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PARTE I – OS VALORES DA ARTE

CAPÍTULO 8 – SERÁ APENAS UMA RETÓRICA NEOLIBERAL?

8.2 A economia criativa no Brasil

Em 2004, durante a gestão de Gilberto Gil como ministro da Cultura, a XI Conferência da UNCTAD foi realizada em São Paulo. Esta foi a primeira vez que as indústrias criativas foram tratadas em um painel específico para países emergentes (MELLO; ZARDO, 2015). No mesmo ano, uma parceria do Ministério da Cultura com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) integrava indicadores econômicos e sociais (DURAND, 2007). Em 2012, foi criada a Secretaria da Economia Criativa, vinculada ao Ministério da Cultura. A premissa era que "a diversidade cultural passa a ser o recurso fundamental para o desenvolvimento das nações [...]" (BRASIL, 2012, p.19). No plano oficial, a definição adotada é semelhante à inglesa:

[...] os setores criativos são todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica. (ibidem, p. 22)

Contudo, a Secretaria não se concentra tanto na produção em massa, como ocorre no Reino Unido, mas tem como princípios norteadores: a "diversidade cultural", a "sustentabilidade", a "inovação" e a "inclusão social" (ibidem, p.34-35, grifo nosso):

A Economia Criativa Brasileira deve então se constituir numa dinâmica de valorização, proteção e promoção da diversidade das expressões culturais nacionais como forma de garantir a sua originalidade, a sua força e seu potencial de crescimento. [...] é importante definir qual tipo de desenvolvimento se deseja, quais as bases desse desenvolvimento e como ele pode ser construído de modo a garantir uma sustentabilidade social, cultural, ambiental e econômica em condições semelhantes de escolha para as gerações futuras. [...] Assumir a economia criativa como vetor de desenvolvimento, como processo cultural gerador de inovação, é assumi-la em sua dimensão dialógica, ou seja, de um lado, como resposta a demandas de mercado, de outro, como rompimento às mesmas. [...] No Brasil, onde a desigualdade de oportunidades educacionais e de trabalho ainda é evidente, onde o analfabetismo funcional atinge um percentual considerável da população, onde a violência é uma realidade cotidiana, onde o acesso à cultura ainda é bastante precário (quando comparado com o de países desenvolvidos), não se pode deixar de assumir a inclusão social como princípio fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas culturais na área da economia criativa.

Na prática, a Secretaria de Economia Criativa foi responsável por quatro setores: artesanato, arquitetura, design e moda (BRASIL, 2013). Sua proposta, atualmente, está sendo reformulada e talvez ela não exista por muito tempo. Mas, como discurso político, a ideia de gerar valores sociais e econômicos por meio de

123 atividades criativas se espalha por iniciativas privadas e por todo o Ministério, como deixa visível o Plano Nacional da Cultura, lançado em 2011, e em vigor por dez anos. Ele se estrutura em três dimensões: "a cultura como expressão Simbólica"; como "direito de cidadania"; e como "campo potencial para o desenvolvimento econômico com sustentabilidade".

Algumas metas ressaltam a importância de políticas públicas, como a 24: "60% dos municípios de cada macrorregião do país com produção e circulação de espetáculos e atividades artísticas e culturais fomentados com recursos públicos federais" (BRASIL, 2011, p.9-12). Realmente, o Ministério da Cultura conta com órgãos como a Funarte, a Cinemateca e a Biblioteca Nacional, que promovem o financiamento público para artistas, cineastas e escritores. Apesar das flutuações, os gastos do Ministério da Cultura passaram de, aproximadamente, R$ 226 milhões em 2004 para R$ 1,2 bilhão em 2014. Já as despesas da Funarte passaram de, aproximadamente, R$ 38 milhões em 2004 para R$ 131 milhões em 2014, conforme a tabela a seguir.

Tabela 2: Despesas do Governo Federal com o Ministério da Cultura, a Funarte e as premiações

culturais.

Ano Ministério da Cultura (milhões de reais) Funarte (milhões de reais)

Premiações culturais, artísticas, científicas, desportivas e outras (milhões de reais) 2004 266 38 7 2005 324 32 0,8 2006 407 56 2 2007 470 60 15 2008 599 69 6 2009 786 90 17 2010 749 118 36 2011 946 104 23 2012 1.093 211 101 2013 1.275 156 32 2014 1.247 131 24

Fonte: <http://transparencia.gov.br/>. Acesso em: 28 jan. 2015.

Além disso, há os editais do Fundo Nacional da Cultura, que preveem o financiamento direto de até 80% do custo de projetos culturais (sem passar pela escolha de departamentos de marketing, como no caso da Lei Rouanet). Nos níveis estaduais e municipais, a situação é semelhante. A Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, por exemplo, também apresenta iniciativas como os editais do Proac

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(Programa de Ação Cultural), que oferecem recursos públicos para que os candidatos selecionados desenvolvam seus projetos (BRASIL, 2013; SÃO PAULO, 2006-2014).

Mas as metas de 7 a 10 do Plano Nacional de Cultura refletem uma importância econômica: "100% dos segmentos culturais com cadeias produtivas da economia criativa mapeadas"; "110 territórios criativos reconhecidos"; "300 projetos de apoio à sustentabilidade econômica da produção cultural local"; "aumento em 15% do impacto dos aspectos culturais na média nacional de competitividade dos destinos turísticos brasileiros"; e "aumento em 95% no emprego formal do setor cultural". A meta 53 reforça: "4,5% de participação do setor cultural brasileiro no Produto Interno Bruto (PIB)". (BRASIL, 2011, p.11).

Mesmo em editais para ocupação de espaços públicos, os artistas devem ser aptos a usar a linguagem empresarial, apresentando orçamentos, cumprindo prazos e sugerindo contrapartidas. O exemplo a seguir foi retirado do Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2014, e apresenta os critérios de seleção de projetos de artes visuais para exposições nas galerias da Fundação. Pode-se observar que a "linguagem artística", embora seja o primeiro parâmetro, aparece ao lado de outros, como a adequação ao cronograma, as ações sociais e educativas, as estratégias de comunicação e o público-alvo:

a) excelência do projeto quanto à qualidade, aos objetivos, à inovação, à linguagem artística e conteúdo;

b) capacidade de execução do projeto de acordo com o cronograma apresentado;

c) ações socioeducativas que visem à democratização do acesso aos resultados finais do projeto, como por exemplo: debates, palestras, encontros, visitas guiadas com monitoria entre outras;

d) qualificação dos profissionais envolvidos no projeto; e) estratégias de comunicação e divulgação do projeto;

f) público-alvo do projeto, considerando a importância da renovação e qualificação de público para as artes visuais; (BRASIL, 2014)

Será que, apesar dos investimentos públicos, esse momento revela, portanto, a convergência entre as atividades artísticas, a economia e o trabalho, como vem se anunciando desde meados do século XX? Ou ainda, será que este é o resultado do pensamento neoliberal, como emergiu nos anos 1980?

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