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Ponto central para muitas das questões abordadas no parágrafo inicial é a poderosa força modeladora de seu ritmo de 24 horas, também conhecido como ritmo circadiano. Todo mundo gera um ritmo circadiano (circa, isto é,

“ao redor”; diano, derivativo de diam, que significa “dia”). Cada criatura viva no planeta com mais de alguns dias de vida gera esse ciclo natural. O relógio

interno de 24 horas no cérebro transmite o sinal diário de ritmo circadiano a todas as outras regiões do cérebro e a todos os órgãos do corpo.

O ritmo de 24 horas ajuda a determinar quando se quer estar acordado e quando se quer estar dormindo. Além disso, ele controla outros padrões rítmicos, que incluem a preferência de horário para comer e beber, os estados de ânimo e emoções, a quantidade de urina produzida,1 a temperatura corporal central, a taxa de metabolismo e a liberação de diversos hormônios. Não é por acaso que a probabilidade de um recorde olímpico ser quebrado tenha sido claramente associada à hora do dia, sendo máxima no pico natural do ritmo circadiano humano no início da tarde. Até a hora de nascimentos e mortes demonstra ritmicidade circadiana devido às oscilações acentuadas em processos metabólicos, cardiovasculares, de temperatura e hormonais vitais controlados por esse marca-passo.

Mas, muito antes que ele fosse descoberto, um engenhoso experimento fez algo absolutamente extraordinário: parou o tempo — pelo menos para uma planta. Ele foi realizado em 1729, quando o geofísico francês Jean-Jacques d’Ortous de Mairan descobriu a primeira prova de que plantas geram o próprio tempo interno.

De Mairan estava estudando o movimento das folhas de uma espécie que apresenta heliotropismo: quando as folhas ou flores de uma planta acompanham a trajetória do Sol à medida que ele se move pelo céu durante o dia. O pesquisador estava intrigado com uma planta específica, chamada Mimosa pudica [conhecida no Brasil como dormideira ou sensitiva]. Não somente as folhas dessa planta traçam a trajetória diurna em arco do Sol através do céu, como à noite se fecham, quase como se tivessem murchado.

Depois, no início do dia seguinte, as folhas se abrem novamente como um guarda-chuva, saudáveis como sempre. Esse comportamento se repete a cada manhã e a cada entardecer, o que levou o famoso biólogo evolucionário Charles Darwin a chamá-las de “folhas adormecidas”.

Antes do experimento de De Mairan, muitos acreditavam que o comportamento de expansão e retração da planta fosse determinado exclusivamente pelo nascer e pelo pôr do sol correspondentes. Era uma suposição lógica: a luz do dia (mesmo quando estava nublado) induzia as folhas a se abrir de par em par, enquanto a escuridão posterior instruía as folhas a fechar as portas, encerrar o expediente e se dobrar. Essa teoria foi

destruída por De Mairan. Primeiro, ele pegou a planta e a deixou ao ar livre, expondo-a aos sinais de luz e escuridão associados ao dia e à noite. Como era esperado, as folhas se expandiram com a luz do dia e se retraíram com a escuridão da noite.

Então veio a reviravolta de gênio. O pesquisador colocou a planta em uma caixa vedada pelo período seguinte de 24 horas, deixando-a no escuro total.

Durante essas 24 horas de escuridão, ele de vez em quando dava uma espiada na planta na escuridão controlada, observando o estado das folhas.

Apesar de estar desconectada da influência da luz durante o dia, a planta ainda se comportou como se estivesse sendo banhada pela luz solar; suas folhas estavam ostensivamente expandidas. Depois ela retraiu as folhas como se fosse a hora oportuna no fim do dia, mesmo sem o sinal do pôr do sol, e elas permaneceram fechadas ao longo de toda a noite.

Foi uma descoberta revolucionária: De Mairan havia mostrado que um organismo vivo possuía o próprio tempo e não estava preso aos comandos rítmicos do Sol. Em algum lugar no interior da planta havia um gerador de um ritmo de 24 horas capaz de monitorar o tempo sem nenhum sinal do mundo exterior, como a luz do dia. A planta não tinha apenas um ritmo circadiano, tinha um ritmo “endógeno”, ou autogerado. É algo muito parecido com o nosso coração martelando ritmicamente o próprio batimento autogerador. A diferença é que o ritmo do marca-passo do coração é muito mais rápido, em geral batendo uma vez por segundo, em vez de uma vez a cada 24 horas, como faz o relógio circadiano.

