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Nos anos 1980 e 1990, David Dinges, junto com seu perspicaz colaborador (e recente chefe da National Highway Traffic Safety Administration) dr. Mark Rosekind, conduziu outra série de estudos inovadores, dessa vez avaliando as vantagens e desvantagens de se tirar sonecas em face da inevitável privação de sono. Eles cunharam a expressão “power naps” [sonecas energéticas] — ou, eu deveria dizer, cederam a ela. Grande parte de seu trabalho foi realizada com a indústria da aviação, examinando pilotos em viagens de longa distância.

O momento mais perigoso do voo é o pouso, que ocorre no fim de uma viagem, quando a maior quantidade de privação de sono muitas vezes se acumulou. Pense no quanto você se sente cansado e sonolento ao fim de um voo noturno, transatlântico, tendo estado em movimento há mais de 24 horas. Nessas condições, você se sentiria no máximo de seu rendimento, pronto para pousar um Boeing 747 com 467 passageiros a bordo, se tivesse competência para tanto? É durante essa fase final do voo, conhecida na indústria da aviação como “desde o início da descida até o pouso”, que

ocorrem 68% de todas as perdas de casco — eufemismo para um desastre catastrófico de avião.

Os pesquisadores se puseram a trabalhar respondendo à seguinte questão, proposta pela Autoridade Federal da Aviação dos Estados Unidos [FAA, na sigla em inglês]: se um piloto só tiver oportunidade de tirar uma curta soneca (40-120 minutos) em um período de 36 horas, quando ela deve ser tirada de modo a minimizar a fadiga cognitiva e os lapsos de atenção? No início da primeira noite, no meio da noite ou no final da manhã seguinte?

À primeira vista a questão parece ilógica, mas Dinges e Rosekind fizeram uma inteligente previsão baseada na biologia. Eles acreditavam que, ao inserir uma soneca na parte dianteira de um próximo turno de privação de sono, seria possível aplicar um amortecedor, ainda que temporário e parcial, que protegeria o cérebro de sofrer lapsos catastróficos em concentração. Eles estavam certos. Os pilotos sofriam menos microssonos nos estágios finais do voo quando as sonecas eram tiradas cedo na noite anterior em comparação a quando esses mesmos períodos de soneca eram tirados no meio da noite ou mais tarde na manhã seguinte, contexto em que o ataque da privação de sono já estava muito avançado.

Eles haviam descoberto o equivalente para o sono do paradigma médico da prevenção versus tratamento. A prevenção tenta evitar um problema antes da ocorrência, enquanto o tratamento tenta remediar o problema depois de instalado. E assim acontecia também com as sonecas. De fato, esses turnos curtos de sono tirados cedo também reduziam o número de vezes que os pilotos adormeciam de leve durante os últimos noventa minutos cruciais do voo. Houve menos dessas intromissões de sono, medidas com eletrodos de EEG na cabeça.

Quando relataram suas descobertas à FAA, Dinges e Rosekind recomendaram que as “sonecas profiláticas” fossem instituídas como norma entre os pilotos, como muitas outras autoridades da aviação no mundo todo permitem hoje. A agência de aviação, apesar de acreditar na descoberta, não ficou convencida pela nomenclatura. Eles acharam que o termo “profilático”

se prestava a muitas brincadeiras entre os pilotos. Dinges sugeriu “soneca planejada”, mas a FAA também não gostou, pois soava muito

“administrativo”. Então sugeriram “power napping”, que consideraram mais condizente com postos de trabalho baseados em liderança ou dominância,

os outros sendo diretores executivos ou executivos militares. E assim nasceu a expressão “power nap”.

Contudo, o problema é que as pessoas, sobretudo as que ocupavam tais posições, passaram a acreditar erroneamente que uma power nap de vinte minutos era tudo de que se precisava para sobreviver e ter perfeita, ou mesmo aceitável, sagacidade. Breves power naps tornaram-se sinônimos do pressuposto inexato de que elas permitem a um indivíduo se abster de sono suficiente, noite após noite, especialmente quando combinadas com o uso indiscriminado de cafeína.

Não importa o que você possa ter ouvido ou lido por aí, não temos nenhum indício científico sugerindo que uma droga, um aparelho ou qualquer quantidade de força de vontade psicológica substitua o sono. Power naps podem aumentar temporariamente a concentração sob condições de privação de sono, como a cafeína também pode fazer até certa dose. Mas nos estudos subsequentes realizados por Dinges e muitos outros pesquisadores (inclusive eu) constatou-se que nenhuma das duas pode salvaguardar funções mais complexas do cérebro, o que inclui o aprendizado, a memória, a estabilidade emocional, o raciocínio complexo ou a tomada de decisão.

Talvez um dia venhamos a descobrir esse método neutralizador. Contudo, hoje não há nenhuma droga que tenha a capacidade comprovada de substituir os benefícios que uma noite inteira de sono infunde no cérebro e no corpo. David Dinges convida a qualquer um que sugira que pode sobreviver dormindo pouco a ir ao seu laboratório para uma estada de dez dias. Ele vai colocar essa pessoa em seu proclamado regime de pouco sono e medir sua função cognitiva. Dinges, com razão, está confiante de que mostrará de maneira categórica uma degradação de função cerebral e corporal. Até hoje, nenhum voluntário se mostrou à altura de sua pretensão.

No entanto, descobrimos um grupo muito raro de indivíduos que parecem capazes de sobreviver com seis horas de sono e apresentar prejuízos mínimos — uma elite insone, por assim dizer. Dê-lhes várias horas de oportunidade para dormir no laboratório, sem nenhum alarme ou despertador, e ainda assim eles dormem naturalmente por esse curto tempo e não mais. Parte da explicação parece residir na genética, especificamente em uma subvariante de um gene chamado BHLHE41.3 Os cientistas estão

agora tentando compreender o que esse gene faz e como ele confere resiliência a tão pouco sono.

Ao saber disso, imagino que alguns leitores acreditem agora que fazem parte desse grupo seleto. Isso é muito, muito improvável. O gene é raríssimo, estimando-se que apenas um número muito pequeno de pessoas no mundo inteiro seja portador dessa anomalia. Para reforçar ainda mais esse fato, cito um de meus colegas de pesquisa, o dr. omas Roth, do Henry Ford Hospital em Detroit, que disse certa vez: “O número de pessoas que podem sobreviver com cinco horas ou menos de sono sem nenhum prejuízo, expresso como uma porcentagem da população e arredondado para um número inteiro, é zero.”

Há apenas uma fração de 1% da população que é de fato resiliente aos efeitos da restrição de sono crônica em todos os níveis da função cerebral. É muito, muito mais provável que você seja atingido por um raio (as chances em uma vida são de 1 em 12 mil) do que seja de fato capaz de sobreviver com sono insuficiente graças a um gene raro.