e o declínio dos níveis de testosterona.

Acrescente a isso o fato de que o hormônio mantém a densidade óssea e atua na formação da massa muscular e, portanto, da força, e já dá para começar a ter uma ideia de por que uma noite inteira de sono — e a terapia de reposição hormonal natural proporcionada por ela — é tão essencial para esse aspecto da saúde e para uma vida ativa para homens de todas as idades.

Os homens não são os únicos impactados em termos reprodutivos pela falta de sono. Ter o hábito de dormir por menos de seis horas por noite gera uma queda de 20% no hormônio folículo-estimulante nas mulheres — um elemento reprodutivo feminino decisivo que chega ao seu nível mais elevado pouco antes da ovulação e é necessário para a concepção. Em um relatório que reuniu descobertas de estudos realizados nos últimos quarenta anos com mais de cem mil mulheres empregadas, as que trabalhavam em horários noturnos irregulares, o que resulta em sono de má qualidade, como

enfermeiras que atuam por turnos (uma profissão exercida quase exclusivamente por mulheres na época desses estudos iniciais), apresentaram uma porcentagem 33% maior de ciclos menstruais anormais do que as que trabalhavam em horários normais durante o dia. Além disso, as participantes que trabalhavam em horários erráticos eram 80% mais propensas a sofrer de problemas de subfertilidade, que reduziam a capacidade de engravidar. Grávidas que costumam dormir menos de oito horas por noite também têm uma probabilidade significativamente maior de sofrer um aborto no primeiro trimestre de gestação em relação às que costumam dormir por pelo menos oito horas.

Combine esses efeitos deletérios sobre a saúde reprodutiva em um casal com falta de sono e é fácil entender por que a epidemia de privação de sono está ligada à infertilidade ou subfertilidade e por que Darwin consideraria esses resultados tão significativos no contexto de um futuro sucesso evolucionário.

Aliás, você deveria perguntar à dra. Tina Sundelin, minha amiga e colaboradora na Universidade de Estocolmo, se você fica atraente quando sofre privação de sono — uma expressão física da biologia subjacente que altera suas chances de formar um casal e, portanto, de se reproduzir. Ela lhe informaria uma verdade horrorosa. Não é a própria Sundelin que faz o julgamento nesse concurso de beleza científico: ela conduziu um experimento em que pessoas comuns fizeram isso em seu lugar.

Sundelin pegou um grupo de homens e mulheres saudáveis com idades variando entre 18 e 31 anos. Todos foram fotografados duas vezes sob condições idênticas de iluminação interior, na mesma hora do dia (14h30), cabelo solto, nenhuma maquiagem no caso das mulheres e sem barba no dos homens. O que diferiu foi a quantidade de sono permitida aos participantes antes de cada uma das sessões de fotos. Em uma delas, os participantes puderam dormir apenas cinco horas antes de serem postos diante da câmera, ao passo que na outra sessão esses mesmos indivíduos tiveram oito horas inteiras de sono. A ordem dessas duas condições foi randomizada como primeira ou segunda, com os modelos não sabendo de nada.

Sundelin levou outro grupo de participantes para o laboratório para que atuassem como juízes independentes. Essas pessoas ignoravam o verdadeiro objetivo do experimento, nada sabendo sobre as diferentes manipulações do sono impostas aos retratados. Os juízes viram os dois conjuntos de fotos em

uma ordem embaralhada e tiveram que fazer classificações em três quesitos:

saúde aparente, cansaço e atratividade.

Apesar de não saberem nada sobre a premissa subjacente do estudo — ou seja, sem saber das diferentes condições de sono —, as avaliações dos juízes foram inequívocas. Os rostos retratados após uma noite de pouco sono foram classificados como parecendo mais fatigados, menos saudáveis e significativamente menos atraentes em comparação com a atraente imagem dos mesmos indivíduos depois de terem dormido oito horas inteiras.

Sundelin havia revelado a verdadeira face da falta de sono e, com isso, ratificado o antigo conceito de “sono da beleza”.

O que podemos apreender dessa área de pesquisa ainda em desenvolvimento é que aspectos essenciais do sistema reprodutivo humano são afetados pelo sono tanto no caso dos homens quanto no das mulheres.

Hormônios reprodutivos, órgãos reprodutivos e a própria natureza da atratividade física que influencia as oportunidades de reprodução: todos são prejudicados pelo sono insuficiente. Com base nessa última associação, só nos resta imaginar Narciso como alguém que dormia sólidas oito a nove horas, talvez com o acréscimo de uma sesta à tarde, tirada ao lado do lago que reflete sua imagem.