Surpreendentemente, foram necessários outros duzentos anos para se provar que nós, seres humanos, temos um ritmo circadiano similar, gerado internamente. Mas esse experimento acrescentou algo bem inesperado à compreensão de nossa cronometragem interna. Era 1938 e o professor Nathaniel Kleitman, da Universidade de Chicago, acompanhado de seu assistente de pesquisa Bruce Richardson, realizava um estudo científico ainda mais radical que exigiu um tipo de dedicação que podemos dizer não ter paralelo até hoje.

Kleitman e Richardson foram as cobaias do próprio experimento. Com comida e água para seis semanas na bagagem, além de dois leitos hospitalares altos desmontados, eles foram para Mammoth Cave, no Kentucky, uma das cavernas mais profundas do planeta — tão profunda que nenhuma luz solar detectável penetra suas zonas mais distantes. E nessa

escuridão Kleitman e Richarson lançariam luz sobre uma descoberta científica impressionante que definiria nosso ritmo biológico como sendo de aproximadamente um dia (circadiano), e não precisamente um dia.

Além de comida e água, os dois levaram muitos instrumentos de medição para avaliar a temperatura corporal, bem como o ritmo de vigília e sono. Essa área de registros serviu de coração de seu espaço vital, flanqueada dos dois lados pelos leitos. Cada uma das pernas altas das camas ficou enfiada em um balde d’água para manter afastados — como o fosso de um castelo — os inumeráveis pequenos (e não tão pequenos) bichos que se escondem nas profundezas da Mammoth Cave.

A questão experimental analisada por Kleitman e Richardson era simples:

ao ser desconectado do ciclo diário de luz e escuridão, seu ritmo biológico de sono e vigília, bem como sua temperatura corporal, se tornaria completamente errática ou permaneceria igual ao dos indivíduos no mundo exterior expostos à luz rítmica do dia? Ao todo, eles passaram 32 dias na escuridão total. Não só ganharam uma barba impressionante, como fizeram duas descobertas revolucionárias. A primeira foi a de que seres humanos, como as plantas heliotrópicas de De Mairan, geram o próprio ritmo circadiano endógeno na ausência de luz externa do sol. Isto é, nem Kleitman nem Richardson caíram em surtos aleatórios de vigília e sono, tendo em vez disso apresentado um padrão previsível e repetitivo de vigília prolongada (cerca de quinze horas), emparelhado com turnos consolidados de cerca de nove horas de sono.

O segundo resultado inesperado — e mais profundo — foi o de que seu ciclo confiavelmente repetitivo de vigília e sono não tinha uma duração exata de 24 horas, sendo invariável e irrefutavelmente mais longo do que isso. Richardson, que estava na casa dos vinte anos, desenvolveu um ciclo de sono-vigília que ficou entre 26 e 28 horas de duração. O de Kleitman, na casa dos quarenta anos, se aproximou um pouco mais de 24 horas, porém ainda sim foi mais longo. Desse modo, quando afastado da influência externa da luz do dia, o “dia” internamente gerado de cada homem não teve 24 horas exatas, mas um pouco mais do que isso. Como um relógio de pulso impreciso que está se atrasando, a cada dia (real) que se passava no mundo exterior, Kleitman e Richardson apresentaram um acréscimo de tempo tendo por base sua cronometria mais longa, que foi gerada internamente.

Como nosso ritmo biológico inato não é de 24 horas exatas, mas algo por volta disso, foi preciso estabelecer uma nova nomenclatura: o ritmo circadiano — isto é, um ritmo que tem cerca de um dia de duração, não exatamente um dia.2 Nos mais de setenta anos decorridos desde o experimento seminal de Kleitman e Richardson, já conseguimos determinar que a duração média do relógio circadiano endógeno de um humano adulto é de cerca de 24 horas e quinze minutos — não muito distante da rotação de 24 horas da Terra, porém não o ritmo preciso que qualquer relojoeiro suíço de respeito consideraria aceitável.

Felizmente, a maioria de nós não vive na Mammoth Cave, ou na escuridão constante imposta por ela. Recebemos com frequência a luz do sol, que vem salvar nosso relógio circadiano interno impreciso excessivo. Ela age como dedos na lateral do mostrador de um relógio de pulso impreciso, reajustando de forma metódica nosso relógio interno a cada dia,

“adiantando-nos” para precisa, não aproximadamente, 24 horas.

Não é por acaso que o cérebro usa a luz do dia para fazer esse reajuste: ela é o sinal repetitivo mais confiável de que dispomos no ambiente. Desde o nascimento do planeta, e em todos os dias desde então, sem exceção, o sol se levanta de manhã e se põe à tarde. De fato, a razão por que a maioria das espécies vivas adotou um ritmo circadiano provavelmente é a tentativa de sincronizarem a si mesmas e as suas atividades — tanto as internas (por exemplo, a temperatura) quanto as externas (por exemplo, a alimentação) — com a mecânica orbital diária da Terra girando em torno do eixo, o que gera fases regulares de luz (quando determinada área está voltada para o Sol) e escuridão (quando está oculta do Sol).

Contudo, a luz do dia não é o único sinal a que o cérebro pode recorrer para reajustar o relógio biológico, embora seja o principal e o preferencial quando presente. Contanto que sejam confiavelmente repetitivas, o cérebro pode usar outras pistas externas, como comida, exercício físico, flutuações de temperatura e até interação social programada com regularidade. Todos esses eventos têm a capacidade de reajustar o relógio biológico, permitindo-lhe chegar a 24 horas exatas. Essa é a razão pela qual portadores de certas formas de cegueira não perdem por completo seu ritmo circadiano — apesar de não receber vestígios de luz, outros fenômenos agem como gatilhos de reajuste. Qualquer sinal usado pelo cérebro nesse sentido é chamado de

zeitgeber, termo alemão para “fornecedor de tempo” ou “sincronizador”.

Desse modo, apesar de a luz ser o zeitgeber mais confiável e, portanto, o principal, há muitos fatores que podem ser utilizados além dela ou na sua ausência.

O relógio biológico de 24 horas situado no meio do cérebro humano é chamado de núcleo supraquiasmático. Como ocorre com grande parte do vocabulário da anatomia, o nome é instrutivo: supra significa acima e quiasma, um ponto de cruzamento. O ponto de cruzamento é formado pelos nervos ópticos provenientes dos globos oculares. Eles se encontram no meio do cérebro e então trocam de lado. O núcleo supraquiasmático está localizado logo acima dessa interseção por uma boa razão. Ele “prova” o sinal luminoso que está sendo enviado a partir de cada olho ao longo dos nervos ópticos à medida que avança até a parte posterior do cérebro para o processamento visual. O núcleo supraquiasmático usa essa informação luminosa confiável para reajustar sua inexatidão temporal inerente para um ciclo exato de 24 horas, evitando desvios.

Ao saber que o núcleo supraquiasmático é composto de vinte mil células cerebrais, ou neurônios, você poderia achar que ele é enorme, ocupando uma vasta quantidade do espaço craniano, porém na verdade ele é pequenino. O cérebro é composto de cerca de cem bilhões de neurônios, o que torna o núcleo supraquiasmático minúsculo no esquema relativo da matéria cerebral. Entretanto, apesar de sua estatura, sua influência sobre o restante do cérebro e do corpo é tudo menos modesta. Esse reloginho é o maestro central da sinfonia rítmica biológica da vida — da sua e da de todas as outras espécies vivas. Ele controla uma ampla série de comportamentos, incluindo o foco deste capítulo: quando você quer estar acordado e quando você quer estar dormindo.

No caso das espécies diurnas, que são ativas durante o dia, como os seres humanos, o ritmo circadiano ativa muitos mecanismos cerebrais e corporais no cérebro e no corpo durante as horas de luz do dia que visam manter o indivíduo acordado e alerta. Esses processos são reduzidos durante a noite, removendo a influência alertadora. A Figura 1 traz um exemplo de ciclo circadiano — o da temperatura corporal. Ela representa a temperatura corporal central (retal) de um grupo de humanos adultos. Iniciando às “12h”

na extrema esquerda, a temperatura corporal começa a se elevar, chegando ao pico no fim da tarde. Em seguida a trajetória muda: a temperatura

começa a diminuir, ficando abaixo da do ponto inicial à medida que a hora de dormir se aproxima.

O nosso ritmo circadiano biológico coordena uma queda na temperatura corporal central à medida que nos aproximamos da hora de dormir habitual (Figura 1), alcançando o nadir, ou ponto mais baixo, cerca de duas horas após o início do sono. Todavia, esse ritmo da temperatura não depende de estarmos de fato dormindo. Se formos mantidos acordados a noite toda, a nossa temperatura corporal central ainda exibirá o mesmo padrão. Embora a queda da temperatura ajude a iniciar o sono, a temperatura subirá e cairá no decorrer do período de 24 horas quer se esteja acordado ou dormindo. Essa é uma demonstração clássica de um ritmo circadiano pré-programado que se repetirá de forma indefinida, como um metrônomo. A temperatura é apenas um dos muitos ritmos de 24 horas governados pelo núcleo supraquiasmático. A vigília e o sono são outro — os dois estão, portanto, sob o controle do ritmo circadiano, e não o contrário. Isto é, o ritmo circadiano subirá e baixará a cada 24 horas, quer tenhamos dormido ou não. O seu ritmo circadiano é inabalável nesse aspecto, mas compare indivíduos diferentes, e você descobrirá que nem todos têm ritmos iguais.

É